Fim da vigésima leitura.
Norte e Sul, de Elizabeth Gaskell é um dos livros que eu releio todo Setembro - para comemorar meu aniversário. Decidi fazer isso no ano de 2015, mas, como eu houvera emprestado o livro para minha irmã número dois (e ela atrasou a leitura), não pude colocar o plano em prática. 2016 e este ano foi diferente.
Comecei esta leitura no feriado de sete de setembro e, durante uma madrugada de insônia, eu decidi escrever alguns pontos históricos sobre a sociedade de Milton Norte. Então, segue abaixo minha pontuação:
N&S tem como pano de fundo uma sociedade pós-revolução industrial, na cidade fictícia de Milton Norte - que foi baseada na cidade inglesa de Manchester, onde a escritora residiu por alguns anos com seu marido.
Os protagonistas são John Thorton e Margaret Hale.
Ela vem de uma sociedade aristocrata, neta de Lady e Lorde Beresford. Viveu em Londres com sua tia Shaw - viúva de um General - e com sua prima Edith durante quase dez anos. Conheceu todo o requinte da sociedade londrina e seus personagens.
Depois do casamento de sua prima, Margaret retorna para Sua cidade natal, Hellstone onde reside por alguns meses antes da grande mudança.
Seus pais são pessoas simplórias: a mãe sente falta do glamour da juventude e o pai é um pároco sem ambição de por um cargo superior ao que ocupa. Ambos casaram-se por amor, mas logo descobrem que os recursos escassos e um lugar pastoril não são sinônimos de bem-estar e felicidade; pelo menos para o lado feminino do casal que não possui outra ocupação que não seja a casa.
Pouco tempo depois da chegada à Hellstone - antes do inverno e durante a estação dos pêssegos - Margaret está diante de uma nova mudança: abandonar o campo e ir para uma cidade industrial.
Milton é uma cidade coberta pela fumaça das fábricas dela fuligem. Seu ar é pesado e sua gente é ocupada.
O período, como mencionado, é pós revolução industrial: as fábricas produzem muitos empregos, salários baixos e modo de vida alto.
Os sindicatos estão ativos e as greves já não são novidades. E, quando Margaret chega para residir nesta fumacenta cidade, outra greve está pronta para eclodir.
Alguns pontos são interessantes de notar na narrativa sobre a vida industrial em Milton:
- os donos eram ricos emergentes;
- as fábricas ainda estavam na primeira idade; nas palavras de John Thornton, o maquinário precisa sofrer adaptações ao longo do processo e uso;
- as doenças causadas pela fumaça das fábricas e principalmente pela fuligem expelida pelo algodão - matéria prima usada nas fábricas em Milton - provoca doença pulmonar pela inalação durante a jornada de trabalho. Esse fato é representado pela personagem de Bessy Higgins, filha de um sindicalista e amiga de Margaret. Segundo Bessy, a fuligem poderia ser amenizada com a instalação de uma espécie de ventilador que levaria a maior parte do resíduo para fora da área de produção. Mas isso era barato e muito menos interessante para os donos de fábrica - não havia retorno lucrativo para este investimento;
- para John Thornton, a poluição era algo que ele amenizou na sua fábrica; desta forma a utilização do carvão para as máquinas a valor era melhor consumido, e a fumaça expelida no ar não era tão tóxica.
Margaret vivia entre dois mundos: enquanto Nicholas Higgins (pai de Bessy) lhe apresentava o ponto de vista dos operários, John Thornton era a outra ponta da corda.
Depois de encontrar Bessy, Margaret se tornou mais interessada na classe proletária de Milton. Era visita quase constante aos Higgins e a vida/sofrimento dos vizinhos destes também lhe era conhecida.
As discussões entre John Thornton e Margaret acontecem por ela não conseguir enxergar o ponto de vista dele sobre os negócios industriais. Para Thornton, a mão de obra não deve saber como ele aplica seu dinheiro ou gerência sua fábrica; ele não responsável por aqueles a quem emprega, exceto durante a jornada de trabalho que lhes é contratada. Para Margaret, a falta de vínculo mais pessoal entre Thornton e o proletariado, sua falta de compreensão sobre o sofrimento que vivem seus funcionários, a irrita e faz ela pensar que ele possa ser um tirano.
As conversas são muitíssimas interessantes entre o casal e, como o mundo já se tornou capitalista, entender John Thornton é fácil.
Estas foram minhas avaliações da madrugada.
Adiciono, também, que a religião era algo que não se encaixa na vida em Milton. Existe a presença da fé cristã em alguns diálogos de alguns personagens, principalmente na família Hale. Mas, Nicholas Higgins questiona a necessidade da igreja na sociedade industrial: famílias estão morrendo de fome, os salários são baixos e as condições básicas de vida são precárias. Em um lugar onde ganhar e melhor visto do que crer (como profissão de fé), qual a utilidade e a veracidade da igreja: os patrões as frequentam mas não aplicam o discurso em sua vida diária - principalmente no que se refere aos negócios (melhores salários e condições de trabalho que promovam a dignidade do trabalhador).
Outra situação que chama a minha atenção é sobre Margaret. Depois de voltar para a vida aristocrática, esta sociedade não dá mais prazer. O conforto e falta de objetivo que encontra na casa de sua tia Shaw a deixam inquieta: há, em algum lugar, uma pessoa que sofre e precisa de alguém que a ouça, a aconselhe e cuide.
Assim que sua vida se estabelece (a custa de sofrimento e perdas), Margaret retoma às atividades de filantropia. Esse era o modo de vida que sua nova sociedade familiar não conseguia entender: como Miss Hale poderia ficar o dia fora com pessoas sem refinamento, usar do seu tempo para cuidar de pessoas de classe tão inferior. Essa característica a personagem aprimorou em Milton Norte, mas já a praticava em Hellstone.
Esta é a minha visão da terceira leitura de Norte e Sul. Ano que vem, se assim eu puder, voltarei à esta maravilhosa leitura.
Omnia Vanitas. 💀