23 de dezembro de 2015

Elementar, meu caro Watson..




Enquanto Maugham não chega às minhas mãos, eu me deleito com outras leituras, ao propósito do momento, Arthur Conan Doyle me entretém com seu primeiro romance do detetive Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho.

E, durante este início de leitura, Holmes chamou minha atenção quando conversava com Watson.

O médico está envolvido pela personalidade diferente do detetive e, durante o primeiro caso juntos, antes de chegarem à cena do crime, o diálogo chama minha atenção. Watson  está intrigado por Holmes não conversar sobre o caso durante a viagem até o local do crime; e, gentilmente, Holmes responde:

- Ainda não temos os dados, respondeu ele. É um erro capital teorizar antes de termos todas as evidências. Distorce o julgamento.

Que belo conselho para ansiosos e fofoqueiros: refreiem o pensamento antes de qualquer ação (inclusive pensar)! Se ainda não se sabe o que se tem em mãos, não julgue a situação ou alguém. Neste mundo ágil de informações prematuras, somos os juízes de falsos fatos.

Portante, use essa lição de Sherlock Holmes: não tome conclusões antes de verificar a cena do crime. ;) 

Omnia Vanitas.

18 de dezembro de 2015

O Pecado de Liza..

Fotografia do filme baseado no livro de Somerset Maugham "O Véu Pintado"

Voltei a ler Maugham!

O primeiro livro das minhas "férias" foi "O Pecado de Liza". 

Em um lugar onde as mulheres bebiam sob a desculpa de fazer bem à saúde e os homens para justificar a brutalidade doméstica, Liza é a garota mais benquista do local, feliz, bonita e disposta a jogar críquete com as crianças da rua. Seu admirador era Tom, o jovem trabalhador e honesto rapaz da região que ama a protagonista acima de si mesmo. Mas entra em cena um terceiro elemento: Jim.

A vida pacata de Liza toma o rumo oposto após a chegada de Jim, e tudo muda na vida dela: a vizinhança não a quer por perto, as crianças zombam dela e as mulheres casadas a evitam. Porém, apesar do final que aguarda Liza, eu lhe digo, anônimo leitor, que Liza, apesar das circunstâncias, foi salva! 

Omnia Vanitas.


14 de dezembro de 2015

Je suis en train de lire..



O meu primeiro clássico foi um livro de Alexandre Dumas: O Conde de Monte Cristo. E, apesar de ser um livro maravilhoso, a leitura de um clássico nunca é fácil. Algumas palavras são rebuscadas demais e podem tirar o ânimo de um leitor desavisado. 
Lembro-me de quando li um livro de Cervantes: O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha; logo na primeira página eu tinha um pouco mais de quinze palavras sublinhas - indicando que eu não conhecia a denotação delas. Em Dumas não foi diferente. O "pior" em Dumas foram os fatos históricos: foram algumas pesquisas rápidas na internet para saber do que se tratava. 

Em 2014 eu decidi começar a estudar a língua francesa - não mais do modo autodidata. Inscrevi-me na Aliança Francesa da cidade onde morava e comecei a frequentar as aulas; e comecei a estudar esta língua por dois motivos:

- para ler os livros de Alexandre Dumas na língua original (o francês)
- para ajudar em um possível Mestrado e Doutorado. Por conhecer minha situação financeira, sei que viajar à França está longe das minhas possibilidades, quem sabe um dia ;) .

O mais maravilhoso do curso de francês (e o fator decisivo que me levara a escolher aquela escola) é o fato de estar na grade curricular a leitura em  francês. Combinou perfeitamente com meu primeiro desejo.

Logo que fiquei habilitada a começar a ler os livros (em traduções para o meu nível de conhecimento da língua francesa) eu comecei a ler e fiquei emocionada: estava lendo em francês. Então, minha vontade aumentou e eu comprei dois livros do Dumas em francês (eis o registro). Festa! Conhecedora da minha pouca condição de ler um livro de "gente grande", guardo esses dois exemplares com muito carinho, esperando pelo momento certo.

Mas a caminhada não é fácil. 

Estou lendo um livro chamado "La Rentrée du Petit Nicolas" que emprestei da Aliança Francesa aqui de Floripa. Acho o máximo essa leitura. Às vezes, estou rindo sozinha por conta das peripécias do pequeno Nicolas. É maravilhoso!!!...e também laborioso. Quantas palavras e expressões que ainda não conheço. Quantas vezes preciso recorrer ao dicionário (físico e digital) para aprender algo novo. E, por vezes, é muito cansativo. Tenho vontade de jogar o livro longe e desistir! Chega! É complicada demais essa língua. ... Mas daí eu lembro da minha dificuldade em ler os clássicos traduzidos e como consegui superar essa etapa, subir os degraus - às vezes,  muito lentamente. 

Portanto, por mais que eu queira desistir, não o farei. É o meu desejo, minha vaidade em ler meu querido Dumas em língua francesa (e agora também Jules Verne) que me faz prosseguir. Tenho habilidade, inteligência e determinação para ir em frente na minha decisão: eu quero ter o prazer de ler Alexandre Dumas na língua nativa dele. E lerei! 



Omnia Vanitas

10 de dezembro de 2015

Livro de Infância..

Histórias da Floresta - Hernani Donato


Comprei um livro.

Sem nenhuma novidade até aí! Mas, este livro é muito especial para mim. Eu já comentei neste blog sobre o primeiro livro que eu me recordo de ler (clique aqui), e este livro que comprei também faz parte da minha infância literária (ou pelo menos eu acho que seja ele).

Eu lembro de uma cena com este livro: eu estava sentada na escada da sala da casa da minha mãe - nossa casa ainda era de alvenaria. Eu estava sentada nesse degrau (que leva até a cozinha) e na porta havia uma cortina verde com estampas de folhas. Eu me recordo de estar com este livro nas mãos (que eu havia locado na biblioteca da escola primária que eu estudava) e havia uma gravura de um jabuti socorrendo alguém (ou alguma coisa) que havia caído no rio. Ele puxava uma corda e tentava salvar a vítima. 
Essa imagem está gravada na minha memória a muito tempo, mas, para minha tristeza, eu não lembro o título do livro.
Por várias vezes eu vasculhei a internet em busca deste livro. E, hoje, talvez, eu o tenha encontrado. Logo que a remessa chegar, estarei postando novamente para lhe dizer, esquecido leitor, se se trata do meu livro de infância. 
Caso seja ele, terei prazer em emprestá-lo para minhas sobrinhas-netas e filhos lerem uma das histórias que construíram minha vida literária.

Omnia Vanitas.

8 de dezembro de 2015

Dois Generais ..



Registro de leitura:

Entre os muçulmanos, homens de toda classe que tiveram oportunidade de avistar o general Bonaparte ficaram admirados de quão baixo e franzino ele era  [...] Aquele dentre nossos generais cuja aparência os assombrou sobremaneira [...] foi o general em chefe da cavalaria, Dumas. Homem de cor, e por sua figura assemelhando-se a um centauro, quando o viram cavalgar sobre as trincheiras, indo ao resgate dos prisioneiros, todos acreditaram que fosse o líder da campanha.
[Nicolas René Desgenettes, registro da impressão que a expedição de Napoleão exerceu sobre a população local do Egito].

Para Napoleão, Dumas era-lhe uma pedra no sapato. O pequeno general achava que Dumas e suas ideias humanitárias de invasão (sem extorquir e violentar os moradores da cidade dominada) eram uma ofensa a ele como General da revolução.

Na verdade, ele estava errado em presumir que Dumas fosse desleal. Generais como Dumas lideravam por meio da inspiração e, como o Exército Continental de Washington, lutavam melhor com um motivo para lutar. A disciplina cega não era necessária quando a pessoa combatia por uma causa justa.Mas a dedicação de Dumas a seus ideais republicanos, sua nação e seus camaradas deixavam Napoleão indiferente. Em sua cabeça, havia apenas um tipo de lealdade que importava - a lealdade a ele.

Por isso amo o general Dumas, ouso dizer que mais o general do que ao filho ou seu neto!

Omnia Vanitas.

Conquistadores ..

Ilha de Malta


Se há algo que diverte meu marido é a leitura que estou fazendo de Conde Negro. O motivo da diversão é porque toda vez que vou comentar algo sobre esta leitura eu lhe digo: "Amor, Napoleão é um f.d.p.!!"
E, ontem, tirei um tempinho na parte da manhã para colocar a leitura em dia. E, além de corroborar a minha ideia sobre o general (imperador de araque!) Napoleão, eu li algo muito interessante sobre a Ilha de Malta.  Segue o texto:

Desde a Idade Média, os cavaleiros hospitalários tinham se baseado em Malta, que haviam transformado na ilha fortificada mais inexpugnável da Europa. Candidatos a cavaleiros santos apareciam de toda a parte, na esperança de conquistar fama e glória para Deus combatendo o islã num clima ensolarado. Mas a ilha era também um refúgio para patifes aventureiros de toda espécie, como o pintor renascentista italiano Caravaggio, que, depois de cometer assassinato, fugiu para Malta em 1607 e foi sagrado cavaleiro como retribuição pela pintura de sua obra-prima, A decapitação de são João Batista. (Segundo algumas fontes, sir Caravaggio depois se envolveu em outra violenta altercação, com um colega de confraria, e deixou Malta em desgraça).A despeito dos votos da ordem, incluindo a castidade, Malta também se tornou famosa pela beleza e liberalidade de suas prostitutas, com as melhores ficando reservadas aos cavaleiros e seus hóspedes. E, combatendo o infiel em alto-mar, eles capturavam tantos escravos de galés e tamanho butim que começaram a ser vistos como uma versão cristã dos piratas berberes. Quando chegaram aos ouvidos do papa notícias sobre a moralidade frouxa dos cavaleiros, ele enviou um inquisidor à ilha, em 1574, que se estabeleceu em uma mansão no bairro comercial.Os hospitalários haviam sido outrora intrépidos cruzados lutando pela causa de Cristo; agora, sua praça-forte insular estava mais para uma versão medieval em Palm Springs, onde cavaleiros de idade avançada viviam à custa de uma cuidadosa renda fixa de tesouros amealhados, bem como de tributos gerais e impostos feudais coletados em suas terras natais. Essa última fonte de renda era a mais importante e, como muitos hospitalários descendiam de famílias nobres francesas, os impostos que sustentavam o pródigo estilo de vida da ordem provinham em proporção desigual da França. Quando a Assembleia Nacional francesa aboliu os impostos feudais no verão de 1789, Malta acusou o duro golpe. Aristocratas de toda a Europa ficaram exasperados, mas os cavaleiros hospitalários ficaram arruinados. Fizeram oferecimentos de aliança com os inimigos da França, Áustria e Rússia, bem como conspiraram com seu tradicional senhor feudal, o Reino de Nápoles, dos Bourbon.(...)Em 1800, os britânicos tomaram Malta dos franceses e fizeram da ilha o quartel-general da Frota Mediterrânica da Real Marinha. Durante a Segunda Guerra Mundial, Malta suportou outro cerco inacreditável - dessa vez dos nazistas. Cavaleiros ou não, os malteses mostraram que podiam fazer frente contra o inimigo mais feroz. O rei da Inglaterra concedeu a Cruz de Jorge à 'fortaleza insular de Malta [...] para honrar seu bravo povo', um raro caso em que o mais elevado galardão civil por bravura do Império Britânico foi concedido a um grupo, não a um indivíduo. Franklin Roosevelt chamou Malta de 'uma minúscula chama brilhante nas trevas' da Europa nazista".

Omnia Vanitas
Napoleão f.d.p.

1 de dezembro de 2015

..Anseio por ti



Eu gosto muito de cartas! Em Conde Negro, há muitas cartas do general Dumas à seus superiores, mas eu quero deixar registrado uma carta que é particular ao general. Sua esposa está grávida do segundo filho e escreve a seguinte missiva ao marido (anunciando a data próxima do nascimento da criança):


Meu bom amigo,
A guarnição militar que fica aqui hoje a caminho da Alemanha [...] te levará esta missiva transmitindo nossos votos mais ternos e informando-te que a data prevista se aproxima e eu quero que estejas comigo na ocasião. Não a proteles e traze-me a coragem de que necessito. Todos aqui te congratulam. Marie-Aimée (...) envia-te mil beijos carinhosos e eu acrescento outros mil e anseio por ti.Marie-Louise Dumas




Omnia Vanitas

O bom filho à casa torna!




Crianças, eu voltei !!!!

Que saudade dessa "bagunça"! Eu, realmente, não sabia que estava com saudade até ler um texto na internet, intitulado "Se Arrependimento Matasse..." . E, depois, eu comecei a reler meus textos neste blog e pensei "porque não voltar aos devaneios e dicas sem sentido?".

Diga ao povo que eu voltei!!

Ainda não sei sobre o que escrever, mas vou procurar algumas coisas sobre o que "escrivinhar".
Sobre uma coisa eu serei justa comigo: minha lista de livros está em dia! Como sou desorganizada para anotações (mesmo possuindo uma conta no Skoob), eu quis manter a lista de livros lidos/relidos/leitura atual em dia! Portanto, meu livro de mão de hoje é "O Conde Negro" de Tom Reiss  ... Poxa! Que livro fantástico! Outra hora eu rasgo elogios sobre a minha ignorância sobre história da França e meus delírios sobre o general Dumas!

Au revoir!

Omnia Vanitas

20 de agosto de 2015

Experiência ...



Bem que o meu horóscopo me avisou que este mês eu estaria introspectiva. Olha aí, leitor, introspectei

Estava trabalhando hoje pela manhã e pensei: vou dar um tempo nesse blog! Excluir não pois gostei de  tudo o que escrevi, cada devaneio me agrada.

Então, decidi fazer uma experiência. Há tempos eu pensava nisso e, agora, quero colocar em "obra". Vou comprar um caderninho e ficar escrevendo todos as loucuras literárias, musicais, televisivas e fofocas em geral, em um caderno simples de estudante. Vantagem? Descreverei: uma das vantagens é que o caderninho poderá sempre estar comigo - aqui no blog eu preciso para e sentar em frente ao PC/Tablet/Notebook para começar a escrever. Com o meu caderninho em mãos, na hora que a ideia surgir.. BOOM! é só sacar o lápis da bolsa e começar a rabiscar o devaneio no papel (em qualquer tempo ou lugar). 

Acho que é isso! Então, amigos leitores anônimos, eu não vou descartar a possibilidade de voltar a escrever nesta página, mas, atualmente, eu quero experimentar um novo horizonte, ok!
E, se por acaso, você me encontrar na rua e quiser saber sobre o que estou lendo....oferecerei-lhe o meu tímido caderninho para você passar a pestana por cima!

Omnia Vanitas.

12 de agosto de 2015

Concurso


Em Novembro do ano passado, eu passei na Livrarias Curitiba e peguei um informativo deles. Nem sei porque faço isso, eu raramente compro livros novos, 90% dos casos são livros de segunda mão.
Mas, passei e peguei o dito exemplar. E, para minha surpresa, eu encontrei um conto bem interessante. 
Trata-se de um concurso que a livraria lançou: "V Concurso de Contos" que uniu 927 contos. Até onde compreendi, quatro contos foram escolhidos e publicados no informativo. O conto que transcreverei é de Alexandre Braoios, e se chama "Meus Mortos".

"Depois de muitos anos, adiamentos e apego patológico, decidi dar fim aos corpos amontoados no meu porão. Preciso fazer uma profunda faxina, deixar a luz entrar, apagar as marcas deixadas por anos de violência que nutriram meu sadomasoquismo. Três corpos cuidadosamente preservados. Com o tempo dominei a técnica de preservação e, periodicamente, velava-os num misto de compaixão e fúria. Foi um  trabalho árduo, sacrificante até, mas isso satisfez minha morbidez doentia.
Começo pelo mais novo. Nove anos. Minha primogênita vítima e a mais difícil de matar. Talvez pela idade, talvez pela minha inexperiência no âmbito do crime. O corpo franzino ainda preservava as feições inocentes, o sorriso infantil e o corpo a meio caminho entre a infância e a puberdade.Era o principal alvo de minha devoção sórdida. O segundo corpo era de um rapaz de seus vinte anos (talvez um pouco mais). Em vida era forte, arredio e decidido. Levei bastante tempo para silenciá-lo. Tinha muito a falar. O último, um homem de 35 anos, foi meu mais recente assassinato. Conservava o rosto sério e compenetrado. Arrisco-me a dizer que tinhas poucos amigos. Ainda era possível sentir o calor de seu corpo.
Os três defuntos jaziam perfilados sobre o piso frio do porão compondo um cenário sombrio. Limpei-os respeitosamente, vesti-os com roupas novas e arrumei seus cabelos com carinho. Queria que mantivessem o mesmo frescor de quando o sangue ainda banhava suas carnes.
Demorei a me decidir entre enterrá-los longe, no ermo, ou mantê-los comprometedoramente próximos. Ainda nutria um certo apego e, por essa razão, meu jardim seria o melhor lugar. Assim, solenemente os cobri com a terra fértil, com a esperança de nutrir flores de coloridos diversos e tais cores, quiçá, inibirem a erva danosa.
De volta ao porão ainda malcheiroso, iniciei a limpeza. Crostas impregnavam e manchavam o chão, as paredes e até o teto. Por um instante vislumbrei o horror encenado naquele lugar. Cenas que produziram chagas profundas a me ferir muito mais que a eles, minhas corajosas vítimas. Cada golpe imputado produziu lesão ainda maior no meu corpo cansado, perpetuando indefinidamente a sensação dolorosa.
O trabalho será lento, mas o principal já consegui, livrei-me da adoração fanática e da dependência. Não mais serei refém das minhas assombrações, tão possessivamente minhas, a ditar meus passos, meus embaraços, minhas dores e alegrias tímidas. Quero as alegrias escancaradas e gordas sem a culpa a refreá-las.
O menino que fui, tímido e inocente; o jovem alegre e esperançoso que tentei ser e o adulto que julguei ser independente estão para sempre enterrados. De agora em  diante, somente lembranças sadias comporão o que sou, ou serei. Sem culpa, sem saudosismo, sem entraves. Minha completude inicia-se agora, no momento em que enterro meus mortos e finalizo minha faxina íntima".

30 de julho de 2015

A Escada ..


Aqui estou eu, curtindo uma visita à Abadia de Northanger com Catherine Morland quando, por acaso, me lembrei de um fato na minha época de criança que instigava a minha curiosidade (e do meu irmão também).

Meus pais são descendentes de alemães. Meus bisavós vieram da Alemanha e se instalaram por essas terras. Infelizmente, tive pouquíssimo contato com meus avós e, algum contato, até certa idade, com minhas tias e tios.

Dois tios se destacaram na minha infância e adolescência (ambos irmãos do meu pai): Tio Willy e Tia Olga.
O tio morava em um sítio. Uma maravilha de lugar. Plantações de arroz, milho, córregos em todos os cantos, um poço no meio do terreno, pão caseiro feito em forno de barro ... Tirando os gansos, tudo era ótimo naquele sítio: a criação de gado, porcos, galinhas, patos, marrecos ...e gansos. 

A tia mora "na cidade". Um jardim pequeno, uma varanda aconchegante com um balanço, um banco fixo, flores em um pequeno canteiro. Casa estilo enxaimel.
A cozinha, com o seu fogão à lenha, feito de tijolos, fica perto da perto que leva ao quintal, onde há a plantação de hortaliças, verduras, legumes etc..
Uma janela no canto esquerdo, a porta principal (que sai para rua) e uma porta que leva dentro de casa: onde ficam os quartos, a sala de estar, a sala principal e um banheiro. E, até hoje, ela conserva os móveis antigos. É muito linda a casa da minha tia Olga.
Mas, ainda na cozinha, havia algo que nos fascinava (à mim e ao meu irmão): a escada que vai em direção ao sótão.
Até hoje, não sei porque, escadas me fascinam. Mas somente aquelas que levam à um sótão ou à um porão. A minha tia tem uma escada que leva ao sótão.

Chegávamos na casa dela, meu pai, meu irmão e eu. Cumprimentávamos minha tia e meu tio com beijos e abraços tímidos e, então, meu pai sentava na cozinha com eles e se punha a conversar. Para meu irmão e eu, restava somente ouvir a conversa dos adultos. Minha tia não tem filhos da nossa idade, então, nada de brincar com os primos - pois eles já estavam crescidos e morando longe. 
Enquanto meu pai sentava em uma cadeira, "as crianças" sentavam nos primeiros degraus da escada. E só podia sentar nos primeiros degraus. Nada de ficar subindo até o sótão.

E, enquanto os adultos conversavam, nós, de maneira distraída, sentávamos um degrau acima. Mas, sempre ouvíamos a reprimenda de um deles, dizendo: "Voltem aqui para baixo!".

Certa vez, que glória foi esse dia, conseguimos ficar somente por cinco degraus de distância do fim da escadaria. Quase-quase! ... Então, uma voz adulta nos chamou de volta e, claro, voltamos com carinhas de anjo e nos sentamos nos primeiros degraus da escada.

Eu ainda não sei o que há naquele sótão. E, realmente, talvez eu não queira conhecer aquele lugar. Atualmente, visito pouco minha tia Olga (sempre que vou, estou na companhia do meu pai). Certa vez, ela mostrou algo muito mágico para mim: a banheira de imersão que ela tem no piso principal. Linda! Azul clara, como a primeira banheira que me banhei (aos 13 anos). E, sorridente, minha tia comentou - depois de notar meu entusiasmo: "Se sua tia sentar nessa banheira, ela não levanta mais". Minha  tia é uma senhora de 85 anos.

Não sei que mistérios guardam aquele sótão; e não quero perguntar à minha tia pois, meu instinto de sobrinha diz que, são lembranças de histórias tristes.

Fico com a magia do não descoberto, da fantasia e do mistério do sótão da casa da tia Olga.

Omnia Vanitas.

28 de julho de 2015

Mais uma Escolha..



Desde o mês de Fevereiro, eu venho lendo as seis obras (completas) publicadas de Jane Austen: Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade, Persuasão, Emma, Mansfield Park...e, agora, em Julho, a leitura é do livro A Abadia de Northanger.
E, durante esse período de releituras, eu pouco precisei escolher sobre o que ler, pois, tudo o que englobava a senhorita Austen eu li: Juvenília (Charlotte Brontë e Jane Austen); Orgulho e Preconceito e Zumbis (Jane Austen e Seth Grahame-Smith)e a releitura da paródia Cinquenta Tons do Sr. Darcy (Emma Thomas).

Agora, pouco mais de setenta páginas (que tenho certeza que termino essa semana) do final de A Abadia de Northanger, eu me vejo na dúvida: o que ler depois?

Pensei na sugestão do Skoob: A Ilha do Dia Anterior (Umberto Eco). Eu amei ler O Cemitério de Praga deste italiano, mas ... estou com saudade de ler Alexandre Dumas.. A dúvida nunca termina. Sem contar que Dostoièvsky está na lista com duas obras que ganhei no Natal: Irmãos Karamázov e Niétotchka Niezvânova.

Olha..não é fácil essa vida de leitor! Que angústia!


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Meu deus, lembrei de Stephen King e Maugham...aaaff!! 

24 de julho de 2015

Folguinha ..

Hoje o dia está mais calmo aqui no trabalho; então, eu resolvi postar o primeiro capítulo de A Abadia de Northanger para você, desocupado leitor. Deixo aqui o link para a primeira postagem sobre esta leitura, caso lhe interesse, também.
Abraços fraternais.. (rs)

Omnia Vanitas.



Capítulo I


Quem tivesse visto Catarina Morland em criança, nunca poderia supor que nascera para heroína. A sua situação na vida, o carácter do pai e da mãe, a sua própria pessoa e temperamento, tudo parecia contra ela. O pai era padre; mas como nunca se mostrara desmazelado ou pobre, todos o respeitavam, embora se chamasse Ricardo e nunca tivesse sido bonito.
Possuía considerável independência que lhe vinha de duas boas freguesias. Nunca tivera por costume cercear a liberdade das filhas. A mãe era uma mulher de senso prático, de bom génio, e, o mais importante, de boa constituição física. Quando Catarina nasceu já ela tinha três filhos; em vez de morrer ao dar à luz o último, como qualquer pessoa esperaria, continuou a viver. Viveu para ter mais seis filhos, para os ver crescer à sua volta e gozar de excelente saúde.
Uma família de dez filhos será sempre considerada uma bela família, porque há cabeças, braços e pernas em número suficiente para a distinguir. Porém com os Morlands não se dava isso, porque, em geral, eram muito feios e Catarina durante muito tempo da sua vida fora tão feia como todos eles.
Era magra e malfeita, tinha a pele macilenta e pálida, o cabelo escuro e liso e as feições acentuadas de mais para a idade. O seu espírito não se inclinava para o heroísmo.
Gostava de todos os jogos de rapazes e preferia o cricket, não só às bonecas mas a todos os divertimentos próprios da infância - tratar de um arganaz, dar de comer a um canário ou regar uma roseira. Na verdade não tínha gosto pelo jardim e se colhia algumas flores era apenas pelo prazer de as estragar - pelo menos assim se deduzia do facto de preferir sempre as que lhe proibiam mexer.
Estas eram as suas inclinações; as suas habilidades igualmente extraordinárias. Nunca fora capaz de aprender ou compreender qualquer coisa a não ser ao fim de muito tempo; e por vezes nem assim, porque frequentemente estava distraída e às vezes estúpida. A mãe levou três meses a ensinar-lhe a «Súplica do Pobre» e, no fim de contas, a irmã a seguir, Sally, dizia-a melhor do que ela. Não que Catarina fosse sempre estúpida; de maneira alguma. Aprendeu a fábula «A lebre e muitos amigos», tão depressa como qualquer rapariga em Inglaterra. A mãe queria que ela aprendesse música e Catarina tinha a certeza de que havia de gostar, porque sentia muito prazer em tocar nas teclas do velho piano abandonado; por isso começou a aprender aos oito anos. Estudou durante um ano, mas contrariada; e a senhora Morland, como não insistia com as filhas para serem prendadas desde que não tivessem jeito nem gosto, deu licença a Catarina para pôr de parte a música. O dia em que despediram o professor, foi dos mais felizes para Catarina.
O gosto pelo desenho não era maior, mas, apesar disso, sempre que podia apanhar um sobrescrito da mãe ou outro qualquer bocado de papel, esforçava-se por desenhar casas e árvores, galinhas e pintinhos, saindo todos iguais uns aos outros. O pai ensinava-lhe a escrever e contar e a mãe o francês, mas o seu aproveitamento não era notável em qualquer deles e fugia às lições sempre que podia.
Que caracter tão estranho e inexplicável! Com todos estes sintomas de desregramento aos dez anos, não tinha, todavia, nem mau coração nem mau gênio; raras vezes se mostrava teimosa, quase nunca desordeira, era muito boa para os mais pequenos e só raras vezes despótica com eles; era essencialmente barulhenta e impulsiva, odiava a prisão e a limpeza, e de nada gostava mais do que rebolar-se pela verde encosta que havia atrás da casa.
Assim era Catarina naquela idade. Aos quinze, o aspecto começou a melhorar, frisava o cabelo e suspirava por bailes. Desenvolvera-se, as feições tinham-se suavizado e tomado cor, os olhos ganharam vida, e a sua figura produzia melhor impressão. A falta de asseio deu lugar à inclinação para o luxo e assim se tornou asseada à medida que se tornava elegante.
Muitas vezes era com alvoroço que ouvia falar ao pai e à mãe da sua transformação: Catarina está a fazer-se uma rapariga engraçada, quase bonita, eram palavras que ouvia de vez em quando (e que alegria lhe davam).
Ser quase bonita dá mais prazer a uma rapariga que foi feia durante os primeiros quinze anos da sua vida, do que a outra que já o seja desde o berço.
A senhora Morland era uma excelente senhora e queria que os seus filhos obtivessem os maiores êxitos, mas tinha o tempo tão ocupado com os partos e com o ensino dos mais pequenos, que as filhas mais velhas ficaram inevitàvelmente abandonadas a si próprias. Por isso não era para admirar que Catarina, que, por natureza, nada tinha de heróica, preferisse, aos catorze anos, o cricket e baseball, montar a cavalo e correr pelos campos, aos livros, pelo menos aos livros de estudo, porquanto, desde que deles se não tirasse nenhum conhecimento útil e que fossem de histórias e não de erudição, não lhes opunha objeções.
Mas dos quinze aos dezessete anos preparava-se para ser uma heroína. Lia todas as obras que as heroínas devem ler para enriquecer os seus conhecimentos com aqueles assuntos que tanto auxílio e alívio prestam nas vicissitudes das suas vidas tão cheias de acontecimentos.

De Pope aprendeu a censurar aqueles que:
...vão por toda parte zombando do infortúnio;

De Gray, que
Muitas flores nasceram para desabrochar despercebidas,
E espalhar seu perfume no ar deserto.

De Thompson, que
...É uma tarefa deliciosa
Ensinar à ideia jovem como despontar.

E em Shakespeare adquiriu um grande manancial de conhecimentos, entre os quais que
...Ninharias leves como o vento
são para os ciumentos confirmações absolutas
como as provas da Sagrada Escritura.
que
O pobre escaravelho que pisamos
sofre uma dor corpórea tão grande
como quando um gigante morre.
e que uma donzela apaixonada se parece sempre
...à Resignação sobre um pedestal
Sorrindo à Dor.
.

Até então a sua cultura era suficiente, e desempenhava extremamente bem muitos trabalhos. Embora não soubesse escrever sonetos, começou a lê-los; ainda que não conseguisse entusiasmar os ouvintes com um prelúdio de piano da sua autoria, era capaz de ouvir sem grande enfado as outras pessoas tocarem. A sua maior deficiência estava no desenho: não tinha dele a menor noção, nem sequer para fazer o esboço do perfil do namorado, de forma que tivesse algumas semelhanças. Neste capítulo sentia-se absolutamente incompetente mas, não lhe fazia diferença porque ainda não tinha namorado para desenhar.
Chegara aos dezessete anos sem ter visto nenhum rapaz simpático, sem inspirar uma verdadeira paixão, nem mesmo ter provocado qualquer admiração, por muito moderada ou passageira que fosse. Isto era sem dúvida estranho! Mas as coisas estranhas podem geralmente explicar-se, se a sua causa for bem averiguada. Não havia nenhum lorde ou barão na vizinhança. Entre as famílias conhecidas nenhuma tinha adotado e educado qualquer e exposto a nenhum rapaz de origem desconhecida.
O pai não tinha nenhum pupilo e o fidalgo da freguesia não tinha filhos. Mas quando a rapariga quer ser heroína, nem a maldade de quarenta famílias a pode impedir. Algo fará e alguma coisa há de acontecer que lhe depare um herói.
O senhor Allen, que possuía a maior parte das propriedades de Fullerton, a aldeia de Wiltshire onde viviam os Morland; foi aconselhado a ir para Bath a fim da tratar da gota. A esposa, uma senhora alegre e amiga de Catarina Morland, sabendo que quando a uma rapariga, na sua terra, não acontecem aventuras as tem de procurar fora, convidou-a a ir com eles. O casal Morland concordou de boa vontade e Catarina sentiu-se felicíssima.


Uma Aventura Quixotesca..

Catherine Morland (A Abadia de Northanger, 2007)

Quando eu era uma iniciante na literatura Austeniana, eu achava que A Abadia de Northanger poderia ser um história muito diferente do que ela é. Eu pensava que poderia haver ambientes obscuros, uma louca no sótão (vide Jane Eyre, de Charlotte Brontë) ou algo do gênero. Porém, quando li pela primeira vez este livro da senhorita Austen (primeiro a ser publicado pós morte da autora), eu descobri que Catherine Morland é uma versão feminina do heróico Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes.

Apaixonada pela literatura gótica, Catherine acha que todo castelo antigo pode esconder um grande mistério, um segredo negro de determinada família, e tantas outras coisas que sua mente tola pode imaginar. 

Hoje, eu iniciei a releitura desta obra, e o primeiro capítulo já promete uma diversão no melhor "estilo Austen" de ironia e sarcasmo! Impossível não gostar de Jane Austen!

Boa leitura para mim.

Omnia Vanitas.

21 de julho de 2015

Um Alívio para a Alma..



Se você sofre de algum mal emocional, Fanny Price tem uma ótima dica para você, leitor: livro!

Fanny Price está na casa dos pais dela (e eu  gostaria de escrever que ela está feliz, mas estaria escrevendo uma mentira). Enquanto os moradores de Mansfield Park a esqueceram lá, ela tenta se distrair com sua família, e encontrou em Susan, sua irmã, uma companheira tolerável e possível emergente social.

Bom, Fanny está inconsolável esperando notícias do (quem sabe) noivado de seu amado Edmund Bertram. E, para distraí-la deste desgosto, ela decidiu emprestar livros de uma biblioteca, já que seus pais são ignorantes o suficiente para não se darem a esse "luxo".

Eis o que aconteceu:


Pouco a pouco as duas moças passaram a ficar a maior parte da manhã no andar superior, a princípio apenas trabalhando e conversando, mas depois de alguns dias, a lembrança de seus livros se tornou tão poderosa e estimulante, que Fanny viu não lhe ser possível passar sem leitura. Em casa do pai não havia livro algum; mas a riqueza traz o luxo e a audácia e uma parte da sua “fortuna” foi desviada para um salão de leitura. Fez a inscrição; espantada de ser alguma coisa por sua própria iniciativa, espantada por agir por si mesma em todos os sentidos, de poder escolher seus livros! E ter em vista o aperfeiçoamento de alguém! Mas esse era o caso. Susan nunca tinha lido nada e Fanny encontrou grande alegria em fazê-la compartilhar de seu próprio prazer e lhe inspirar o gosto pelas biografias e poesias que tanto a deliciavam.
Nesta ocupação ela esperava, além do mais, encerrar certas recordações de Mansfield, as quais eram demasiadamente aptas a apoderar-se de seu espírito se somente seus dedos estivessem ocupados; e nesta ocasião, especialmente, esperava que os livros lhe fossem úteis para desviar seus pensamentos sobre Edmund em Londres, para onde, conforme a última carta da tia, sabia ter ele ido. Não tinha dúvida sobre o que ia acontecer. A prometida notícia estava suspensa sobre sua cabeça. A batida do carteiro na vizinhança estava começando a lhe trazer terrores diários e se a leitura lhe podia afastar essa idéia nem que fosse por meia hora, já era alguma vantagem.

Então, leitor, passe naquela biblioteca da sua cidade, escolha o gênero que lhe agrada, dê-se ao prazer de elevar sua mente do sentimento que o oprime. Talvez , como a protagonista de Mansfield Park você tenha meia hora de alívio!

Omnia Vanitas.

9 de julho de 2015

Literatura Brasileira..



Estava eu indo para o trabalho, de zarco, lendo, ouvindo meu rock preferido, quando uma citação de Mansfield Park (sim, aguente, leitor, é minha leitura atual) chamou minha atenção.

Henry Crawford estava conversando com Edmund Bertram sobre literatura. A leitura de H.C. havia feito era de Shakespeare, Henrique VIII. E, durante a conversa dos jovens, com o intuito de impressionar a distraída ouvinte, Fanny Price, os meninos divagavam sobre como a literatura está envolvida no meio social. Segue:

(...) Mas a gente fica conhecendo Shakespeare não se sabe como. É uma parte da constituição inglesa. Seus pensamentos e encantos estão tão espalhados por todo o mundo que o encontramos em toda a parte; fica-se íntimo dele por instinto. Nenhum homem de alguma inteligência é capaz de abrir uma boa parte de uma de suas peças sem lhe cair imediatamente no fluxo dos pensamentos.
— Não há dúvida que Shakespeare nos é familiar até certo ponto, disse Edmund, desde a
primeira infância. As passagens célebres são repetidas por todo o mundo; estão na maior parte dos livros que lemos e nós todos falamos com Shakespeare, usamos suas imagens, descrevemos com as suas descrições; mas isto é inteiramente diverso de lhe dar o sentido que você dá. Conhecê-lo por este ou aquele trecho é muito comum; conhecê-lo mesmo por todas as suas obras, não é, talvez, pouco comum (...).

E, então, eu senti um "pesar" literário de conhecer Shakespeare somente na minha juventude, quando estava perto dos meus dezoito anos, na leitura de um livro que emprestei na Biblioteca Pública da cidade. E, lembrei, também, de um colega que  tive que leu O Senhor dos Anéis (J.R.R. Tolkien) na época do Ensino Médio (se é que isso existe lá na Bélgica). E, eu fui ler O Hobbit quando já passava dos vinte e poucos...

 E, neste devaneio eu pensei que os escritores brasileiros eu fui conhecer também neste período. E que tempo maravilhoso foi quando os conheci. Aprendi a gostar de Machado de Assis, José de Alencar, Aluízo (de) Azevedo, Rachel de Queiróz, Graciliano Ramos (chorei muito com a morte da cachorra Baleia)...

Eu não deprecio o fato de lermos escritores estrangeiros, mas parece que a cultura atual não valoriza os nossos escritores brasileiros. Torce-se o nariz para os clássicos e os contemporâneos devem, perdoe-me se estou errada, seguir a moda estrangeira para agradar os neo-leitores. 
Eu adorei ler Dom Casmurro (Machado de Assis); as três mulheres de José de Alencar: Lucíola, Emília (Diva) e Aurélia (Senhora). Li Rachel de Queiróz com entusiasmo, e descobri que amo Aluízio (de) Azevedo ao ler O Cortiço e, meu deus, eu amei ler O Mulato (que leitura surpreendente).

Temos tantas boas joias literárias no nosso país (exceto por Paulo Coelho -  rs) que não devíamos menosprezar esses talentos que compõem a Academia Brasileira de Letras de maneira impecável - exceto por Paulo Coelho.

Ensinem as pessoas a gostarem, a lerem mais literatura brasileira. É maravilhoso!

Omania Vanitas.

8 de julho de 2015

Anotações..



Eu tenho um hábito que, sempre que eu posso, não deixo de praticar. Eu adoro anotar meus pensamentos sobre trechos que leio nos meus livros. Sempre faço isso a lápis, óbvio - quem me conhece sabe que sou adepta ao uso do lápis (somente em ocasiões estritamente necessárias eu utilizo uma caneta).
E minhas anotações, às vezes, não passam de um simples "hahaha" para me lembrar que a citação provocou risos durante a leitura. Mania de leitora.

E aqui estou eu, relendo meu livro Mansfield Park encontrei algumas anotações que achei interessante. E, até onde anotei, fazem parte da segunda leitura desta obra, 2014.

Deixo aqui algumas.

No trecho em que o tio de Fanny, Sir Thomas Bertram, a procura para dizer que Henry Crawford a pediu em casamento, eu anotei o seguinte:

"Quando um homem precisa de mais de duas pessoas para obter o consentimento de um pedido de casamento, ele deveria, por bom senso, considerar negado seu pedido à dama".

 Ainda na mesma cena, no momento que Sir Thomas descobre que a lareira do quarto da sobrinha não é acessa, mesmo nos dias mais frios, há a seguinte anotação:

"Toda a preocupação sobre o bem estar de Fanny não foram estendidos com a mesma importância sobre a sua opinião sobre Mr. Crawford. Sir Thomas, apesar da sua preocupação sobre a lareira e a saúde de Fanny, permanece ignorando no que diz respeito à sua pessoa. O que ela pensa (opinião) é ignorado. Ele é tão rude e descortês quanto qualquer um na casa, incluindo Edmund, que, provavelmente, sabia da lareira e permitia a situação. Um objeto".

Quando Sir Thomas voltou de viagem, encontrou sua filha, Maria, noiva do senhor Rushworth. Logo após conhecer melhor o futuro genro, o proprietário de Mansfiel Park questiona a filha sobre sua vontade de casar com o noivo. A afirmação de Maria o convence e ele nada mais tem a dizer.
Eis a anotação que fiz sobre o que aconteceu quando Mr. Crawford veio pedir a sobrinha de Sir Thomas em casamento:

"A diferença entre a conversa entre Maria e Sir Thomas. Com Maria houve "preocupação". Com Fanny, somente uma comunicação sobre os sentimentos de Mr. Crawford - "suspeitando" que a sobrinha havia recebido bem o cavalheiro".

E, quem leu a cena que segue, sabe que Sir Thomas tratou a sobrinha como alguém que nem merecia a atenção de um cavalheiro tão bem intencionado como o "querido" Henry Crawford. Quem não conhece a peça, compra.

Então, é isso! Algumas anotações eu considero imaturas (por não terem um discernimento claro da situação). Outras eu considero toleráveis, como as que citei.

Omnia Vanitas.


7 de julho de 2015

A Sutil Maldade da Srta. Crawford..


Voltando a ler Mansfield Park depois de um longo tempo! E, sem querer que esta publicação se torne uma perseguição, vou escrever sobre esta "querida" personagem: Mary Crawford. Se você não lembra, leitor, ou não sabe sobre o porque da minha justificativa, clique aqui e saberás! ;)

Voilà Aqui estou eu falando dessa figura interessante que é a senhorita Crawford. 

Mansfield Park está em festa. A sobrinha rejeita, Fanny Price, recebe uma festa em sua homenagem! Todos estão contentes, exceto a tia Norris, claro! Fanny dança com seu amado Edmund, mas o baile é aberto ao lado de Henry Crawford. Edmund estava ocupado com a doce M.C.

E lá está a jovem Crawford circulando entre os demais quando decide socializar com os donos e familiares de Mansfield Park.
Eu achei muito interessante essa "passagem" de conversa dela, por isso estou animada em publicar. 
Eu não consigo, no momento, encontrar uma palavra para descrever essa jovem. Ela não é um enigma, mas também está longe de ser cognoscível. Ela parece, pelo menos assim interpreto, alguém que não quer se deixar conhecer. Mesmo com seu irmão, Henry, ela parece camuflar suas intenções: quando Henry se diz apaixonado por Fanny, ela o incentiva através das qualidades que ela observa na pretendente do irmão, mas, eu sinto, que no final da frase ela gostaria de dizer: - Acorde, Henry! Ela nunca se apaixonará por você!

E lá está ela, e sutil víbora, caminhando na festa em homenagem a Fanny, conversando com aqueles que lhe interessam e, com cada um deles, ela sabe quem ela deve ser. Segue:


Começou o baile. Foi mais honra do que prazer para Fanny, pelo menos na primeira dança: seu parceiro estava de excelente bom humor e procurou comunicá-lo à moça; ela, porém, estava demasiadamente assustada para poder sentir qualquer alegria, até que se pôde convencer de que não era mais observada. Jovem, bonita e gentil, porém, não havia acanhamento que lhe pudesse prejudicar a graça e houve poucas pessoas presentes que não se sentiram dispostas a elogiá-la. Era atraente, era modesta, era a sobrinha de Sir Thomas, e não demorou muito que dissessem ser ela admirada por Mr.Crawford. Bastava isso para que todos a olhassem com benevolência. O próprio Sir Thomas observava, complacente, seu progresso na dança; estava orgulhoso da sobrinha; e sem atribuir a beleza pessoal dela, como parecia fazer Mrs. Norris, à sua mudança para Mansfield, estava contente consigo mesmo por lhe ter dado tudo o mais: educação e modos.
Miss Crawford leu os pensamentos de Sir Thomas e como, apesar de todas as injustiças dele, tinha um desejo dominante de lhe agradar, aproveitou a oportunidade num intervalo da dança, para fazer um elogio a Fanny. Suas palavras foram ardentes e ele as recebeu como ela teria desejado, fazendo coro ao elogio com tanta intensidade quanto a discrição, a polidez e a sua fala descansada o permitiam.
E certamente foi mais eloquente do que a mulher, quando logo depois Mary, percebendo-a num sofá próximo, virou-se antes de começar a dançar, dando-lhe os parabéns pela beleza de Miss Price.
— Sim, ela está muito bem, respondeu Lady Bertram placidamente. Chapman ajudou-a a vestir-se.
Não que ela não estivesse contente por ver Fanny admirada; mas sentia-se tão pela sua própria bondade mandando Chapman auxiliá-la, que não podia tirar isto da cabeça.
Miss Crawford conhecia bem Mrs. Norris para pensar que ela ficaria lisonjeada pelos elogios que fizessem a Fanny; e lhe dirigiu a palavra na primeira oportunidade: 
— Ah! minha senhora, que grande falta as queridas Mrs. Rushworth e Julia fazem esta noite! — e Mrs. Norris recompensou-a com tantos sorrisos e cortesias quanto lhe permitia o tempo, no meio de tantas ocupações em que se encontrava, organizando as mesas de jogo, dando conselhos a Sir Thomas e procurando conduzir todas as “chaperons” para um lado melhor do salão.
Com a própria Fanny, Miss Crawford foi muito estouvada nas suas maneiras de agradar. Sua intenção foi dar àquele pequeno coração uma grande emoção e enchê-la de agradáveis sensações de importância; e interpretando mal o rubor das faces de Fanny, ainda pensava que tivesse conseguido o seu intento, quando, depois das duas primeiras danças, dirigiu-se a ela e disse com um olhar significativo:
— Você talvez possa me dizer por que meu irmão vai amanhã para a cidade? Diz que tem negócios lá, mas não me quer explicar o que é. É a primeira vez que não é franco comigo! Mas é a isto que todos nós chegamos. Mais cedo ou mais tarde, todos somos substituídos. Agora, tenho que me dirigir a você quando quiser uma informação. Por favor, que é que Henry vai fazer lá?
Fanny afirmou sua ignorância com tanta firmeza quanto permitia o seu embaraço.
— Bem, então, respondeu Miss Crawford rindo, devo supor que é puramente pelo prazer de conduzir seu irmão e falar de você durante o caminho.
Então, querido leitor, você consegue denotar o caráter de M.C.? Talvez ela seja a hipócrita dos nossos dias atuais, ou a sínica, ou a socialmente aceita sem ser questionada.
Na verdade, pessoas como M.C. eu evito ter qualquer aproximação. Primeiro, não acredito na bajulação. Segundo, quem exige uma amizade instantânea, como M.C. à Fanny, não tem o meu olhar de "aprovação".

É isso, leitor! Despeço-me.

Omnia Vanitas.

3 de julho de 2015

C'est un Romance Français! ..



Final de semestre no curso de francês é a hora que mais da metade da sala se descabela para fazer a prova da leitura do livro. Adivinha quem é a empolgada da turma?
Na verdade das verdades, eu não limito apenas na literatura que indicam, eu sigo adiante. E, nesta escolha, eu me deparei com um autor francês que eu conhecia somente de ouvir, como diria Jó (personagem bíblico).
Jules Verne é o nome dele. Sempre ouvi sobre os livros famosos dele: Viagem ao Centro da Terra, Volta ao Mundo em 80 Dias (leitura do primeiro semestre 2016) etc. Essa semana eu terminei de ler "Cinco Semanas em um Balão". Divertidíssimo! Infelizmente, eu leio apenas adaptações para o nível de aprendizado que estou, mas estou me aventurando a ser um pouco mais ousada nesta área e ler um nível adiante.

Na verdade, eu não vejo a hora de começar a ler textos integrais e, Jules Verne não terá nenhuma obra traduzida para PT BR na minha prateleira: somente na língua original da obra, francês.


Em breve, um resumo de "Cinq Semaines en Ballon" será publicado aqui!

Au revoir!

Falsa Liberdade..


Perdoe-me, nobre leitor, por não estar escrevendo loucuras com a mesma frequência de antes. Final de semestre no curso de francês e eu estou perdendo a linha do tempo. Para ser sincera, eu deveria estar fazendo o meu trabalho da aula, mas preciso escrever algo sobre algo diferente de francês (mesmo amando francês).

Bom, lá vai!

Eu estou ouvindo o show acústico do grupo Engenheiros do Hawaii, e, quando ouvi a música "Terceira do Plural", a pulga da inquietação mordeu meu debilitado cérebro. Aqui estou eu escrevendo quando deveria estudar.

A música fala sobre "eles" (terceira do plural, sacou?). "Quem são eles? Quem eles pensam que são?", diz a música do gaúcho Humberto Gessinger. Quem são eles, pergunto eu, esquecido leitor. Eles são aqueles de quem nós compramos uma ideia, uma missão, uma marca... Sempre há alguém por trás de nós - não somos nós que escolhemos, mas eles que nos escolhem. Isso se chama, na minha debilitada opinião, falta de liberdade.

Não somos livres, encare esse fato, leitor! Você não escolhe ser livre, mas alguém lhe disse que você estava preso e, então, você decidiu se libertar daquilo que lhe "oprimia". É isso, leitor, a liberdade é uma falseta que inventaram para vender uma boa ideia. A igreja, o Cosmos, o Invisível, o Filósofo, o padeiro da esquina, o pedreiro, o empresário - alguém está comprando um pedaço de você.

Você acha que é livre? Porque? O que você criou para lhe fazer que é livre? Plantou uma árvore? Isso não é liberdade, é cultivo de uma natureza já formada. Você criou um ser humano? Não, você apenas reproduz uma versão sua ou adota. Você não criou nada, apenas reproduz o espelho de algo já pronto.

E depois, vão dizer que tudo o que era certo agora é errado. E, agora, o que fazer com o velho? O velho é opressivo e o novo a liberdade. Mentira. Tudo é prisão.

Omnia Vanitas

23 de junho de 2015

A Carta..

"Escrevo-te estas mal traçadas linhas meu amor
Porque veio a saudade visitar meu coração" (Renato Russo, A Carta)


Existem coisas que são singulares. Por mais que se receba algo em quantidade ou frequência, uma delas se torna singular.

Eu tenho o hábito de escrever e receber cartas desde os meus catorze anos. Primeiramente, por não haver o benefício do correio eletrônico, as cartas físicas foram, e ainda são, a forma mais concreta de receber notícias de alguém.

Certa vez, visitando minha irmã que morava em Curitiba/PR, percebi que a caixa de correio dela continha apenas contas e propaganda. Achei isso muito sem graça. Decidi, então, começar a escrever para ela cartas e contar as notícias que aconteciam na família e, de modo singular, comigo. Ela adorou. A caixa de correio dela agora tinha outra "cor". 

Depois, veio o interesse de trocar cartas com um grupo de leitura. Adorei! Achei o máximo. Por pura coincidência, a maioria dessas cartas chegavam na Sexta-feira. Nada programado, apenas acaso.

Mas, entre todas as cartas que costumo receber ainda, em uma Sexta-feira, uma correspondência em especial estava na mesa do meu escritório. Nesta carta não havia menções de um cotidiano ou recomendações de leituras ou de velhas aventuras que amigas costumam recordar.
Esta carta veio com um sentimento forte de amor, sonhos, desejos e vontade de realizações. Nesta carta há a vontade de crescer junto, de sonhar junto, de conhecer junto. Meu namorado, LCF, dedicou seu tempo para escrever uma carta para mim. Mesmo podendo entregá-la em mãos à mim, ela veio pelo "modo antigo": selada e endereçada ao destinatário: eu.

Eu nem sei onde devo guardá-la. Ainda está vagando pelo meu quarto. Parece que nenhum lugar é digno dela. 

Obrigada, LCF, pelo carinho, amor, atenção e tempo dispensado, não somente ao escrever esta carta, mas por todo o tempo, até o fim! Te amo!

"E para terminar, amor assinarei
Do sempre, sempre teu..."
(Renato Russo, A Carta)

Omnia Vanitas

22 de junho de 2015

O Grande Juiz ..

Renato Russo, música "Perfeição"

Existe dentro de nós um juiz implacável. Esse pequeno juiz aponta o dedo em riste para todos ao redor e em quase todas as situações. Esse miserável juiz cresce todas as vezes que a oportunidade de julgar lhe é dada. E, assim, ele se acha um exímio ser humano perfeito.

Não pense, nobre leitor, que este juiz está vivo em pessoas de baixo caráter. Ele vive em cada ser humano. Todos nós: eu, você, o rico, o pobre, o mendigo, a faxineira, a freira, o pastor, .. todos, sem exceção, possuímos esse pequenino e forte juiz dentro de nós. 
Adoramos apontar o erro alheio pois isso nos torna poderosos. Quando olhamos para o erro alheio, esquecemos o quanto somos falhos e, assim, temos a falha impressão de que somos perfeitos. 
Concordo que, em alguns casos, minhas escolhas são melhores que as escolhas que outros fizeram para si; mas há em mim escolhas piores de outros que escolheram melhor do que eu. Minha falha pode não ser a falha de outro. Onde sou forte, outro pode ser fraco. Eu tenho o costume de dizer que não existe uma "ciência exata" para o ato do ser humano. Ele vive conforme aquilo se apresenta na frente dele: às vezes acertará, em outras, errará. E quem somos nós para erguemos o dedo e lhe apontar o erro, sendo nós ainda falhos? 

Existe um trecho no livro "As Crônicas de Nárnia: O Cavalo e Seu Menino", onde Shasta, o protagonista, ao encontrar o Leão de Nárnia lhe faz algumas perguntas. Quando Aslan lhe dá uma resposta, o menino fica intrigado:
– Fui eu o leão que o forçou a encontrar-se com Aravis. Fui eu o gato que o consolou na casa dos mortos. Fui eu o leão que espantou os chacais para que você dormisse. Fui eu o leão que empurrou para a praia a canoa em que você dormia, uma criança quase morta, para que um homem, acordado à meia-noite, o acolhesse.

– Então foi você que machucou Aravis?

– Fui eu.

– Mas por quê?!

Filho! Estou contando a sua história, não a dela. A cada um só conto a história que lhe pertence.
Se não somos bons o suficientes para amar e aconselhar, calemos a nossa boca ao julgar todos os outros.

18 de junho de 2015

Fanny Price..

Fanny Price, do filme Palácio das Ilusões, 1999 (um péssimo filme)



Desculpe-me, querido leitor de Jane Austen, se Fanny Price lhe agrada. À mim, falta-lhe sal! 

Apaixonada por Edmund Bertram, seu primo, Fanny fica sempre à parte da situação. Não que seja ignorante ou estúpida, ela é inteligente e tem uma ótima conversa. Mas, se apieda de si ao extremo. Um momento da trama me dá orgulho dela - quando ela se nega a participar do teatro "Juras de Amor" que todos em Mansfield Partk estão ensaiando. É uma peça de gosto duvidoso e seus "atores" estão cheios de malícia e má intenção. Concordo com Fanny: fique fora, garota! 

Por ser pouco participativa no meio social de sua própria família, ela adquiriu a habilidade de observar as pessoas e lhes descrever o caráter. Essa sua "habilidade" salvou-a das garras do sedutor Henry Crawford.
Mas, quieto leitor, o que adianta ser esperta contra as investidas de um cafajeste mas ser conformada com o sentimento fraco que o primo lhe concede? 
No passeio à Sothern (futuro lar da prima Maria Bertram), ela se deixou ficar sentada em um banco, esperando Edmund se lembrar dela para buscá-la. Ficou lá , sozinha, lamuriando a sua má sorte de ser abandonada pelo primo amado, enquanto este ia passear todo alegre com a vaca-vizinha Senhorita Crawford. Essa cena, longa por sinal, me irritou. O conformismo de ficar lá sentada e sofrendo por ser esquecida. Deus! Que tédio! 
Levanta-te, mulher! Vá caminhar até o teu amado e botar a vaca para pastar em outro quintal! 

Fanny Price me irrita! Viva Elizabeth Bennet!!

Omnia Vanitas.

10 de junho de 2015

Mary Crawford ..parte II



Para ler a primeira parte, clique aqui.

O segundo contraste - e o que me levou à escrever esta publicação - é a questão da igreja. Enquanto para a senhorita Crawford a escolha eclesiástica deve a ser a última opção que um homem deve escolher. Cabe a Edmund mostrar à Mary a importância que existe da igreja na sociedade. Na verdade, este pequeno diálogo é, ao meu ver, um confronto entre realidade versus ideal. A igreja deve ser como o futuro clérigo cita mas a prática dá a razão para Mary Crawford.
Na verdade, o que angustia a senhorita C. não é o fato de Edmund optar pelo oficio eclesiástico, mas o pouco rendimento que a profissão lhe provém.

Mais adiante no enredo, a conversa sobre a importância da ordenação de Edmund volta à cena, desta vez em Mansfield Park, a casa da família Bertram.

(...)
— Que! Ordenar-se sem ter meios! Não, isto é realmente loucura; loucura absoluta.
— Posso então lhe perguntar o que será da igreja, sem nem com meios nem sem meios o
homem deve ordenar-se? Não, pois certamente não saberia o que dizer. Mas do seu próprio argumento posso tirar alguma vantagem para o pastor. Como ele não pode ser influenciado por aqueles sentimentos que na sua opinião são classificados como tentação e recompensa para o soldado ou marinheiro, ao escolherem suas carreiras, pois que o heroísmo, o barulho, a moda, não lhe são permitidos, ele deve estar menos sujeito à suspeita de não ser sincero ou bem intencionado na sua escolha.
— Oh! sem dúvida ele é muito sincero ao preferir uma renda já pronta em vez de ter de
trabalhar para a conseguir; e tem as melhores intenções de não fazer mais nada até o fim da vida senão comer, beber e engordar. É indolência, Mr. Bertram, isto é que é. Indolência e amor ao bem estar; uma falta total de louvável ambição, de gosto pelas boas companhias, ou de vontade de se dar ao trabalho de ser agradável, é o que fazem os homens quererem entrar para o clero. Um pastor não tem nada que fazer senão ser negligente e egoísta; ler os jornais, olhar para o tempo e discutir com a mulher. Sua
paróquia fará todo o trabalho e a preocupação de sua vida é jantar.
— Existem, sem dúvida, pastores assim, mas creio que não são tão comuns que justifiquem o juízo por Miss Crawford do seu caráter em geral. Suspeito que nessa censura ampla e (posso dizer) geral, a senhorita não está julgando por si mesma, mas por pessoas mal informadas, cujas opiniões se habituou a ouvir. É impossível que com as suas próprias observações ficasse conhecendo muito o clero. Do grupo de homens que a senhorita tão decisivamente condena, talvez pessoalmente tenha conhecido muito poucos. Está repetindo o que ouviu dizer em casa de seu tio.
— Estou dizendo o que parecer ser opinião geral; quando a opinião é geral, habitualmente é correta. Embora eu própria não esteja muito a par da vida doméstica dos pastores, há muitíssimas pessoas que o estão para que haja engano na informação.
— Quando se vê uma qualquer corporação de homens educados, de qualquer denominação, condenados sem distinção, deve haver erro de informação ou (sorrindo) de qualquer outra coisa. Seu tio e seus colegas almirantes talvez não conhecessem do clero senão os capelães, os quais bons ou maus eles sempre preferiam ver de longe.(...)
— Eu tenho me guiado tão pouco pelas opiniões de meu tio, disse Miss Crawford, que dificilmente poderia supor... e já que me obriga a falar, posso afirmar que não estou inteiramente alheia ao que são os pastores, visto que atualmente sou hóspede de meu próprio cunhado, dr. Grant. E embora ele seja muito bom e amável comigo, embora seja realmente um cavalheiro, e, ouso dizer, muito erudito e inteligente, muito respeitável, e faça muito bons sermões, vejo no entanto que é um indolente, egoísta, “bon vivant”, cujo gosto tem de ser consultado em todas as coisas; que não mexe um dedo pela conveniência de ninguém; e que, além disso, se a cozinheira comete uma asneira, fica de
mau humor com a sua excelente mulher.
(...)

Desta vez, Mary Crawford usa seu cunhado como modelo. Sabendo o marido de sua irmã é um homem de espírito belicoso no que concerne à boa mesa, ela se utiliza deste caráter para justificar a má conduta de todos os clérigos. Edmund e Fanny (que participa da conversa, ora de forma passiva, ora não), justificam que, por não conhecerem o senhor Grant e sua conduta familiar, não podem proferir uma conclusão sobre o caso, mas que, segundo a dupla defensora do ofício eclesiástico, o caráter, seja ele de um clérigo ou de um almirante, não podem justificar a conduta de todos os que comungam a profissão.
Para a senhorita Crawford, pelo que comenta do cunhado, não adiantaria em nada ter todas as qualidades que possui, se erra no ponto de cuidar de sua esposa. Porém, ouso afirmar, que se ele cuidasse bem da irmã de Mary, ela encontraria outro defeito na conduta do dr. Grant, somente pelo prazer de diminuir o valor do ofício clerical e fazer prevalecer sua vontade.

Concluindo, na primeira parte desta publicação, encontramos Mary Crawford achando que a escolha para uma atividade oficial eclesiástica é a última escolha que um rapaz deve ter. Quando tudo o mais falhar, seja clérigo. Não há como discutir sobre isso, pois, até hoje, muitos escolhem uma profissão por ela ser rentável e não prazerosa. 
Mas para a senhorita Crawford, além de ser uma profissão que não possuiu um status elevado na sociedade, o pastor recebe uma remuneração pequena. Logo, não lhe sobra nenhuma glória para fazê-lo encher o peito de orgulho e dizer à plenos pulmões: Sou Pastor!
Mesmo com toda a boa intenção de Edmund em provar que um pastor pode ser visto com um agente atuante e motivador dentro da sociedade que pertence, a jovem cunhada do dr. Grant afirma que poucos são os clérigos que possuem um caráter satisfatório para a vida marital: não passam de comilões, beberrões e acomodados que discutem por ninharia com seus familiares.

Então, calado leitor, será que Mary Crawford está plena em razão ou é apenas preconceituosa com a classe?

Omnia Vanitas.

Mary Crawford .. parte I

"Um clérigo não tem mais nada a fazer do que ser desleixado e egoísta; ler jornal, ver as condições do tempo e discutir com a sua esposa" (Mary Crawford, Mansfield Park (Jane Austen)


Para os leitores de Jane Austen, não é novidade o quanto seus clérigos são conotados como pessoas estúpidas e sem nenhuma expressão na sociedade que participam. São seres inferiores e cômicos que não agregam valores importantes para a sua gestão eclesiástica. Comem, bebem e se casam com mulheres que são superiores à eles ou tão estúpidas quanto.
Exemplo: em Orgulho e Preconceito, Charlotte Lucas "dá o golpe" em Mr. Collins. Não o golpe do baú, mas, sendo ela uma solteirona de vinte e sete anos e sem pretendentes à vista, Mr. Collins e sua estupidez são o prato cheio para tirá-la da roda de "fardo" da sociedade.
Mr. Elton, em Emma, também é outro bajulador com o clérigo de O&P. A esposa do "Senhor E." é uma pedante de marca maior. Adora cuidar da vida dos outros e importuná-los - pobre senhorita Fairfax que teve a "alegria" de ser escolhida como amiga íntima de um criatura tão pegajosa quanto a senhora Elton.

Na minha leitura atual, Mansfield Park, eu não consigo enxergar Edmund Bertram como um clérigo diferente dos demais. Farei apenas uma adendo, ele é um ótimo administrador, culto e tudo mais, mas, como todos os outros, sua paixão lhe atira aos pés dos grandes tolos que o antecederam e subsequentes a ele.

Mas, há uma parte desta leitura que chamou minha atenção desde a primeira leitura que fiz em 2011. Esta parte trata da discussão entre Mary Crawford e Edmund. Ela mostra como a sociedade vê o clérigo e, Edmund lhe apresenta o ideal eclesiástico da função.  Essa discussão aparece em duas partes do livro (pelo menos essa que chamou minha atenção). A primeira vez é quando o grupo visita a propriedade do sr. Rushworth (noivo de Maria Bertram, irmã de Edmund). A segunda é quando o grupo está, novamente, reunido em Mansfield Park (residência dos Bertram).

(...)
— Então Mr. Bertram, vai mesmo ser pastor? É uma grande surpresa para mim.
— Por que está surpreendida? Deve lembrar-se que eu tenho de ter uma profissão e já há de ter percebido que não sou nem advogado, nem soldado, nem marinheiro. (...) 
— Mas porque há de ser pastor? Sempre pensei que esta sorte coubesse ao filho mais moço,quando houvesse muitos irmãos para escolher.

— Acha então que a igreja nunca é escolhida por si mesma?
— Nunca é uma palavra forte. Mas o “nunca” da nossa conversa, que significa “não muito frequentemente”, acredito que não. Pois o que se pode esperar da igreja? Os homens gostam de se distinguir e em outra qualquer carreira essa distinção pode ser alcançada, mas não na igreja. Um pastor não é nada.
— Este “nada” da conversa também tem suas gradações, espero; pelo menos tanto quanto o “nunca”. Um pastor não pode sobressair em pompas e modas. Não deve dirigir povos nem ditar modas de vestuário. Mas não vejo nessa situação nada que se relacione com aquilo que é de primeira importância para a humanidade, individual ou coletivamente considerado, temporária ou eternamente: a proteção da religião ou da moral e consequentemente das maneiras que resultam da sua influência. Nenhum de nós aqui pode achar que o “ofício” é nada. Se o homem que o pratica é considerado inútil,o é por negligência aos seus deveres, por não lhe dar uma justa importância e afastar-se do seu lugar para aparecer onde não deve.
- O senhor dá mais importância ao pastor do que geralmente se costuma dar ou do que eu posso compreender. Na sociedade não se sente muito essa influência e essa importância, mas como poderiam ser sentidas num meio onde os próprios pastores raramente são vistos? Como podem dois sermões por semana, mesmo supondo que sejam dignos de serem ouvidos, e embora o pregador tenha o bom senso de preferir os de Blair aos seus próprios, fazer tudo isso que fala — governar a conduta e dirigir as maneiras de uma grande congregação para o resto da semana? Dificilmente se vê um pastor fora do púlpito.
— A senhorita está falando de Londres enquanto eu me refiro à nação inteira.
— A metrópole é um bom exemplo do que deve ser o resto.
— Não o espero, no que se refere à proporção da virtude para o vício em toda a extensão do reino. Não procuramos nossa moralidade nas grandes cidades. Não é lá que a gente respeitável de qualquer denominação pode fazer o maior bem; e certamente não é lá que a influência do clero pode ser melhor sentida. Um bom pregador é sentido e admirado; mas não é somente pelos belos sermões que um bom pastor pode ser útil na sua paróquia e na sua vizinhança, onde, pela extensão das mesmas,é possível se conhecer a sua vida íntima e observar a sua conduta em geral, o que em Londres dificilmente aconteceria. Lá o clero se perde no meio da multidão. São conhecidos apenas como pregadores pela maior parte. E quanto à influência deles em questões de ordem pública, peço que não me interprete mal, Miss Crawford, ou suponha que eu pretenda chamá-los de árbitros da boa educação, de reguladores da polidez e da cortesia, de mestres de cerimônias da vida. As “maneiras” a que me refiro, poderiam antes ser chamadas “condutas”, ou talvez, o resultado de bons princípios; o efeito, em resumo, daquelas doutrinas que eles têm por dever ensinar e recomendar; e admito que haja aqueles que são o que não deviam ser, como aliás se encontram em toda a parte.
(...)

 Austen apresenta dois contrastes. O primeiro é a rivalidade campo versus cidade. Como anuncia o prefácio, há uma forte disposição da senhorita Austen em "promover" o campo, trazendo da cidade dois personagens (Mary e Henry Crawford) para mostrar a malícia e indiscrição da sociedade "mundana". Porém, eu não colocaria a carga de "irresponsáveis" sobre os irmãos Crawford, sendo que Tom, Maria, Júlia, tia Norris e quase todos de Mansfield Park possuem um espírito detrativo no que concerne a moral e bons costumes. As duas irmãs (Maria e Júlia, sendo a primeira noiva de Mr. Rushworth) entram no jogo de sedução de Henry Crawford.

O segundo contraste - e o que me levou à escrever esta publicação - é a questão da igreja. Enquanto para a senhorita Crawford a escolha eclesiástica deve a ser a última opção que um homem deve escolher. Cabe a Edmund mostrar à Mary a importância que existe da igreja na sociedade. Na verdade, este pequeno diálogo é, ao meu ver, um confronto entre realidade versus ideal. A igreja deve ser como o futuro clérigo cita mas a prática dá a razão para Mary Crawford.
Na verdade, o que angustia a senhorita C. não é o fato de Edmund optar pelo oficio eclesiástico, mas o pouco rendimento que a profissão lhe provém.

Mais adiante no enredo, a conversa sobre a importância da ordenação de Edmund volta à cena, desta vez em Mansfield Park, a casa da família Bertram.

Continua em outra publicação: parte II.

Omnia Vanitas.



O caso do cachorro ..

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