Parte I: Cervantes e Seu Tempo
Parte II: Por que Ler o Clássico Dom Quixote
Parte III: O Retrato e a Escrita de Cervantes
Parte IV: A Obra prima de Cervantes
Parte V: Sentenças e Aforismos em Cervantes
Eu lembro do dia em que comprei o livro Novelas Exemplares. Estava animada em comprar mais um livro de Cervantes - contando que fiquei apaixonada por Dom Quixote de La Mancha.
Parte III: O Retrato e a Escrita de Cervantes
Parte IV: A Obra prima de Cervantes
Parte V: Sentenças e Aforismos em Cervantes
Eu lembro do dia em que comprei o livro Novelas Exemplares. Estava animada em comprar mais um livro de Cervantes - contando que fiquei apaixonada por Dom Quixote de La Mancha.
E, na primeira vez que me propus a ler esta obra, não cheguei nem até a metade. Algo não estava pronto em mim para ler as doze novelas.
Foi depois de um pouco mais de um ano que eu tive a segunda oportunidade de ler este livro incompreendido. E, mesmo assim, eu não atendi o significado que tem as novelas.
Agora, lendo o artigo de Adma Fadul Muhana foi uma boa explicação minha ignorância.
Começo, com as palavras da dona do artigo, sobre a definição do termo "novela":
"A questão, na época, é importante. No século XVI, o termo 'novela' - cuja raiz é a mesmo de 'novo', 'nova' e 'notícia', ou em bom português, 'caso' - reporta-se apenas a historietas (...). Embora o uso do termo tenha se difundido rapidamente, até serem consideradas 'novelas', como hoje em dia, as picarescas, as sentimentais, as da cavalaria e as pastoris, ate então elas eram pensadas como sendo desprovidas de critérios que permitissem incluí-las entre os grandes gêneros poéticos da Antiguidade, nomeadamente a épica e a tragédia; esses critérios se referiam sobretudo ao caráter dos personagens, ao modo narrativo, à ação, ao estilo e à destinação. Isso fazia das novelas uma espécie menor, isto é, que só podia interessar a jovens, mulheres e semiletrados".
Sendo assim, era um livro "ao gosto do povo", sem muitos requintes que o tornavam tolerável à corte.
Um grande "inimigo" de Cervantes era o poeta Lope da Vega. Este poeta tinha um grande prazer de fazer dos escritos de seu conterrâneo diminutos aos olhos da corte - de onde ele participava com grande reconhecimento dos príncipes. E, mesmo sendo um grandessíssimo baba-ovo fazia de Cervantes um enganado escritor. E, talvez, por ser Miguel de Cervantes um dos primeiros a escrever esse gênero literário - visto que antes eram traduções italianas que chegavam até o leitor espanhol. Lê-se o que o mal-amado Veja escreveu sobre as Novelas de Cervantes:
Lope da Vega, portanto, apesar de reconhecer alguma graça e estilo nas novelas de Cervantes, não partilha da opinião de que elas pudessem ser tidas por exemplares, pois seu autor, infere-se, nem era letrado, nem se remetia aos hábitos da corte - como o faz ele, Lope a propósito, que vivia com fausto principesco, cuja popularidade na corte nunca foi superada e que, além de eclesiástico, dispunha do grau de doutor em teologia outorgado pelo papa Urbano VIII, em agradecimento ao poema La corona trágica, que lhe enviara...".
Miguel de Cervantes, ao contrário do seu desafeto, nunca foi reconhecido por seus feitos em Lepanto - ou reconhecido suficientemente - para cair no gosto da corte. Somente após o sucesso da primeira parte de O Engenhoso Dom Quixote da La Mancha que experimentou viver sob os olhos da realeza nos seus últimos dez anos de vida. No ano de 1613, ele publica Novelas Exemplares, uma forma humorada e humanista de educar. Porém, como já foi escrito na opinião de Lope da Vega, as novelas não estavam situadas na vida da corte espanhola, mas no populacho. Desta forma, as novelas
"(...) exploram os lugares baixos da cidade, em que personagens de comédia se locomovem - e não fidalgos de alta estirpe, que já desconhecem os ideias heróicos. A ação decorre entre ciganos em A Ciganinha; entre ladrões, em Riconete e Cortadilho; entre mercadores, em A Espanhola Inglesa e em O Ciumento da Extremadura; entre alferes e licenciados que lutam por obter lugar na corte, em O Licenciado Vidraça e em O Casamento Enganoso; entre fidalgotes desonrados, em A Força do Sangue etc.".
A falta de caráter de alguns personagens servem de exemplo nas novelas de Cervantes, não o exemplo que deve ser seguido, mas algo que ao término da narrativa precisou ser alterada para terminar "bem". Outra característica é que os personagens inseridos nas tramas não estão distantes de uma descrição realista da vida cotidiana do leitor. Cervantes levou a sério utilizar-se de personagens comuns que inclusive na fala de suas personagens é própria da classe social que representam.
Em seu artigo, Muhana destaca personagens como Tomás Rueda {O Licenciado Vidraça} e Campuzano {O Colóquio dos Cães}. Confesso, lembro vagamente da primeira história - que é hilária, mas pouco lembro da segunda portanto, somente escreverei sobre aquela que lembro. Este fato me move a ler novamente esta obra de Cervantes.
O motivo de Muhana destacar em especial estas duas personagens é que a loucura de ambos parece salvar-lhes a vida de uma existência enfadonha. Explicarei: Tomás Rueda é um licenciado que foi enfeitiçado por uma mulher que foi desdenhada por ele. O poção dada à Rueda lhe causou loucura, achando que era feito de vidro. Seus costumes eram respeitados e seus conselhos e repreensões aceitos por todos - visto que era louco e a todos fazia rir sendo louco.
"Vidraça é um desses que abusa do modo sentencioso de falar proferindo seus impertinências com citações bíblicas, lugares-comuns, trocadilhos, versos, pensamentos, provérbios, anexins, agudezas, parêmias, máximas - cujas tantas denominações mostram a diversidade das formas breves, que significariam a autoridade moral daquele que as pronuncia se não significassem a parvoíce de quem as diz por tudo e por nada".
Mas ao ser curado, ele perde o seu encanto e torna-se apenas mais um comum licenciado entre todos - sem utilidade para o público que antes lhe acolhia.
Neste artigo, Muhana definiu o que era uma novela no século XVI e também porque este gênero literário foi classificado como "exemplar" - mesmo seguindo os rumos contrários, inicialmente, à moral que deveria ser seguida. Muhama também destacou o que o sucesso de Dom Quixote trouxe a Cervantes e o seu empreendimento em iniciar uma narrativa novelística fora dos padrões preexistentes de concepção deste gênero literário, dando ao seus personagens características singulares à classe social que estavam inseridos.
Em suma, esta é a minha visão do que se tratou este artigo. Espero não ter sido confusa em todas as publicações que até o momento escrevi sobre Miguel de Cervantes Saavedra.
Omnia Vanitas.
MUHANA, Adma Fadul. Novelas Exemplares; página 54 à 65. Revista Entre Livros: EntreClássicos Cervantes nº 3: Ediouro.