26 de julho de 2016

Cervantes e seu Tempo..


Fim da primeira parte da leitura sobre a biografia de Cervantes.
Este artigo foi escrito por Marcos Antônio Lopes* e contempla momento histórico  contemporâneo do espanhol. Como meu conhecimento de história é pequeno, não tenho muito o que a acrescentar como nota.

Agora, segue alguns apontamentos que considerei interessantes:

Inicialmente, Lopes declara que ler Dom Quixote é estar em uma aula de história "de valores culturais e de mitologia clássica. Há uma saraivada infernal de erudição greco-romano nesse longo livro. E as referências à cultura árabe fazem coro". E logo você saberá, inquieto leitor, o motivo da cultura árabe fazer parte da narrativa cervantina.

É de sabedoria popular que Cervantes faz uma sátira à Cavalaria Andante, mas é útil saber o mínimo sobre o que realmente era esse título para entender o que estava sendo satirizado. Lopes explica da seguinte maneira:

"(...) O romance cavaleiresco fundia elementos sagrados e profanos: guerras, milagres, amor e aventura eram os principais ingredientes. Durante a Idade Média, o cavaleiro era um servo de Cristo e, a partir dos séculos XII e XIII, as guerras que travava tinham as suas normas estabelecidas pela igreja. A Cavalaria tornou-se um estilo de vida marcado por regras de civilidade definidas pelas autoridades eclesiásticas (...)".

O cavaleiro perdeu o aspecto secular e incorporou uma conotação religiosa que incluía combater os vícios morais e perseguir os malfeitores.

Lopes ainda acrescenta:

" (...) Os romances de Cavalaria descrevem as sociedades aristocráticas, muito ocupadas com os torneios, que substituíam as guerras privadas e as pilhagens das épocas anteriores. O romance de Cavalaria foi o primeiro gênero literário de alcance continental escrito nas línguas vernáculas emergentes. Essa literatura foi bem além da Europa. No século XVI, livros de Cavalaria chegaram as Índias de Castela, pelas mãos dos comandos de Cortez e Pizarro (...)".

Ao escrever Dom Quixote, Cervantes faz uma analogia saudosa e irônica das façanhas de personagens literários como Amadis de Gaula e Ivanhoe; torna cômico os feitos honrosos destes personagens que, antes, compunham o ideal romanesco de uma época.  Até mesmo a repentina cura corporal de Quixote depois das lutas é um modo irônico de apresentar a outrora figura heroica; a bravura do Cavaleiro da Triste Figura pode ser vista como uma zombaria e a recuperação sobrenatural que o acompanha após cada valente luta segue o mesmo viés: como se esses seres extraordinários possuíssem poderes miraculosos em sua constituição humana.

Por não pertencer ao seu tempo, Quixote torna-se um louco para aqueles com quem socializar, por esse motivo, muitos se aproveitam da sua " loucura". Mas até mesmo essa loucura é questionável - mas isso fica para depois.
Os maus agouros do personagem são um reflexo da vida pobre e malfadada do escritor. Preso inúmeras vezes e sem o reconhecimento merecido, Cervantes viu seu livro Dom Quixote de La Mancha circular na sociedade espanhola e mesmo assim não ter um tostão nos bolsos. Mas deixe-me voltar um pouco na história.

Nascido em 29 de setembro de 1547 - sendo esta a data mais aceita pela maioria dos historiadores, Cervantes foi filho de Rodrigo de Cervantes e Leonor de Cortinas. A profissão do pai era de cirurgião (sangrias) e as dívidas que este contraiu o fez ir para a prisão - lugar que o filho conheceria de maneira particular ao longo da vida. 
Lopes escreve:

"Aos 22 anos, em 1569, Cervantes seguiu para a Itália. É provável que estivesse fugindo das sanções que teriam recaído sobre ele sobre ele por ter ferido um adversário em duelo. Em Roma, tornou-se camareiro do cardeal Acquaviva, cargo que ocupou por alguns meses. Pouco tempo depois, alistou-se como soldado nos exércitos da Santa Liga, para combater a expansão dos turcos otomanos pela Europa Central. (...) Em seus anos italianos, pode, pela primeira vez na vida, comer com regularidade. (...) À procura de prêmios e distinções, nos finais de 1571, Miguel de Cervantes estava no norte da Grécia, a bordo de um dos navios da esquadra comandada por D. João da Áustria (...). E foi exatamente em Lepanto, no norte da Grécia, que se deu o choque entre a Cristandade e o Islã. Doente no porão de um navio, o jovem soldado quis tomar parte na batalha. (...) Recebeu três ferimentos de arcabuz, um dois quais lhe inutilizou os movimentos da mão esquerda pelo resto da sua vida. (...) Em sua tentativa de regresso à Espanha, em 1575, ilusões de distinção e honrarias levaram-no a crer que estava com a vida ganha (...). Mas, entre o prenúncio desses tempos róseos e a efetiva realização das conquistas literárias idealizadas por Cervantes, estavam os piratas berberes do Mediterrâneo (...). As altas expectativas do valente soldado foram resfriadas por cinco anos de cativeiro entre os mouros do norte da África".

E, ao voltar do cativeiro, encontrou seu país em declínio e, em consequência, seus patronos detronados; mesmo assim, A Galatéia é lançada em 1585 e casou-se nesta mesma época com Catarina de Salazar - vinte anos mais jovem que ele.
Tentando a carreira de escritor teatral, viu seu sonho ruir através da crítica. Procurou emprego fora dos vinhedos e olivais que compunham a herança matrimonial da esposa, e foi ser cobrador de impostos - o que o levou a experimentar à contra gosto a prisão. 

Quando Dom Quixote foi lançado no início do século XVII, "já são característicos da agonia da Espanha (...). O momento de criação da obra é o da acentuação da crise econômica do império espanhol".
O motivo desse declínio se dá porque os sucessores de Felipe II  já estavam mortos e o reino foi para a mão de pessoas da corte que não tinham bom caráter para administrar o trono. Muito dinheiro foi gasto sem que nada do que foi feito deu ao perdido trono uma recuperação nacional da crise.

Ao terminar a primeira parte de Dom Quixote de La Mancha, Cervantes contava a idade de 58 anos - e a sua situação econômica não estava diferente daquela que levava antes da miserável fama.

Desocupado leitor, este foi o fim da primeira parte sobre a vida de Cervantes e, como anuncia o título, fala do tempo histórico o espanhol vivenciou. 

Omnia Vanitas.

*LOPES, Marcos Antônio. Cervantes e seu tempo; página 6 à 17. Revista Entre Livros: EntreClássicos Cervantes nº 3: Ediouro.

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