Caro leitor, eu achei a publicação anterior um pouco longa; então, para deixar um pouco menos longa, eu resolvi dividir este artigo de Maria Augusta da Costa Vieira em duas partes - talvez três. A dona Maria tem este artigo intitulado como "Por que Ler o Clássico". E, ainda falando um pouco do autor, eu vou pegar a escrita dela para acrescentar o que não foi escrito pelo Lopes. Sigamos, honorável leitor.
Viera se utiliza do mesmo argumento de Lopes ( e de qualquer pesquisador de Miguel de Cervantes) afirmando que o pouco material deixado pelos contemporâneos de Miguelito - e pelo próprio - não permite que a vida do espanhol seja explorada e entendida por aqueles que sucederam sua época. Sendo assim, Viera acrescenta:
"(Cervantes) não deixou escritos que pudessem definir suas idéias acerca da poética e da literatura em geral (...). Cervantes não deu margem a esse tipo de especulação, que, sem dúvida, poderia permitir e estimular suspeitos cruzamentos entre aspectos biográficos e produção artística. Assim, não há registro de cartas, debates ou polêmicas travados com outros escritores e com a intelectualidade da época e, menos ainda, manifestos sobre seu !ido de entender a arte da composição literária. Cervantes foi !muito mais habilidoso: deixou uma obra em prosa e em poesia repleta de discussões e controvérsias sobre a literatura".
Um ponto que eu não havia lido sobre a biografia do espanhol é que sua origem pudesse ser judaica. Segundo Vieira, a profissão do pai, Rodrigo, que hoje corresponde a atividade sanitária (cirurgião) e as várias mudanças de local - tão comum entre os judeus que mudam-se constantemente em busca de lugares mais rentáveis financeiramente - conotam um caráter judaico aos pais de Cervantes.
Maria Augusta também descreverá a fuga da Justiça pela condenação que o aguardava por haver agredido um homem e, também, registrará a marcante participação de Cervantes na Guerra de Lepanto que ocasionou o ferimento que inutilizou permanentemente a mão esquerda do espanhol.
Como já escreveu Lopes, em 1585 houve a publicação do A Galatéia; mas Viera acrescenta que a boa receptividade desta primeira publicação desencadeia, após cinco anos, a segunda edição. E, assim como Lopes, apresenta um leitor estrangeiro mais ávido para ler os escritos de Cervantes do que a pátria que o pariu.
O interesse neste patrício escritor desconhecido é motivo de conversa entre seus personagens dentro de Dom Quixote:
"Muitos anos há que é grande amigo meu esse Cervantes, e sei que é versado em desventuras que em versos. Seu livro tem algo de boa invenção; propoe algo e concluí nada: é mister esperar a segunda parte que promete" {Dom Quixote I, VI}.
Depois de A Galatéia, Cervantes escreveu peças de teatro (a coqueluche daquela época) e listo A Destruição de Numancia como uma das obras rejeitadas por espanhóis e acolhida por alemães.
Segundo Vieira, Cervantes fica sem registro algum de 1598 e 1604 quando está prestes a lançar Dom Quixote. Sobre este período, ela escreve:
"Entre 1598 e 1604, pouco se sabe sobre Cervantes e de sua família. No entanto, às vésperas da publicação da primeira parte do Dom Quixote, sabe-se que reside em Valhadoli, ao lado da esposa, de duas irmãs, de uma sobrinha e da filha".
Conforme um estudo de Roger Chartier em 2005, entre 1605 e 1615 ( ano de publicação da segunda parte de Dom Quixote)
"calcula-se que tenham sido publicados 13.500 exemplares da primeira parte da obra, divididos em nove edições (três em Madri, duas em Milão, duas em Lisboa, uma em Valência, uma em Milão e duas em Bruxelas), cifra surpreendente para uma época em que o número de leitores ainda era bastante reduzido".
A corte real tem consigo uma vasta fila de seguidores, então, quando está se instala em Madri, Cervantes encontra a possibilidade de se fazer valorizar ingressando na Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1606 e, poucos dias antes da sua morte em 1616, faz votos e encomenda dez missas para sua alma através da Ordem Terceira de São Francisco onde inicou três anos antes.
Quero fechar esta publicação com algo que deixa os atuais pesquisadores sobre a vida de Miguelito com pulga na cama:
"Deixou encomendadas dez missas pela intenção de sua alma e foi enterrado com o hábito dos franciscanos, no convento dos trinitários, em Madri: uma vida dedicada às armas e às letras. Sua filha, Isabel, morre em 1652 sem deixar herdeiros, quando os demais membros da família já haviam falecido, encerrando assim a história da família Cervantes y Saavedra".
VIEIRA, Maria Augusta da Costa. Por que Ler o Clássico; página 18 à 25.. Revista Entre Livros: EntreClássicos Cervantes nº 3: Ediouro.
Primeira publicação: Cervantes e Seu Tempo
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