Um quarto de enfermo pode dar assunto para muitos livros (Jane Austen) |
O ano foi 2012; o mês foi fevereiro.
Depois de uma noite muito ruim com dores de estômago e um dia inteiro com dores abdominais, o médico constatou: apendicite.
O que restou para mim, foi me levantar da cama, trocar de roupa, pegar meus documentos pessoais e ir com a ambulância até o hospital. E, para me acompanhar nesta jornada (que eu não saberia quanto tempo levaria) eu levei meu livro.Minha leitura era "Persuasão".
Lá estava eu, sedada e com meu livro na mão, jurando que conseguiria ler sob o efeito do anestésico.
Depois de ir para lá e para cá; de passar por um jejum horrível com pessoas comendo e bebendo ao meu redor, eu estava sentada no leito do quarto do hospital, de frente para a janela e lendo meu querido livro. Foi minha primeira leitura desta obra.
Sentada, esperando pelo enfermeiro que chegaria a qualquer momento, eu me distraí com Jane Austen, mais especificamente com o Almirante Croft. Talvez, em uma próxima leitura, eu seja cuidadosa ao olhar para o simpático casal Croft, pois acho ambos hilários.
E, sentada à espera do chamado para a cirurgia, eu li (e ri) com o seguinte trecho:
"Anne estava sempre com lady Russel e por isso raramente passeava sozinha; mas aconteceu de, certa manhã, cerca de uma semana ou dez dias depois da chegada dos Croft, achar melhor separar-se da amiga, ou melhor, da carruagem da amiga, na parte baixa da cidade, e voltar sozinha para Camden Place, e ao caminhar por Milsom Street teve a boa sorte de topar com o almirante. Estava sozinho junto à vitrina de uma loja de gravuras, com as mãos para trás, em atenta contemplação de alguma gravura, e ela não somente poderia ter passado despercebida dele, como foi obrigada a tocar nele e falar com ele até que ele a percebesse. Quando, porém, a percebeu e reconheceu, fez isso com toda a espontaneidade e todo o bom humor de sempre.- Ah! É você? Obrigado, obrigado. Esse é um tratamento de amiga. Cá estou eu contemplando um quadro. Não consigo passar por esta loja sem parar um pouco. Mas veja só que barco é este! Olhe só. Já viu uma coisa dessas? Que sujeitos estranhos devem ser esses seus pintores, para pensar que alguém arriscaria a vida numa velha concha disforme como essa? E no entanto aqui estão dois cavalheiros de pé dentro dela, muito à vontade, a contemplar os penedos e montanhas ao seu redor, como se o barco não pudesse virar de um momento para o outro, o que certamente era o caso. Gostaria de saber onde esse barco foi construído! - morrendo de rir. - Não me arriscaria nem nem que fosse para atravessar só um bebedouro. Muito bem - afastando-se da vitrina -, aonde você vai? Posso ir a algum lugar para você ou com você? Posso ser útil em alguma coisa?- Nada, muito obrigada, a não ser que me dê o prazer da sua companhia no trecho em que nossos caminhos se unem. Estou indo para casa.- Com todo o prazer, e até mais adiante também. É, sim, faremos um belo passeio juntos, e eu tenho algo a lhe dizer enquanto caminhamos. Vamos, dê-me o seu braço; assim mesmo; não me sinto à vontade se não tiver uma mulher apoiada em meu braço. Meu Deus! Que barco é esse! - lançando um último olhar ao quadro, quando começavam a caminhar".
Existe um momento na leitura em que ela deve ser pausada para admiração (ou algo semelhante). Depois que terminei a leitura deste trecho, eu fechei meu livro e deitei na cama e fiquei me divertindo com a imagem do simpático almirante junto a vitrina.
Pouco tempo depois, o enfermeiro chegou e perguntou:
- Pronta para sua cirurgia, Adelita?
Eu não tinha escolha, eu fui com ele.
Assim, sendo esta minha terceira leitura de Persuasão, a imagem daquele dia do hospital esta registrada na minha memória e, todas as vezes que leio esta parte do capítulo 18, lembro da cena em que fui protagonista.