Fim.
Há mulheres que servem aos homens; há mulheres que deles se servem.
Ontem terminei minha leitura de Papisa Joana, de Donna Woolfolk Cross. Que leitura maravilhosa.
Continuei a leitura enquanto estava no ponto de ônibus, esperando a condução. Li durante a viagem. E, depois, mais confortável, pedi um suco e fui sentar na praça de alimentação para concluir minha leitura antes da aula de francês.
Que alegria senti. Claro, o final de Joana e do meu querido Gerold foi triste, mas a nota histórica do livro me arrebatou. Eu não ficarei aqui dizendo isso e aquilo, vou apenas deixar abaixo o que me interessou, realmente.
A vida naqueles tempos conturbados era especialmente difícil para as mulheres. Era uma época misógina, informada pelas diatribes contra as mulheres de padres da Igreja como São Paulo e Tertuliano:
E tu não sabes que és Eva?... Tu és a porta do diabo, a traidora da árvore, a primeira desertora à Lei Divina, tu és aquela que seduziu aquele de quem o diabo não se atrevia a aproximar-se... por causa da morte que tu mereceste, o próprio Filho de Deus teve de morrer.
Acreditava-se que o sangue menstrual azedava o vinho, arruinava as colheitas, tirava o fio das lâminas, enferrujava o metal e infectava as mordidas dos cães com um veneno mortal. Salvo raras exceções, as mulheres eram tratadas como se fossem sempre menores de idade vitalícios, sem quaisquer direitos legais ou de propriedade. A lei previa que pudessem ser espancadas pelos maridos. A violação era considerada uma forma menor de roubo. A educação das mulheres era desencorajada porque uma mulher instruída era considerada não só contra a natureza como também perigosa.
Sendo assim, não admira que uma mulher optasse por se disfarçar de homem para escapar a tal existência. Para além de Joana, houve outras mulheres que conseguiram viver sob essa impostura. No século III, Eugênia, filha do Prefeito de Alexandria, entrou num convento disfarçada de homem e acabou por ascender ao cargo de abade. O seu disfarce resultou até ela ser forçada a revelar o seu sexo, numa última tentativa de refutar a acusação de ter desflorado uma virgem. No século XII, santa Hildegunda, utilizando o nome de José, tornou-se irmão da Abadia de Schönau e viveu disfarçada entre os irmãos, até morrer muitos
anos mais tarde. A luz da esperança lançada por estas mulheres brilhou suavemente numa grande escuridão, mas nunca se extinguiu completamente. Se as mulheres quisessem, podiam sonhar. A Papisa Joana é a história de uma dessas sonhadoras.
Existem outros exemplos, mais atuais, de mulheres que conseguiram fazer-se passar por homens, incluindo Mary Reade, que viveu como pirata no início do século XVIII, Hannah Snell, soldado e marinheiro da marinha britânica, uma mulher do século XIX, cujo verdadeiro nome é desconhecido, mas que, sob o nome de James Barry, ascendeu ao posto de inspetor-geral dos hospitais britânicos, Loreta Janeta Vasquez, que combateu do lado dos Confederados na Batalha de Bull Run, sob o nome de Harry Buford. Mais recentemente, Teresinha Gomes de Lisboa passou dezoito anos da sua vida fazendo-se passar por homem, soldado altamente condecorado, ascendeu ao posto de general no exército português e só foi descoberta em 1994, quando foi presa por fraude fiscal e foi forçada pela polícia a submeter-se a um exame físico.
Não é incrível o que mulheres determinadas a sair da ignorância que lhes é imposta se dispuseram à fazer por acreditar no seu valor? Eu fiquei apaixonada por essas mulheres que não permitiram que o fardo do seu sexo lhes oprimisse. Ah! Quem dera as mulheres de hoje pensassem também assim, ao invés de .. deixa para lá! Cada século tem o seu mal, não é mesmo? Nos cabe suportar e suplantar a ignorância que abafa a sabedoria.
Omnia Vanitas.
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