Veja só, eu me aventurando pelas linhas da filosofia!
A intenção não era trilhar o caminho sozinha mas, nada aconteceu como o planejado e cá estou eu, percorrendo por esta estrada tão desconhecida para mim.
Fiz de Platão minha Leitura de Domingo. Porém, não é possível ler um livro deste filósofo em apenas um domingo e achar que entendi tudo (rs). Comecei domingo passado (16) e reli no último domingo (23). E a releitura foi muito agradável! Alguns pontos que pareciam um pouco "obscuros" foram clareados na segunda tentativa - ainda brinquei em casa dizendo que "...se eu acho que estou entendendo Platão, é porque não o estou compreendendo". E, ao final da minha leitura do Livro I de A República, termino como ele dizendo: só sei que nada sei.
É estranho pensar que depois de uma leitura tão complexa (para mim) eu não consiga chegar à um ponto final. Acho que filosofia é isso - permitir pensar a todo o instante sem querer fechar o ciclo, pois pensar não é chegar ao ponto final mas seguir adiante sempre.
Bom, deixe-me colocar minha impressões aqui, anônimo leitor. Espero que eu não esteja destruindo esta obra do fundamento filosofal.
Primeiro preciso dizer que é muito estranho ler Platão e, de repente, a narrativa fala de Sócrates (?). Então, eu descobri que este livro faz parte dos "Discursos Socráticos" de Platão, logo, o seu mentor, Sócrates, tem o palco somente dele. E, para outros iniciantes como eu, esclareço: Sócrates foi mentor de Platão que foi mentor de Aristóteles.
Continuando: neste primeiro livro de A República, Platão esta apresentando um sociedade ideal baseada na justiça. O discurso começa quando uma visita - inquirida - à Céfalos acontece. Quando o ancião fala sobre a morte e suas ansiedades, ele entra no quesito da Justiça/Justo.
E aquele que encontrar em sua vida pregressa muitas maldades intimida-se, seja acordando numerosas vezes durante a noite, da mesma forma que as crianças, seja esperando alguma desgraça. Ao contrário, aquele que sabe não haver cometido injustiças sempre alimenta uma doce esperança, benévola ama da velhice, (...)
O velhinho põe o fogo na lenha e vai embora, deixando Sócrates e Polemarco (o herdeiro do discurso) conversando sobre o que é justiça, quem é justo, como definir o que justo e justiça etc.
Eu entendi, na conversa entre os dois, que ser justo (não parecer ser) é, algumas vezes, algo indispensável. Em negócios, transações ou no simples dia-a-dia, há situações em que o justo é dispensável. Ele só serviria para situações inúteis - assim, através das perguntas feitas à Polemarco e das respostas que este deu, chegou-se, inicialmente, a esta ideia.
Logo, meu amigo, a justiça é muito pouco importante, se ela se aplica somente a coisas inúteis. (Sócrates)
Outra concepção foi abordada: o justo faz justiça somente aos amigos? E ao inimigos? É capaz do justo ser bom somente com os amigos? E, se por acaso, seus amigos estiverem agindo de forma injusta, você estaria elogiando a injustiça em detrimento à justiça que seus suposto inimigos fazem?
Logo, a justiça não deve ser aplicada somente à uns, mas a todos. Será?
Então, para numerosas pessoas, Polemarco, que se enganaram a respeito dos homens, a justiça significará prejudicar os amigos — sendo que possuem amigos maus — e ajudar os inimigos — os quais, em verdade, são bons .
Amigo é aquele que parece e realmente é honesto. Aquele que parece honesto, mas não é, apenas aparenta ser amigo, sem sê-lo. A definição é a mesma a respeito do inimigo. (Polemarco)
Por outro lado, não pode o justo deixar de ser justo. Se o caráter é
exprimir justiça, ele não consegue fazer vilanias à outro se a situação
lhe convier.
E, então, chega-se a outra verdade de Platão, o
ser e o
parecer - que não foram discutidos neste livro, mas até onde li, é algo presente na literatura deste filósofo. Ainda não o entendi completamente, então, fica um pouco complicado explicar além disso.
Entre os ouvintes da palestra estava Trasímaco. Este ficou observando a conversa dos dois e ficou com comichão para interferir. E, na primeira oportunidade, o fez.
Que tagarelice é essa, Sócrates, e por que agis como tolos, inclinando-vos alternadamente um diante do outro? Se queres mesmo saber o que é justo, não te limites a indagar e não teimes em refutar aquele que responde, mas, tendo reconhecido que é mais fácil indagar do que responder, responde tu mesmo e diz como defines a justiça. E abstém-te de pretender ensinar o que se deve fazer, o que é o útil, proveitoso, lucrativo ou vantajoso; exprime-te com clareza e precisão, pois eu não admitirei tais banalidades.
Com essa sutilidade, Trasímaco entrou na conversa. Quis ele, e a assim o fez, dar a sua contribuição para a palestra, ou melhor, quis desmerecer àqueles que antes conversavam enquanto ele ouvia. Porém, na fala deste irado locutor, encontra-se o fundamento da filosofia de Sócrates: perguntas e respostas simples acerca de ideias complexas.
Trasímaco é maravilhoso. Além de ele interromper uma conversa, desmerece os que antes dialogavam. Ele nem fica tímido em expressar toda a sua ira por Sócrates, fala "na lata":
E esta a sabedoria de Sócrates: recusar-se a ensinar, ir instruir-se com os outros e não se mostrar reconhecido por isso!
Eu duvido que ele tinha algum amigo (rs), mas não é sobre isso que quero falar, continuo com Trasímaco à partir da conversa que ele interrompeu sobre o assunto "Justiça". A definição deste pensador é esta:
Aqui tens, homem excelente, o que afirmo: em todas as cidades o justo é a mesma coisa, isto é, o que é vantajoso para o governo constituído; ora, este é o mais forte, de onde se segue, para um homem de bom raciocínio, que em todos os lugares o justo é a mesma coisa: o interesse do mais forte.
Logo, para Trasímaco, a justiça está sempre a favor do forte, nunca do oprimido. Sócrates não contestará, mas apresentará circunstâncias que tornam a afirmativa abjeta. E, neste vai e vem de perguntas, Trasímaco se confunde:
Não concordamos que, às vezes, os governantes se enganam quanto ao que é o melhor, impondo determinadas leis aos governados? E que, por outro lado, é justo que os governados obedeçam ao que lhes ordenam os governantes? (Sócrates)
Então, Sócrates apresentará uma contra-opinião (sem ir contra, apenas refletindo). Lê-se:
Se me perguntasses se é suficiente ao corpo ser corpo ou se tem necessidade de outra coisa, responder-te-ia: Certamente que tem necessidade de outra coisa. Para isso é que a arte médica foi inventada: porque o corpo é defeituoso e não lhe é suficiente ser o que é. Por isso, para lhe proporcionar vantagens, a arte organizou-se’. Parece-te que tenho ou não razão?
Logo, na aplicação da ideia de Trasímaco, Sócrates rebate com o exemplo acima, declarando que o corpo humano é quem rege a medicina, e não o contrário. A medicina está à favor do corpo, logo, conforme a explicação de Trasímaco, o forte (governo) deve ser submetido ao fraco (governado).
Sendo assim, Trasímaco, nenhum governante, seja qual for a natureza da sua autoridade, na medida em que é governante, não objetiva e não ordena a sua própria vantagem, mas a do indivíduo que governa e para quem exerce a sua arte; é com vista ao que é vantajoso e conveniente para esse indivíduo que diz tudo o que diz e faz tudo o que faz.
Daí vira bagunça! (rs). Trasímaco apela, descaradamente, para a posição inversa da sua fala pelo simples prazer de "derrubar" Sócrates.
(...) acreditas que os governantes das cidades, os que são realmente governantes, olham para os seus súditos como se olha para carneiros e que objetivam, dia e noite, tirar deles um lucro pessoal. Foste tão longe no conhecimento do justo e da justiça, do injusto e da injustiça, que ignoras que a justiça é, na realidade, um bem alheio, o interesse do mais forte e daquele que governa e a desvantagem daquele que obedece e serve; que a injustiça é o oposto e comanda os simples de espírito e os justos; que os indivíduos trabalham para o interesse do mais forte e fazem a sua felicidade servindo-o, mas de nenhuma maneira a deles mesmos.
O
convercê não mudará. Ambos refutarão as ideias de um e outro, mas quando Sócrates tenta fechar a ideia, bom...
(...) lancei-me numa discussão para analisar se ela é vício e ignorância ou sabedoria e virtude; tendo surgido em seguida outra hipótese, a de saber que a mjustiça é mais vantajosa do que a justiça, não pude evitar de ir de uma para outra, de modo que o resultado da nossa conversa é que não sei nada; porquanto, não sabendo o que é a justiça, ainda menos saberei se é virtude ou não e se aquele que a possui é feliz ou infeliz.
Parece desanimador fechar uma leitura com a ideia acima, mas, afinal de contas, penso eu, será que conseguimos chegar à verdade sobre o que é justiça/injustiça sem pesar a própria satisfação?
Ominia Vanitas
Venha Livro II