Penúltima leitura deste ano (um tanto louco)!
Villette é uma releitura que fiz da autora Charlotte Brontë.
Logo no prólogo da editora, algumas personagens são descritas conforme sua inpiração: o professor Héger, a grande paixão de Charlotte é ipsis litteris de Monsieur Paul Emmanuel. E que personagem grosseiro ele é! Não existe um momento que me faça detestar menos essa persona. Eu não sei o que Charlotte e Emily possuem como estereótipo de homem perfeito pois Monsieur Paul e Heathcliff são homens péssimos!
Villete é a cidade fictícia de Bruxelas onde as duas irmãs estudaram. A protagonista de Villette é Lucy Snowe - órfã (é claro). A sua trajetória passa por três estágios: solidão, encontro e esperança.
O primeiro capítulo é diferente de todos os demais, pelo menos na minha opinião. Todo o livro e narrado em primeira pessoa, e relata a vida de Lucy. Porém, o primeiro capítulo que ela descreve as pessoas que estão ao seu redor e pouco do realmente acontece com ela.
Lucy Snowe sabe quem ela é! Uma das reclamações da personagem é a falta de percepção dos outros em saber quem ela é ... apenas a supõem. Cada um entende Lucy como deseja sem a conhecê-la de fato.
Existe uma solidão latente em Villette. Existe uma persistente solidão que ataca a personagem, como se os sucessos que consegue não devessem lhe pertencer - como se as amizades que conquista devam ser breves. Há uma citação que eu ser um desabafo da autora e não uma fala da personagem:
Eu gemia sob sua amarga severidade. Nunca - nunca! Oh, odiosa palavra! Esta bruxa, esta razão, nunca me deixou olhar para cima, ou sorrir, ou ter esperança: ela não podia descansar, a menos que eu estivesse completamente esmagada, acovardada, quebrada e aniquilada. Segunda ela, eu nascera só para trabalhar por um pedaço de pão, para esperar as dores da morte e perder constantemente a esperança através de uma vida de desânimo. Talvez a razão falasse a verdade, entretanto, não é de admirar que nós gostemos, por vezes, de estarmos contentes, de desafiá-la, de fugir de debaixo da sua vara e de dar uma hora de liberdade à imaginação - sua doce e brilhante inimiga, nosso bom auxílio, nossa divina esperança. Devemos romper os limites de tempos em tempos, apesar da terrível vingança que aguarda nosso retorno. A razão é vingativa como o diabo. Para mim foi sempre venenosa como uma madrasta. Se eu lhe obedeci foi, principalmente, com a obediência do medo, não a do amor. Há muito tempo eu deveria ter morrido por seus maus tratos: a sua mesa mesquinha, a sua cama gelada, o frio, seus selvagens e incessantes golpes. ah, se não fosse essa força mais suave que detém a minha secreta e jurada fidelidade! Muitas vezes a razão me expulsou para fora, em plena noite de inverno, no frio da neve, lançando-me para sustento os ossos roídos que os cães haviam abandonado. Declarava, severamente, que a sua dispensa nada tinha para mim. Negou-me duramente o direito de pedir coisas melhores... Então, olhando para cima, vi no céu uma cabeça rodeada de estrelas das mais brilhantes que emanava um raio de simpatia e atenção. Um espírito mais suave e melhor do que a razão humana desceu em voo tranquilo ao deserto, trazendo à sua volta um ar emprestado de eterno verão, o perfume das flores que não podem murchar; fragrância de árvores, cujos frutos são a vida; trazendo brisas de um mundo, cujo dia não precisa ser sol para iluminá-lo. Este bom anjo saciou minha fome um doce e estranho alimento, conseguido entre os anjos que guardam a sua colheita branca de orvalho na primeira hora de um dia celestial. Mitigou, ternamente, as minhas lágrimas insuportáveis que choravam a própria vida; acalmou os meus temores e, gentilmente, cedeu descanso ao meu cansaço mortal, deu esperança ao meu desespero. (página 288/89)
Eu achei simplesmente sensacional. Como mencionei para uma cliente que estava no Sebo do Portuga: Villette é um livro sobre solidão e sobrevivência - é um livro lento e amargo para ler, mas cada página vale de sua leitura.
Como já mencionei, a figura de M. Paul é uma réplica fiel do caráter de seu amado professor C. Héger. A esposa deste homem está na figura de Madame Beck. A confissão de Charlotte à um padre - que não corresponde a fé que ela professava também está registrada no livro, no final da primeira parte.
Eu preciso confessar que os momentos de solidão e tristeza são os que mais chamam a minha atenção: o mesmo aconteceu na leitura de Jane Eyre. As passagens são intensas e reais! E, talvez, por isso, O Morro dos Ventos Uivantes não saiu da minha estante...mas isso é outra publicação de outra irmã.