30 de dezembro de 2020

Trigésima primeira leitura..


 Olá, leitor ! 

Penúltima leitura deste ano (um tanto louco)!

Villette é uma releitura que fiz da autora Charlotte Brontë. 

Logo no prólogo da editora, algumas personagens são descritas conforme sua inpiração: o professor Héger, a grande paixão de Charlotte é ipsis litteris de Monsieur Paul Emmanuel. E que personagem grosseiro ele é! Não existe um momento que me faça detestar menos essa persona. Eu não sei o que Charlotte e Emily possuem como estereótipo de homem perfeito pois Monsieur Paul e Heathcliff são homens péssimos! 

Villete é a cidade fictícia de Bruxelas onde as duas irmãs estudaram. A protagonista de Villette é Lucy Snowe - órfã (é claro). A sua trajetória passa por três estágios: solidão, encontro e esperança.

O primeiro capítulo é diferente de todos os demais, pelo menos na minha opinião. Todo o livro e narrado em primeira pessoa, e relata a vida de Lucy. Porém, o primeiro capítulo que ela descreve as pessoas que estão ao seu redor e pouco do realmente acontece com ela. 

Lucy Snowe sabe quem ela é! Uma das reclamações da personagem é a falta de percepção dos outros em saber quem ela é ... apenas a supõem. Cada um entende Lucy como deseja sem a conhecê-la de fato. 

Existe uma solidão latente em Villette. Existe uma persistente solidão que ataca a personagem, como se os sucessos que consegue não devessem lhe pertencer - como se as amizades que conquista devam ser breves. Há uma citação que eu ser um desabafo da autora e não uma fala da personagem:

Eu gemia sob sua amarga severidade. Nunca - nunca! Oh, odiosa palavra! Esta bruxa, esta razão, nunca me deixou olhar para cima, ou sorrir, ou ter esperança: ela não podia descansar, a menos que eu estivesse completamente esmagada, acovardada, quebrada e aniquilada. Segunda ela, eu nascera só para trabalhar por um pedaço de pão, para esperar as dores da morte e perder constantemente a esperança através de uma vida de desânimo. Talvez a razão falasse a verdade, entretanto, não é de admirar que nós gostemos, por vezes, de estarmos contentes, de desafiá-la, de fugir de debaixo da sua vara e de dar uma hora de liberdade à imaginação - sua doce e brilhante inimiga, nosso bom auxílio, nossa divina esperança. Devemos romper os limites de tempos em tempos, apesar da terrível vingança que aguarda nosso retorno. A razão é vingativa como o diabo. Para mim foi sempre venenosa como uma madrasta. Se eu lhe obedeci foi, principalmente, com a obediência do medo, não a do amor. Há muito tempo eu deveria ter morrido por seus maus tratos: a sua mesa mesquinha, a sua cama gelada, o frio, seus selvagens e incessantes golpes. ah, se não fosse essa força mais suave que detém a minha secreta e jurada fidelidade! Muitas vezes a razão me expulsou para fora, em plena noite de inverno, no frio da neve, lançando-me para sustento os ossos roídos que os cães haviam abandonado. Declarava, severamente, que a sua dispensa nada tinha para mim. Negou-me duramente o direito de pedir coisas melhores... Então, olhando para cima, vi no céu uma cabeça rodeada de estrelas das mais brilhantes que emanava um raio de simpatia e atenção. Um espírito mais suave e melhor do que a razão humana desceu em voo tranquilo ao deserto, trazendo à sua volta um ar emprestado de eterno verão, o perfume das flores que não podem murchar; fragrância de árvores, cujos frutos são a vida; trazendo brisas de um mundo, cujo dia não precisa ser sol para iluminá-lo. Este bom anjo saciou minha fome um doce e estranho alimento, conseguido entre os anjos que guardam a sua colheita branca de orvalho na primeira hora de um dia celestial. Mitigou, ternamente, as minhas lágrimas insuportáveis que choravam a própria vida; acalmou os meus temores e, gentilmente, cedeu descanso ao meu cansaço mortal, deu esperança ao meu desespero. (página 288/89)

Eu achei simplesmente sensacional. Como mencionei para uma cliente que estava no Sebo do Portuga: Villette é um livro sobre solidão e sobrevivência - é um livro lento e amargo para ler, mas cada página vale de sua leitura. 

Como já mencionei, a figura de M. Paul é uma réplica fiel do caráter de seu amado professor C. Héger. A esposa deste homem está na figura de Madame Beck. A confissão de Charlotte à um padre - que não corresponde a fé que ela professava também está registrada no livro, no final da primeira parte. 

Eu preciso confessar que os momentos de solidão e tristeza são os que mais chamam a minha atenção: o mesmo aconteceu na leitura de Jane Eyre. As passagens são intensas e reais! E, talvez, por isso, O Morro dos Ventos Uivantes não saiu da minha estante...mas isso é outra publicação de outra irmã.


Omnia Vanitas. 💀

29 de dezembro de 2020

Trigésima leitura ..


 Olá, esquecido leitor! 

Faz algum tempo que preciso colocar este blog em dia! Eis o dia ! 

No ínicio de novembro, eu comecei a ler, pela segunda vez, este livro e Charlotte Brontë: O Professor. Neste link está a primeira impressão desta leitura.

Este livro foi a primeira tentativa de Charlotte em publicar um livro; e foi negado por todos que o tiveram em mãos. 

A primeira publicação foi depois de dois anos da morte da autora, em ano de 1857; seu marido Arthur Bell levou o manuscrito à um editor que publicou a obra - haja vista o renome de Charlotte desde a descoberta do seu pseudônimo Currer Bell.

Porém, na minha singela opinião, o livro não tem um poder tão grande de arrebatar o leitor como em Jane Eyre, Villette e até mesmo, Shirley. A narrativa é rápida naquilo que pretende e, para mim, algumas atitudes do professor Crimsworth me deixam inquieta. 

Também, neste conto, o professor é uma caricatura da paixão arrebatadora que Charlotte teve por Constantin Héger, e, também, do desejo da escritora de ter sua própria instituição de ensino - o que fez porém, sem o sucesso que sua personagem obteve. A esposa de Héger também é descrita em O Professor como a dona da instituição de ensino onde William Crimsworth lecionará - porém, ela é sempre retratada como uma mulher mesquinha e torpe. 

Esta edição que tenho é da Clube do Livro, publicada em 1958. Uma nota da edição avisa que alguns trechos foram omitidos no momento da tradução por achar que eram longos demais para descrever. Que triste! 

Omnia Vanitas. 💀

Vigésima nona leitura..


Olá, determinado leitor! 

Essa semana que passou, eu terminei a segunda leitura do segundo romance da caçulinha das Brontë, A Senhora de Wildfell Hall. Eu adorei! Incrível!

Este foi o segundo e último romance publicado por Anne Brontë. Sua primeira publicação ocorreu no ano de 1848 e, após a morte da autora, Charlotte Brontë não permitiu que fosse novamente por achar a obra violenta, e, claro, o abuso do álcool era baseada na vida promíscua do irmão e isso não agradou Charlotte. Apenas após a morte de Charlotte este livro voltou a ser publicado - e, também, em algumas edições alguns trechos foram emitidos pelos mesmo motivos que chocaram Charlotte - uma pena. 

Quando eu li Agnes Grey, a figura de Rosalie Murray ficou gravada na minha memória. Em A Senhora de Wildfell Hall essa personagem voltou à minha lembrança. 

Helen é uma jovem rica, órfã de mãe e criada pelos tios. Em sua estadia com os parentes fora da região rural, Helen é pressionada a escolher como futuro marido alguns pretendentes que sua tia acha conveniente para um futuro casamento. Helen descarta as orientações da tia, e, ao encontrar Arthur Huntingdon se apaixona de imediato. Contrariando os conselhos da tia, Helen decide casar com Arthur mesmo sabendo das falhas morais do rapaz - pois ela julgava ser capaz de mudar com seu amor de dedicação ao amado tornado o lar um lugar capaz de demolir os possíveis vícios do marido. Ledo engano. A moralidade de Arthur é decadente em vários aspectos e a protagonista se vê presa em um relacionamento abusivo com poucas chances de sair dele. 

Neste livro Anne Brontë trata com a maior realidade possível o que abuso do álcool pode causar ao usuário e àqueles que lhe são próximos (e íntimos).  Mas, principalmente, Anne nos mostra como os "erros" masculinos eram perdoáveis (e incentivados) em relação à conduta que uma mulher deveria ter. 

A chegada de Helen causa curiosidade na vizinhança: quem é aquela mulher de caráter sisudo, apegada ao filho de modo excessivo, e como pôde alugar uma casa tão velha como aquela e, como seu filho pode ser tão parecido com seu senhorio? 
Helen percebe sua vida se tornar insuportável quando fofocas sobre ela começam a rodar pela região e o seu relacionamento com o senhorio é visto com malícia por Gilbert Markham... então o leitor e apresentado ao seu diário através dos olhos do jovem e apaixonado fazendeiro Markham.

Uma outra situação que chamou a minha atenção foram as mães. A senhora Markham cobre Gilbert de cuidados e atenções - sua alimentação precisa ser preparada assim que ele chega pois mesmo atrasado ele não pode ter uma refeição fria. E ele a trata com pouca educação, às vezes exige que ela saia de perto de si, outras bate a porta ou responde com uma grosseria. 
Desde o início eu não gostei de Gilbert, e o tratamento de menino mimado me deixava com mais desgosto ainda. O mesmo ele fez com Helen: a cena de ele segurando o livro de Lawrence nas mãos e mostrando para a inquilina de Wildfell Hall me deixou irritada! Eu teria tirado o livro da mão dele e dito: "a porta para o senhor sair da minha casa é esta"! Muito mimado! 

Deixo uma nota especial para a gravidez de Helen. Nenhuma menção. A Era Vitoriana não gostava de mostrar uma mulher grávida pois seria uma vergonha saber que as mulheres casadas faziam sexo com seus maridos - porém, em contradição, era preciso que uma mulher tivesse uma prole de número alto para mostrar que era uma mulher capaz de gerar uma família numerosa.
A gravidez de Helen é só dita uma vez quando Huntingdon quer que sua esposa fique longe dele, a desculpa é esta: 

(...) Você anseia pelas brisas frescas de sua casa no campo e vai senti-las em dois dias. E lembre-se de seu estado, querida Helen. De sua saúde depende a saúde, se não a vida, de nossa esperança futura". (p. 225)

Este livro é maravilhoso; eu  o deixarei sempre perto de mim para uma pronta releitura! 


8 de novembro de 2020

Vigésima oitava leitura..


 

Olá, leitor anônimo!

Depois de ler Os Manuscritos Perdidos de Charlotte Brontë, eu senti falta da irmã mais nova, Anne; portanto, decidi ler, pela primeira vez, Agnes Grey.

Anne Brontë possui dois romances publicados além de poemas que publicou juntamente com as irmãs Charlotte e Emily.  O primeiro romance da escritora caçula das Brontë é Agnes Grey e, o segundo, A Inquilina de Wildfell Hall.

Neste romance de estreia, Anne Brontë tira toda idealização da função de preceptora que sua irmã, Charlotte, apresentou em Jane Eyre. A experiência de Anne como preceptora permeia este romance - e isso o torna realista. 

Agnes Grey é uma jovem que vê sua família perder a maior parte da sua fortuna em um negócio mau sucedido do pai e, para ajudar a família a reconstruir essa perda, ela decide se tornar preceptora em uma casa de família - mesmo não tendo nenhuma experiência em lidar com crianças. A protagonista trabalhará para duas famílias antes de retornar, em definitivo ao  seu próprio lar. 

A primeira família será os Bloomfield, em uma residência relativamente próxima a sua casa paterna. Esta primeira vivência de Agnes é a representação da experiência que Anne teve em sua vida. Segue um trecho de como eram as duas crianças que a senhorita Grey precisara ensinar - ou tentar:

Mas eles não conheciam a vergonha, zombavam da autoridade que não fosse baseada no terror; e quanto à bondade ou afeto, ou eles não tinham coração ou que tinham estava tão bem guardado e escondido que eu, apesar de todos os meus esforços, não havia descoberto um modo de chegar até ele. 

Realmente, essas crianças me assustaram muito com seus comportamentos cruéis - e vi em Tom um assassino em série. 

A segunda família foram os Murray. Foi um período longo que Agnes passou com a família e, as duas jovens: Rosalie e Matilda eram quase da sua idade. Apesar de não serem tão cruéis, a primeira era vaidosa ao extremo (fazendo os rapazes se apaixonarem por ela apenas para lhes recusar o pedido de casamento - este era seu passatempo preferido), Matilda era mais livre porém não menos indiferente aos ensinamentos e a presença de Agnes. 

Ao término do livro, meus pensamentos ficaram presos em Rosalie e no casamento desta personagem - eu fiquei triste pelo fim dela, mesmo sabendo que ela o escolheu de olhos bem abertos. 

Assim como Agnes Grey, Anne Brontë foi preceptora em duas famílias, sendo a última com que ficou mais tempo, porém, ao contrário de sua protagonista, Anne ficou amiga das suas alunas e passava férias com a família em uma casa na praia - lugar que Anne amava, e onde foi enterrada, sendo a única daquele grupo familiar a não estar no mesmo lugar que os demais. E, para infelicidade da escritora, ela precisou cortar os laços com as amigas (talvez únicas) pois seu irmão, Patrick, foi amante da mãe das meninas. 

Agnes Grey é um romance mais realista, não apresenta a fúria de Wuthering Heights ou o sofrimento de Jane Eyre, mas tem sua expressão em apresentar uma sociedade muito próxima da realidade de uma preceptora a exercer seu cargo, tirando dele toda a fantasia e apresentando a marginalização de um cargo. 


Omnia Vanitas 💀

 

Vigésima sétima leitura..


 

Olá, anônimo leitor!

Imagino o seu sofrimento, leitor, pela minha falta de atualização deste blog. Mas, sem explicações ou justificação, começarei esta publicação.

A vigésima sétima leitura foi um livro de estudo sobre os manuscritos encontrado em um livro de poemas que pertenceu à família Brontë.

Os Manuscritos Perdidos de Charlotte Brontë foi uma preciosa aquisição que o Sociedade Brontë adquiriu depois de quase dois séculos "perdido" na América do norte.

Este livro é uma fonte rica de estudos sobre a importância que este achado trouxe para a juvenília de Charlotte Brontë (e, também, para iluminar a obra de Emily Brontë, Wuthering Heights). Anne ficou à margem, de novo.

Cinco pessoas que são referência em estudos sobre a família Brontë expõem, neste livro, todo o valor de encontrar este fragmento (uma poesia e uma prosa) em um volume de poemas chamado Remains of Henry Kirke White

Ann Dinsdale apresentará a chegada do livro à família, desde a sua compra por Maria Branwell (futura senhora Brontë) em sua terra natal; o transporte para sua nova casa ao lado do marido Patrick e a perda em um naufrágio de parte da sua bagagem.

Barbara Heritage apresentará a arqueologia do livro - e do exemplar de Maria Brontë desde a morte marido Patrick e a venda dos bens materiais da família e em quais mãos esses dois exemplares (que se tornaram um) foram manuseados e a explicação para o acréscimo dos dois fragmentos no volume único.

Emma Butcher e Sarah E. Maier são responsáveis por dois estudos reservados à influência destes escritos na juvenília de Charlotte Bronë e como era produzida - com a parceria de seu irmão, Patrick Branwell. 

O último capítulo Reinventando o Céu, de Ann-Marie Richardson é dedicado à Emily Brontë e a inspiração que o poema Clifton Grove, de Henry Kirke White  na escritora de Wuthering Heights.

Eu decidi não me aprofundar em relatar cada capítulo deste livro  por se tratar de estudos direcionados, eu não teria como escrever sobre sem diminuir o valor do conteúdo. Porém, deixo a minha singela recomendação de leitura deste livro para os amantes das irmãs Brontë; e, acrescentarei uma nota para tal leitura: tente ler a juvenília de Charlotte Brontë antes de iniciar esta leitura para que não se torne estranha as ideias apresentadas.


Omnia Vanitas 💀

11 de outubro de 2020

Vigésima sexta leitura..



Olá, anônimo leitor!

Eu tinha esquecido como a leitura de Jane Eyre, de Charlotte Brontë, é maravilhosa.

Publicado em 1848 sob o pseudônimo de Currer Bell. O sucesso foi imediato ao lançamento e, nesta edição que tenho da BestBolso (2013, segunda edição) há o prefácio do autor para a segunda e terceira edições onde Brontë assina como Bell. 

Jane Eyre é um romance de formação que apresenta da vida da orfã (homônima) desde a sua infância até a fase adulta. O enredo é narrado pela protagonista e, portanto, não há outro ponto de vista exceto a do narrador.

A trama que dá vida à personagem é um empréstimo de alguns dramas vividos pela própria autora como: o orfanato para o qual a menina é enviada é uma representação do orfanato de Lancashire para onde ela e suas irmãs (Maria, Elizabeth e Emily) estudaram - e a precária condição da instituição deixou a saúde das duas irmãs mais velhas tão debilitadas que ambas morreram de tuberculose aos 11 e 10 anos sucessivamente). Para não perder Charlotte e Emily, o  pai - Patrick Brontë - busca as filhas e as ensina em casa. A personagem de Jane Eyre, Helen Burns é inspirada em sua irmã, Maria. 

E como Helen Burns me cativou nesta segunda leitura! Eu, simplesmente, não conseguia não me apaixonar pela personagem. Vou deixar duas frases - de tantas que gostei - para representar minha paixão por Helen:

(...) Acho que a vida é curta demais para ser gasta com animosidades, só pensando em acontecimentos ruins. (p.74)

Mesmo que o mundo inteiro detestasse você e a achasse má, se sua consciência a absolvesse de qualquer culpa, você não estaria sozinha (p.87)

Ainda sobre as ligações do romance com a vida da autora, o fato da protagonista ser órfã, também, diz muito respeito sobre Charlotte Brontë pois sua mãe faleceu em 1821 quando a autora tinha cinco anos de idade. E, este é um fato corriqueiro em seus romances, visto que a maioria de suas personagens não possuem os pais, ou pelo menos um deles.

Mais um fato marcante na obra de Jane Eyre é o Sr. Rochester que representa a figura de sua paixão por Constatin Héger, seu professor em Bruxelas.

O enredo, como já mencionado, contempla a infância da órfã Jane Eyre. Sua tia, Sarah Reed, precisava atender à apenas um pedido do falecido marido: cuidar da sua sobrinha como se fosse sua própria filha. Porém, isso não aconteceu. Sem o afeto da tia ou dos filhos desta - e tampouco dos empregados - Jane Eyre é enviado para o orfanado de Lowood. Neste lugar duas pessoas conquistam o coração carente da órfã, a supervisora Srta. Temple (que é uma figura materna para a criança) e sua amiga Helen Burns. Esta duas figuras darão a força e o amor necessários para que Jane Eyre aprenda a viver na obscura instituição de ensino. 

Após essas duas perdas, contanto com a idade de dezoito anos - e exercendo a função de professora desde os dezesseis - Jane Eyre rompe o laço com a instituição e se torna preceptora de uma menina órfã: Adèle Varens, em Thornfield Hall - residência de Edward Fairfax Rochester.

Uma nota que fiz sobre essa "casa". Ao meu ver, parece que o Sr. Rochester gosta de enviar para esse lugar os seus "problemas". Bertha Mason é a primeira a viver naquela mansão e Adèle chegará depois. Duas personagens que Monsieur Rochester parece querer esquecer em um lugar que lhe trouxe sofrimento.

Apesar de ser um ambiente amigável (Thornfield Hall), Jane Eyre não encontra muita alegria na sua estadia na mansão. Seu espírito ainda anseia por partir e descobrir outros lugares - mas, então, um encontro em um caminho obscuro muda toda a configuração dos sentimentos desta preceptora. 

Outra coisa que notei é que os fatos mais importantes da trama - os mais significativos pelo menos, acontecem à noite (ou madrugada). Preciso fazer mais anotações sobre isso em uma próxima leitura. Eu, infelizmente, somente atentei para este fato quando já havia passado da metade da leitura, mas os encontros com Rochester, com St. John e tantas outra decisões e atos aconteceram na madrugada ou, pelo menos, à noite. A Lua - nosso querido satélite natural - faz sua participação como coadjuvante nestas cenas "de la nuit".

Eu achei o capítulo vinte e sete interessante por ser a visão do Sr. Rochester sobre o primeiro encontro e tudo o houve até aquele momento - e foi um capítulo longo (o maior deles?) para o ponto de vista destas duas personagens.

Eu não quero parecer macabra, mas eu sou apaixonada pelas cenas de "sofrimento". Existe uma autenticidade na dor e nos conflitos que Charlotte Brontë descreve que impossível não entender o que Jane Eyre sente e como seu psicológico e moral sofrem quando ela se diante de grandes dilemas. 

Antes de terminar, quero deixar registrado que, assim como em Shirley, há uma punição e redenção para uma personagem. Quando o mal é causado, o agente precisa ser punido para que haja a redenção daquele que fez sofrer. 

Nesta leitura eu usei tantos "post-it" para marcar o que eu achei interessante, desde frases, o "escuro", e, também, todas as vezes que a protagonista descreveu o físico do Sr. Rochester (eu não sei porque fiz isso, mas foi algo que simplesmente aconteceu). Eu deveria tirar essas marcações, mas talvez eu as aproveite em outra próxima leitura, ou resolva fazer anotações à parte em algum caderno sobre o que senti/entendi sobre. 

Termino por aqui, e com a triste constatação que, apesar de ser a segunda leitura desta obra, é a primeira vez que escrevo sobre ela. Talvez eu seja mais eloquente na terceira 😉


Omnia Vanitas 💀



5 de outubro de 2020

A família Brontë..



Olá, obcecado leitor!

Eu não sei em que ponto da minha vida eu enlouqueci com as irmãs Brontë. Eu sou uma apreciadora das obras delas, mas parece que este ano, para ser mais exata em Setembro, elas me viraram de cabeça para baixo.

A primeira e última leitura que fiz dos livros que eu tenho delas em meu acervo, foi no ano de 2013. Li as três e, em 2015 eu li a Juvenília de Charlotte e Jane Austen. E por falar em Austen, também estou me devendo uma releitura dos seis romances (completos).
Voltando às Brontë; neste ano eu fiz a leitura anual de Norte de Sul da Elizabeth Gaskell. E, por ter uma assinatura no site Anne Brontë eu descobri que este livro da Gaskell foi inspirado em Shirley da Charlotte. Foi o que bastou para eu me decidir a ler os romances das irmãs - pelo menos compõem o acervo (parcial) na minha casa. E então comecei a fuçar mais sobre a família Brontë, assisti "lives" de pessoas que tem cátedra para falar sobre os Brontë, Gaskell e Austen. E cavocando um pouco mais, achei esse livro aí (da foto), que foi publicado no ano passado pela Faro Editorial. Busquei um pouco mais, achei um preço bem camarada no exemplar, convenci meu marido que minha vida dependia desse livro ..e voilà

Maria Brontë é uma figura silenciosa dentro da família Brontë: futura esposa de Patrick Brontë  e mãe de seis filhos - sendo que todos morrem em idade tão jovem (e prematuros) quanto a matriarca; deixando o marido, Patrick, como último a se despedir desta terra finita. 
Dois anos antes do seu casamento com o pastor Brontë (Prunty/Brunty), Maria Branwell tinha em seu poder um exemplar "The Remains of Henry Kirke White". No ano de 1812, ao se mudar para a terra de seu noivo, o navio que levava seu baú sofreu um naufrágio  que levou muitos bens pessoais para as profundezas do mar - porém, alguns foram recuperados pelo fato do acidente ter acontecido perto da margem.
Recuperado o exemplar, ele compôs a biblioteca e o imaginário de toda a família Brontë. Neste exemplar - que não foi apenas lido - foram anotados pensamentos dos leitores desta obra. 
No ano de 1861, após a morte do último membro deste núcleo familiar dos Brontë, muitos bens que ficaram para trás foram vendidos, entre eles, o exemplar de "The Remains of...". Viajando por mãos desconhecidas até chegar na América do Norte sob a tutela de um colecionar particular, em 2015 o exemplar foi comprado pelo The Brontë Society e publicado pela primeira vez em 2018. 
Anotações preciosas que permitem ao leitor descobrir uma nova faceta sobre as inspirações e ideias desta família extraordinária estão disponíveis para quem interessar possa.

O exemplar não possui os poemas de Henry Kirke White, apenas os manuscritos que foram encontrados nele e notas histórias sobre cada momento destas pessoas que encantaram o mundo com histórias e vidas tão sublimes. 

2 de outubro de 2020

Vigésima quinta leitura..

 



Fim de mais uma leitura !!! 


A partir de Shirley, eu decidi reler os livros das irmãs Brontë que estão comigo; e a escolha de desta obra de Charlotte Brontë é especial: foi nele que Elizabeth Gaskell se inspirou para escrever o meu amado Norte e Sul - porém, o livro de Charlotte não alcançou a mesma popularidade que o livro da amiga.

A publicação no livro foi no ano de 1849 - edição em três volumes sob o pseudônimo de Currer Bell. Este romance foi precedido por Jane Eyre (que teve uma ótima recepção pelo público e até hoje conhecido como a magnum opus de Charlotte Brontë) e seguido por Villete

A trama de Shirley acontece entre os anos de 1811 e 1812  - no período que a Inglaterra fecha o seu comércio por conta da guerra com Napoleão. Assim com em Norte e Sul, existe uma revolta ocasionada pela falta de emprego - porém, neste romance de Brontë a revolta se dá pela ocupação que as máquinas terão em detrimento a mão de obra humana. O desemprego é um dos temas de Shirley. A questão religiosa é uma das diferenças entre os romances de Gaskell e Brontë: em Norte e Sul é um assunto tratado de modo mais ameno, porém em Shirley a questão é mais aberta mostrando a rivalidade entre whigs e tories - para saber um pouco tem uma nota nesta publicação aqui

As personagens de Shirley também serviram de inspiração para Norte e Sul. O industrial Roberto Moore lembra muito a personalidade forte e determinada de John Thornton 💓. Ambos são ambiciosos, mas em Thornton há uma conotação de herói da trama que não lhe permite os erros de caráter de Roberto Moore. 

Entre as protagonistas, nenhuma delas tem relação entre si.

O romance, na minha opinião, poderia se chamar Carolina, pois mais de oitenta por cento da trama gira em torno desta personagem. A personagem que dá título ao livro aparecerá somente no capítulo dez (a partir da página 130 no meu exemplar*) e terá algumas participações na trama. Carolina Helstone, por outro lado, tem uma personalidade definida desde o início da trama e sua ausência na história se dá apenas para que o enredo entre a protagonista e Luís Moore 💗 cresça para fechar a trama.

Algumas anotações sobre Shirley - a mulher e não o livro - devem ser escritas: o nome dela era prevalentemente masculino, mas depois da publicação da obra algumas mulheres foram registradas com este nome. Shirley é uma das poucos mulheres ricas (protagonistas) que povoam as obras de Charlotte Brontë. Shirley tem personalidade forte e, por ser rica, muita das suas vontades são satisfeitas e poucas vezes é repreendida por algum ato cometido ou palavra dita. Shirley é quem cuida dos seus negócios, responde as cartas comerciais - geralmente feito pelo homem da casa ou por um contratado para o serviço; e por suas atitudes "masculinas", o tio de Carolina chama a herdeira de "Capitão Keeldar" - que é o sobrenome de Shirley, Keeldar. E ele o faz sem sentido pejorativo. E estas não são as únicas peculiaridades desta protagonista: seu cachorro não é de uma raça recomendada para "damas" - eu acredito que seja um buldogue inglês que, apesar de pequeno não é "educado". Geralmente as moças tinham poodles ou raça semelhante. Uma passagem intrigante para mim foi quando a sua acompanhante, a misteriosa senhora Pryor, repreende Shirley por ela estar assobiando - desde a primeira leitura essa foi uma parte marcante pois me instiga a pensar que não era "apropriado" para uma mulher assobiar - talvez seja pelo fato de homens usarem isso para caça (?); não sei!

Em oposto à Shirley está Carolina Helstone. Como em geral nos romances de Charlotte, ela é órfã - apesar de não saber o paradeiro da mãe, o pai é falecido. Mora com o tio que é pastor e tem sociedade com um casal de primos, os Moore (inicialmente Hortência e Roberto) e posteriormente, Luís. O fato de ela ser órfã e não ter fortuna para si, a faz crer que ser solteira será seu destino. E, o próprio Roberto a rejeita como esposa pela sua pobreza - pois com a guerra e sua possível falência, Roberto precisa de um cônjuge que lhe traga benefícios financeiros para que ele reerga a sua fábrica.  

Carolina é a personificação da heroína. Ela sofre por um amor que não pode ser conquistado, ela ajuda a todos além das suas forças, abdica do bem estar para que outros possam estar bem, jamais afirma que está cansada ou que algo lhe abate a alma - tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta - como está no Evangelho. E todos os benefícios colhidos (mesmo os mais ínfimos) são louvados, todas as injúrias sofridas são perdoadas em nome do amor.

Enquanto em Norte e Sul a morte permeia a trama, em Shirley ela é descartada. Talvez, porque no momento em que escrevia este romance, Charlotte Brontë havia perdido seus três último irmãos: Branwell (setembro 1848), Emily (dezembro 1848) e Anne (Maio 1849). 

Carolina sofre de um terrível mal físico (e psicológico)  que a deixa por várias semanas doente, a beira da morte. Sua recuperação se dá por meio de uma revelação que lhe trás um motivo para lutar contra a morte. Segundo uma amiga íntima de Charlotte, Carolina foi inspirada em sua irmã mais nova Anne e, pouca certeza há, que Shirley foi dedicada à Emily. Ellen Nussey, a amiga íntima, nunca confirmou a inspiração de Shirley em Emily. 

Um adendo para Luís Moore. 

Este irmão de Hortência e Roberto aparece no final da trama. Sua aparência não é tão bela quanto a de Roberto, mas ambos se assemelham fisicamente - e a comparação para por aí. Luís é quieto, mas altivo. Escolhe suas palavras antes de dizê-las, ao entrar em uma conversa ele domina o interlocutor - mesmo sendo Shirley. Ele é professor. E essa profissão é importante para Charlotte Brontë. Em sua estadia em Bruxelas, ela se apaixonou pelo professor, casado, Constantin Héger. Ela lhe enviava cartas para ele -  mesmo não sendo encorajada a fazer isso. A obsessão por este homem está marcado em seus romances: em O Professor (romance póstumo, publicado em 1857) William Crimsworth é a representação de Héger; em Villette ele é Monsieur Paul; em Jane Eyre ele é Mr. Rocherster. 


Então é isso! 

Omnia Vanitas 💀


*BRONTE, Charlottte. Shirley. Ed. Brasileira, 1949. Tradutor: Fábio Valente.


3 de setembro de 2020

Vigésima terceira leitura ..


 Olá, leitor !!


Que livro !! Mais um livro na lista para releitura: Amor de Salvação, de Camilo Castelo Branco.

Este ano eu já li Amor de Perdição, do mesmo autor, e gostei ; mas Amor de Salvação é sensacional! A trama é mais envolvente, as personagens são mais desenvolvidas na trama. 

Assim como em Amor de Perdição, um triângulo amoroso se forma: Afonso, Theodora e Mafalda, mas ao contrário da obra anterior, todos permanecem vivos - sem perdição.
Amor de Perdição é lindo! Mas como já mencionei, eu senti falta de personagens mais desenvolvidas: o amor de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque não me convenceu de fazer valer todo o sofrimento e sacrifícios do casal. Eu gostei muito mais de Mariana - o terceiro pé desta relação - e por pouco Simão não concorda comigo.

Antes de escrever sobre a leitura final, deixe-me fazer um adendo sobre Amor de Perdição: primeiro livro de Camilo Castelo Branco: escritor português, nascido na aristocracia - recebeu o título de visconde do rei D. Luís;  estava em cárcere por adultério quando escreveu esta obra quase biográfica.
Camilo Castelo Branco suicidou-se com um tiro na têmpora esquerda - movido pelo desespero de uma cegueira causada pela sífilis.

Amor de Perdição contém algumas notas muito semelhante com Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Ambas obras remetem à rivalidade entre as famílias do casal e ambas contém a morte como solução para a separação dos namorados. 

Amor de Salvação tem um viés diferente. 
Em uma véspera de Natal, um viajante/narrador busca informações sobre um atalho para chegar mais rápido ao seu destino e, seu informante, não é ninguém mais, ninguém menos que Afonso de Teive o protagonista de Amor de Salvação. Querendo saber mais sobre o rumo que levou o amigo ter oito filhos e uma felicidade sem medida, Afonso conta sua história trágica de amor e de como conseguiu encontrar a salvação no amor de esposa. 
Ao contrário dos Albuquerque e Botelho, a família de Afonso e Theodora são amigas. Ambos nasceram em um lar amoroso e abastado. Porém, Theodora fica órfã e é enviada para um convento - um convento era a solução para tudo no século XIX: órfãs, solteironas, viúvas e pasmem, para pessoas com vocação para a vida religiosa. 
Amada pela família de Afonso de Teive, Theodora é enviada para o convento das Ursulinas e separada do seu amigo de infância. Depois de exigir da mãe de Afonso, a boa Eulália, a tire daquela clausura, Afonso é separado de Theodora porque a mãe do jovem não gostou da personalidade forte da menina que exige sua saída da vida religiosa. 
Dois anos foi o tempo que estariam afastados os dois namorados - enquanto ficasse Theodora no convento.
Sem notícias e Afonso, Theodora faz a sua liberdade casando-se com seu primo Eleutério. 

A trama é muito bem arquitetada  e tem uma reviravolta magnífica. 

Eu não quero escrever mais sobre a obra não entregar o final, mas deixo minha sincera recomendação para que você, anônimo leitor, para que leia esta obra de Camilo Castelo Branco. 

Omnia Vanitas 💀

31 de agosto de 2020

A carta de Theodora ..






Olá, leitor !

Ontem, domingo, eu comecei minha manhã lendo na sacada do apartamento. Um café quente (sim, este ano decidi experimentar café e gostei - tomei três canecas) para acompanhar a leitura e ..enlouqueci !!! Que livro !!! Que leitura !!! Eu já decidi que este livro também será uma releitura com certeza ! 
Minha leitura atual é Amor de Salvação, do português Camilo Castelo Branco.

Eu gosto muito quando a personagem escreve cartas durante a trama. Amo cartas ! E, nesta leitura, Theodora escreve uma carta para Afonso! É maravilhosa !!! Divido esta experiência com você, leitor ! 

Quem te disse a ti que eu tinha caído diante de mim mesma, Afonso? Quando te dei eu direito de supor que o teu silêncio, em resposta a um grito do coração, me esmagaria os brios de mulher, que, de um sopro, faz saltar de suas vestes a lama do teu desprezo? Quando eu te apareci magnífica dedicação, fizeste-te mesquinho tu. As minhas lágrimas figuraram-se-te o pus de um coração corrompido; e eram soro do mais nobre sangue. Não pudeste chegar com a fronte à altura da minha, e apedrejaste-ma! Quem cuidas tu que és, soberbo senhor, que voltas o rosto da tua escrava. e não sabes sequer usar a misericórdia de dizer à mulher que te ama que não seja infame, amando-te?! (...) A contas, homem de ferro, que endureceste o teu frágil barro de outro tempo ao fogo de baixas paixões, a contas com a mulher desprezível! Que fazias tu quando eu me estorcia de saudades de ti e dores do meu cativeiro, dentro das grades das Ursulinas? Quando soubeste que a tirania me fechava a sete chaves numa cela e me media os átomos de ar, que eu respirava a furto, que fazias tu para resgatar os quinze anos de uma mulher que queria o sol das flores, das aves, dos mendigos, do último ver-me que se arrasta e cumpre o seu destino debaixo dos olhos de Deus?! (...) Não respondas. A vil, a abjeta, a desgraçada, é generosa. Não respondas. Ri e escuta. Abandonada por ti, enganada, não sei por que nem com que fim, por tua mãe, achei-me fraca para cruzar os braços e esperar a morte. À borda do abismo. vi uma tábua de salvação. Sabia que, segurando-me nela, as mãos se rasgariam em chagas incuráveis. Sabia-o; mas agarrei-me à tábua de salvação. Escutei a desgraça; que não tinha outro anjo, nem outro demônio que me aconselhasse. Escutei-a, e aceitei o marido que ela me deu. Perdi-me para a vida da alma; mas encontrei a vida dos olhos e dos ouvidos, e do seio, onde me roía a serpente da soledade e do desabrigo. Vi árvores, vi estrelas, ouvi os cânticos da Terra e os amorosos murmúrios da natureza festiva. No centro do mundo era eu a única mulher sem mãe, sem pai, sem amigo, sem coração que se abrisse às cinzas do meu. Não importa. Via o Sol no firmamento; e, para além do Sol, a infinita luz dos que bem-disseram a mão do Senhor, que, à sua vontade, desdobra um crepe de trevas sobre os corações, que, em inocência, não ousam interrogá-lo como Job! Transbordou um dia a amargura de minha alma. Não sabia onde me levava a vertigem. Corri léguas. As árvores que gemiam um som, as fontes que tinham uma voz, os trovões que estalavam do céu de bronze, as catadupas que bramiam no despenhadeiro, tudo me dizia o teu nome. Corri as montanhas que nos viram meninos; reconheci a fraga onde nossas mães se sentavam; orei à cruz de pedra que está na quebrada da serra. E não te vi. Dois meses te procurei, sem balbuciar o teu nome. E,. quando há um ano te avistei encostado ao ombro de tua mãe, a voz do meu orgulho de desgraçada disse-me: se ela quiser que tu te percas por ele, amanhã não terás honra, nem família, nem marido, nem criatura sobre a Terra que te não insulte. E escrevi-te, Afonso! Aquele papel era uma renunciação, aquelas palavras queriam dizer dá-me a perdição como salvamento; dá-me a infâmia como glória; o mundo vai apedrejar-me, e eu cuidarei que ele me aclama virtuosa; todas as devassas me julgarão indigna delas; eu, contente da minha desonra, estenderei benignamente a mão a todas as miseráveis que ma cuspirem. E tu, Afonso? Como me julgaste morta para a virtude, aproximaste-te do cadáver, puseste-lhe sobre o peito um pé, calcaste, viste-lhe nos lábios o sangue do coração, e escarraste-lhe! Voltei do outro mundo. A mulher que viste há pouco era um fantasma. Os cabelos negros que adornaste com três flores naqueles formosos quinze anos caíram-te aos pés. As flores vêm aradas do fogo do inferno. O fantasma voltou às suas labaredas, para nunca mais te crestar o riso dos lábios com as chamas dos seus olhos. Vai tu ao Céu e pede a Deus que me deixe adorar-te na eternidade das penas. Pede-lhe que me dê eternidade para a expiação e eternidade para o amor Adeus."


Trecho retirado do Domínio Público: Amor de Salvação 

30 de agosto de 2020

Vigésima Segunda leitura..


 Olá, abandonado leitor !! 
Faz muito tempo que não escrevo neste blog. Eu gosto refletir minhas leituras aqui, mas outros afazeres tiraram meu tempo para esta tarefa.
Porém, semana passada eu fui arrebatada pela leitura de A Mão e a Luva de Machado de Assis e este período de distanciamento foi quebrado. 

Que livro ! Que hisória! 

Eu comecei a ler no dia 21 de agosto (sexta-feira) e domingo (23 de agosto) eu concluí a leitura. Domingo foi o dia chave para completar o término da obra. 
Comecei pela manhã fria e aconchegante sob uma camada de cobertores e apreciada com pedaços de chocolate. 
Geralmente, meu marido e eu combinamos como será  dia: dividimos nosso dia em tarefas individuais e uma segunda parte dedicamos ao convívio de prazer mútuo.
A leitura da manhã estava ótima. O enredo prendia a cada capítulo e tornava impossível interromper a leitura. 
Após o almoço, combinamos que no período da tarde teríamos para nós. 
O período vespertino chegou, minha promessa de pós-almoço vacilava em ser cumprida! 
Somente no final da tarde consegui ir para a sala, e fui exclamando: Meu deus! Que livro ! Que livro !! 
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Entenda a história, leitor:

Guiomar é uma moça órfã que depois da morte prematura da sua prima vai morar com sua tia para lhe servir de consolo.
A beleza de Guiomar arrebatou o coração de Estevão, porém, o coração da dama exigia mais do que um simples elogia a sua formosura.
Um primo seu, Jorge, também querido pela tia, revelou suas intenções de afeto pela moça. Ousou-a pedir em casamento ... mas ainda havia Luís Alves.

A trama gira em torno destes três pretendentes que esperam de Guiomar uma resposta sobre qual será a decisão que ela tomará em relação à escolha do futuro marido.

Guiomar é ambiciosa.  Mas não julgue que seja mau o seu caráter, apenas anceia que sua vontade seja superior ao que lhe obrigam a aceitar. Ela mede cada pretendente conforme sua ambição.
Estevão lhe oferece um amor pueril, Jorge manterá sua fortuna dentro da família e Luís Alves lhe oferece um nome.

Eu adorei Guiomar, mas não desde o início. Ela é uma personagem que precisa ser observada com cuidado para não seja mau interpretada. E acredite, leitor! Você amará Guiomar.
Eu gostei do Machado de Assis "fez" com ela. Trouxe uma mulher com uma determinada sem a carregar de trejeitos romanescos exagerados. Ela sabe o que quer e, mais importante, quer concluir com êxito a sua ambição. 
Ela já está na minha lista de preferidas preferidas e A Mão e Luva em uma releitura desejada.

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5 de maio de 2020

Releitura de "As Viagens de Gulliver"..



Olá, anônimo leitor!

Estou na segunda leitura deste livro do Swift, depois de mais de oito de distância da primeira. E é um novo olhar por dois motivos.

Primeiro, faz muito tempo desde a primeira leitura, todas as particularidades foram esquecidas conforme outras leituras foram feitas depois desta. 

Segundo motivo foi que desta vez eu decidi incluir as notas explicativas na leitura.
Este exemplar é da Nova Cultural (2003) com tradução e notas de Therezinha Monteiro Deutsch. Ela, também, traduziu pela editora Best Bolso os livro Emma e Razão e Sensilidade de Jane Austen - ambos indicados pela Raquel Sallaberry Brião no seu site Jane Austen em Português como as entre as melhores traduções das obras da escritora inglesa.

Faz pouco tempo que comecei a cuidar das traduções que tenho na minha estante. Algumas edições eu tenho a oportunidade de trocar, mas em sua maioria fico à mercê do que tenho em mãos.
A primeira vez que notei uma tradução diferente foi no livro Persuasão da própria Jane Austen. Vou deixar o link aqui para não me alongar na explicação.
Para outras obras, eu uso as publicações do blog Não Gosto de Plágio da Denise Bottman.
Sendo assim, mais confiante na tradução e nota de Deutsch, eu faço desta segunda leitura de As Viagens de Gulliver uma aventura mais real da história. 

 As notas sobre o texto enriquecem muito a leitura. As observações permitem que o leitor encontre os motivos que levaram àquele trecho ou algumas possíveis ideias de estudiosos de Swift para que esta ou aquela frase estivesse ali. Estar na cabeça e na história que o escritor viveu ao escrever torna a leitura muito mais rica e completa e permite ao leitor rir da sátira que é As Viagens de Gulliver
Para não deixar você, leitor anônimo, sem um exemplo, deixarei dois para lhe dar uma luz sobre o que escrevi.

"(...) Diverti-me, entre outras coisas, como dançarinos na corda-bamba¹, que se apresentavam sobre um fino fio branco esticado a cera de um metro e meio do solo. Peço licença, e paciência ao leitor para me alonga um pouco a este respeito.
Esta diversão é praticada apenas pelas pessoas que são candidatas a altos cargos e altos favores na corte. São treinadas nesta arte desde bem pequenas e nem sempre são de nascimento nobre ou têm educação liberal. Quando um alto cargo fica vago, por morte ou queda em desgraça (o que acontece muito), cinco ou seis desses candidatos apresentam petições para divertir Sua Majestade e a corte com a dança na corda-bamba; então, aquele que saltar mais alto sem cair ganha o cargo". (página 62-3)
 (...)
"Mandei tantas cartas e petições para minha liberdade que por fim Sua Majestade mencionou o assunto no gabinete e, depois, numa reunião do Conselho, ninguém e opôs, a ser Skyresh Bolgolam², que resolveu, sem nenhum motivo, ser meu inimigo mortal". (página 67).

Notas:

(1):  dançarinos em corda-bamba: exibição preferida ente os divertimentos populares no período. Para avaliar o significado satírico, confrontar com a observação de Swift num panfleto religioso (1709): "Leve-se em conta que andar na corda-bamba é o único talento requerido por um ato do Parlamento para transformar um homem em bispo; não se duvide de que depois de ter feito esta demonstração de atividade, de estar em forma, esse homem poderia sentar-se na Câmara dos Lordes...mas é preciso ser pouco cristão para acreditar que esse funâmbulo depois disso tornara-se um tiquinho ais bispo do que antes..." prose, ii, 75; E.W. Rosenheim, PQ, xxxi, 1952, 209).

(2): Skyresh Bolgolam: "Estilo 'im Mar'boro'" (Clark, pp 604-5, i.é,; o duque de Marlborough, a quem Swift atacara várias vezes (principalmente no Examiner, 23 de novembro de 1710) como chefe representativo da polícia-de-guerra dos whigs*. Firth (p.242) identifica Bolgolam como o conde de Nottingham, que usou sua iinflência para impedir que Swift conseguisse um bispado. Se bem qu não fosse um almirante, Nottingham fora Primeiro Lode do Almirantado (1680-4), e se bem que totalmente ignorante em conhecimentos marítimos, sempre se vangloria de ser um perito naval. Case (p.72), que relata a carreira de Gulliver em Liliput não em relação à biografia de Swift, mas sim em referência à sorte política de Oxford e Bolingbroke, aceita esta identificação pelo fato de que Nottingham era hostil a Oxford "sem que tivesse havido nenhuma provocação", a ser o fato de Oxford (então Harley) tê-lo sucedido no cargo (1704).

*whigs: Whig é uma expressão de origem popular que se tornou termo corrente para designar o partido liberal no Reino, e contrapunha-se ao Tory, de linha conservadora.

Eu ainda estava procurando algumas informações sobre a tradutora quando achei dois trabalhos que serão um ótimo suporte para esta leitura, segue os links abaixo;

- Autor: Leonardo José César de Mattos Guerra. Título: Viagens de Gulliver: recepção (história) e interpretação (crítica)

- Autor: Evaldo Gondim dos Santos. Título: Tradução e ironia: o cientificismo iluminista em Gulliver’s Travels vs. (As) Viagens de Gulliver

Então é isso, leitor!

Omnia Vanitas. 💀


3 de maio de 2020

Memórias de um Médico: primeira parte..


Livro um
Livro dois
Livro três
Livro quatro


Olá, leitor anônimo!!

Que prazer ter concluído esta primeira parte da saga Memórias de um Médico! Esta coleção estava mais de cinco anos na minha estante para a primeira leitura. E, desde a compra desta coleção foi algo muito especial para mim.
Deixe-me contar:

Eu tinha o plano de fazer um projeto de leitura livre no bairro que eu morava com meus pais; apenas um plano, quando uma amiga leu e levou à frente o projeto. Ela conseguiu vários patrocínios, bateu em várias portas para conseguir tudo o precisava para montar uma caixa para abrigar os livros. Depois, fomos buscar quem nos ajudaria com livros gratuitos para encher a caixinha. Visitamos alguns lugares que poderiam fornecer alguma doação para o projeto e, entre esses lugares, estava o sebo que eu amo visitar em Joinville - O Sebo Livraria. Foi lá que encontrei, sem ter procurado por ele na ocasião: foi na conversa informal com a dona do sebo sobre adaptações cinematográficas que cheguei a comentar sobre a saga e...ela tinha ! Não coleção completa, faltavam dois volumes que seriam muito fáceis de achar na internet ! E foi minha amiga que pagou para mim 😜 ..pois eu não tinha dinheiro na hora.

Ano passado eu fiz um "stories" no Instagram*  para comemorar o nascimento de Maria Antonieta pois a saga começa com a chegada dela na França para se casar com o Delfim (futuro Luíz XVI) e, me cobrei essa leitura pois era um crime ter passado tanto tempo para começar a lê-la. E, em Dezembro/19 eu trouxe a primeira parte para casa e jurei que começaria essa coletânea.
Neste ano, em março, foi obrigatório o recolhimento social por conta do COVID-19, então decidi começar a leitura desta obra de Dumas. Um dos motivo principais era não levar esses livros para minhas viagens de transporte urbano para não danificar mais a capa e páginas. Missão cumprida.

A leitura de todos os volumes foi muito agradável. Dumas (e Maquet) souberam compor uma trama que não deixou a leitura massante. Cada personagem foi bem aprofundada. Esta leitura me lembrou muito outras duas leituras: O Conde de Monte-Cristo (pela trama construída em lugares diferentes que se unem em determinada parte da narrativa) e O Visconde de Bragelonne por todas as tramas palacianas - o que me deixou com muita vontade de reler a trilogia de Os Três Mosqueteiros. 

Os romances de Alexandre Dumas são em sua maioria históricos. As suas personagens são reais mas o autor lhes dá atitudes que ele decide que servem para a sua obra. Ele não teve a intensão de tomar a história ao pé da letra, mas se utilizou dela para compor a sua realidade.  Portanto, a maior parte de seus personagem foram emprestados da história sem intensão de serem reais.
A corte francesa de Luíz XV está toda lá: a amante Du Barry, o marechal Richelieu - sim, mais um Richelieu, as filhas, o delfim, a nora Maria Antonieta... e o homem que dá nome a saga: Giuseppe Giovanni Battista Vincenzo Pietro Antonio Matteo Balsamo. José Balsamo.

Eu desconhecia totalmente esta personagem histórica. Ele foi tudo o que o Balsamo de Dumas é: maçom, alquimista, ocultista, feiticeiro, curandeiro - deve até jogar no bicho!
É com Balsamo que a trama inicia lá no livro um. Ele é o médico cuja memória é escrita.

O verdadeiro Balsamo, Giuseppe tinha uma real Lorenza - mas dela não procurei muito, visto que ela já deixou a trama. Giuseppe foi caçado pela inquisição e, teve um mestre que lhe ensinou sobre alquimia quando o rapaz tinha apenas dezessete anos. Giuseppe também atende pela alcunha de Alessandro, conde de Cagliostro e há alguns livros publicados sobre ele e o seu julgamento durante a Revolução Francesa.
Balsamo é respeitado até hoje como ocultista. Suas últimas palavras antes de morrer foram:
“Sono un cavaliere errante. Non sono di alcuna epoca né di alcun luogo, al di fuori del tempo e dello spazio, il mio essere spirituale vive la sua eterna esistenza e, se immergendomi nel mio pensiero risalgo il corso delle età, se distendo il mio spirito verso un modo d’esistenza lontano da quello che voi percepite, divengo colui che desidero."

Tradução: "Sou um cavaleiro errante. Não sou de nenhuma época ou lugar, fora do tempo e do espaço, meu ser espiritual vive sua existência eterna e, se imergindo em meu pensamento, volto ao longo dos tempos, se forçar meu espírito a uma maneira de existência longe do que você percebe, eu me torno o que eu desejo".

Nisso Dumas e Maquet acertaram: o José Balsamo da trama fictícia é um viajante além do tempo.

Omnia Vanitas.

*Salvo na pasta "Alexandre Dumas".

2 de maio de 2020

Fábula de La Fontaine..



O Louco que vende Sabedoria

Mantenham distância dos loucos, é o melhor conselho que posso lhes dar. Há muitos na corte e os príncipes gostam deles porque disparam seus chistes contra os teimosos, os tolos e os patifes.
Um Louco ia gritando, pelas ruas e praças, que vendia sabedoria, e muitos crédulos corriam para comprá-la. Fazia estranhas caretas e, depois de tomar-lhes o dinheiro, lhes dava uma bofetada e dois metros de barbante. A maior parte dos enganados se revoltava, mas de que adiantava? Acabavam sendo zombados duplamente: o melhor era rir e ir embora sem dizer nada. Buscar naquilo algum sentido seria levar a sério os mentecaptos. Qual razão explica os atos de um louco? A causalidade é o que movo o cérebro de um transtornado. Mesmo assim, um dos enganados foi procurar um homem erudito, que, sem vacilar, lhe disse: "O barbante e a bofetada têm sim um significado: toda pessoa de bom senso deve manter-se longe dos Loucos e a distância desse cordão. Se não fizer assim, se expõe a tomar uma pancada. O Louco não enganou ninguém: ele realmente vende sabedoria".

Le Fou qui vend la sagesse

Jamais auprès des fous ne te mets à portée:
Je ne te puis donner un plus sage conseil.
Il n'est enseignement pareil
À celui-là de fuir une tête éventée.
On en voit souvent dans les cours :
Le Prince y prend plaisir ; car ils donnent toujours
Quelque trait aux fripons, aux sots, aux ridicules.
Un Fol allait criant par tous les carrefours
Qu'il vendait la sagesse ; et les mortels crédules
De courir à l'achat : chacun fut diligent.
On essuyait force grimaces ;
Puis on avait pour son argent
Avec un bon soufflet un fil long de deux brasses.
La plupart s'en fâchaient ; mais que leur servait-il ?
C'étaient les plus moqués ; le mieux était de rire,
Ou de s'en aller, sans rien dire,
Avec son soufflet et son fil.
De chercher du sens à la chose,
On se fût fait siffler ainsi qu'un ignorant.
La raison est-elle garant
De ce que fait un fou ? Le hasard est la cause
De tout ce qui se passe en un cerveau blessé.
Du fil et du soufflet pourtant embarrassé,
Un des dupes un jour alla trouver un sage,
Qui, sans hésiter davantage,
Lui dit : Ce sont ici hiéroglyphes tout purs.
Les gens bien conseillés, et qui voudront bien faire,
Entre eux et les gens fous mettront pour l'ordinaire
La longueur de ce fil ; sinon je les tiens sûrs
De quelque semblable caresse.
Vous n'êtes point trompé : ce Fou vend la sagesse.

Link para o texto em língua francesa aqui.

1 de maio de 2020

Mudança de planos..


Olá, recluso leitor !!

Essa semana eu fiz uma enquete no Instagram para saber qual deveria ser a minha próxima leitura ao fim da primeira parte de Memórias de um Médico (Alexandre Dumas). As opções eram as seguintes:

- Crônicas Saxônicas (livros 7 à 10) de Bernard Cornwell
- As Cartas da Prisão de Nelson Mandela (Saham Venter - ed.)

O livro mais votado foi a saga do Cornwell. 

Nesta mesma semana, ainda em quarenta, eu estava ouvindo algum noticiário na televisão quando um avalanche de frases absurdas saíram do aparelho televisor. 
No mesmo instante eu lembrei do livro do Lima Barreto,  Os Bruzundangas. Um pequeno resumo da obra que achei na internet:
A obra é uma sátira da vida brasileira nos primeiros anos da Primeira República, Bruzundanga é um país fictício, onde havia, tal como na Primeira República, diversos problemas sociais, econômicos e culturais, entre os quais os títulos acadêmicos possuídos pelos ricos que eram não mais que pseudo-eruditos.
 Entenderam a recordação que me levou a pensar em Os Bruzundangas?

Porém, lembrei que a obra era uma inspiração no livro de Jonathan Swift, As Viagens de Gulliver.
Como, por sorte, eu tenho o livro do Swift na minha estante (já que noventa por cento está - ainda - na casa dos meus pais), eu decidi começar a leitura de As Viagens de Gulliver antes de começar o livro do Barreto.

Então é isso.. Que comece a leitura ...

Omnia Vanitas 💀

Leitura quinze..


Fim da primeira parte de Memórias de um Médico, de Alexandre Dumas. 

O último livro de José Bálsamo é quase uma história a parte da trama geral. Nesta parte do enredo, o destaque é para o drama da família de Tarveney, mais especificamente os dois irmãos Andréa e Phillipe. 

O sofrimento destas personagens se deve ao antigo conhecido da casa da Taverney, Gilberto. A obsessão deste por Andréa é notado desde o primeiro livro, quando ele deixa a casa do barão para seguir Andréa até a corte francesa. Sem muito o que deixar para trás, parte com algum dinheiro nos bolsos atrás da carruagem da filha do barão. Ele foi a pé.

Gilberto é dotado de uma sorte que desgraçados como ele não deveriam ter. Quase morrendo de fome e cansaço, é acudido pela irmã da favorita do rei o meio do caminho. Depois, sem ter onde ficar em Paris, encontra Jean Jacques Rousseau - de que é grande leitor - e permanece na casa dele para ganhar dinheiro, ensino e continuar sua aproximação de Andréa. Por mais um fortuna do destino, esta mora a cem passos da casa do seu protetor e ele consegue vigiá-la ela janela do seu quarto. 
Depois, expulso da casa de Rousseau, consegue emprego de jardineiro no Trianon - onde está Andréa e, claro, a vigia mais de perto.

Gilberto é o que se chama hoje de em dia "perseguidor". E, como cultura da época, depois de estuprar sua vítima/amada, ele quer redimir seu crime casando com a moça. E, claro, arruma quem lhe dê dinheiro para o dote de casamento. 

Gilberto nunca foi uma personagem com quem consegui estabelecer uma ideia boa sobre ela. Algo na descrição dele e nas suas atitudes é incômoda: e se mostrou exatamente do que dele se esperava. Tudo o que Gilberto faz é mau - e ele tenta colocar uma "intensão" nobre para justificar suas atitudes: o desprezo de Andréa ao saber que ele é  pai do filho que ela espera (ele a estuprou enquanto ela estava entorpecida) parecia para o criminoso uma ação incoerente visto que ele a amava e queria redimir seu erro. Ele só produz um absurdo atrás do outro. Todas as oportunidades honestas que lhe apareceram na vida ele as transformou em desgraça. 

O epílogo da trama apresenta a doença do rei Luiz XV e sua morte para a ascensão do Delfim e Maria Antonieta. 

A segunda parte da saga será O Colar da Rainha, com dois volumes, e tratará do caso do colar de diamantes de  Maria Antonieta às portas da Revolução Francesa.

Omnia Vanitas 💀

22 de abril de 2020

Leitura catorze..


Olá, isolado leitor!

Fim de mais uma leitura - e do terceiro livro da saga Memórias de um Médico, de Alexandre Dumas. 
Esta primeira parte é composta por quatro volumes e chama-se José Bálsamo. Estes são os links para o primeiro e o segundo livros. 

Neste terceiro livro, o projeto de José Bálsamo segue seu curso, porém, nesta direção também estavam os planos de outros personagens

A condessa Du Barry estava em guerra contra todos que não a aceitavam como a favorita do rei Luís XV. Esta lista era composta por quase toda a França, pela família Choiseul, pela Delfina e seu esposo (Luiz XVI) e, também o marechal Richelieu - que muda mais de partido dentro da trama do que pode ser aceito em via de regra. 
Um adendo sobre esta personagem - não se trata do mesmo Richelieu de Os Três Mosqueteiros - o período entre as história o faria um matusalém; mas ambos existiram e foram ativos junto à monarquia francesa
Além de seus inimigos naturais, a condessa Du Barry ainda precisa enfrentar uma nova rival, a dama de companhia de Maria Antonieta, Andréa de Taverney. 
Mas o rei não é o único apaixonado por Andréa. A menina parece arrebatar corações por onde passa; e o mais apaixonado deste séquito de enamorados é Gilberto. Este aspirante a filósofo faz a sua vida orbitar conforme a trajetória de Andréa. E é isto que Du Barry utilizará para manter esta paixão de Luiz XV fora do alcance do rei. Em contra-partida, o marechal Richelieu pretende aproximar este casal para tirar a Du Barry "do sério" e "da vista".
Todo o mal entendido aconteceu por conta de um cargo no parlamento que foi recusado (pelo rei) ao senhor de Richelieu. Tal recusa foi entendida como uma traição de Du Barry ao marechal. E, sendo rivais, estão colocando empecilhos no caminho de cada um - que, às vezes, traz a vitória para um, outrora a vitória de outro. 
E nesta troca de cargo no parlamento francês, a disputa pela vaga que o ministro De Choiseul deixou, mobilizou uma revolta no parlamento que este decidiu não julgar mais nenhum caso. Mais uma vez a amante do rei entra em ação para fazer sua vontade ser ouvida. 

Entre os filósofos, Rousseau tem três participações interessantes: a primeira delas é a rompimento de relação professor x pupilo com o Gilberto. A segunda é em uma reunião onde ele encontra alguns participantes da maçonaria, entre eles, um médico relevante para a história com um sobrenome peculiar: Guillotin. A terceira participação que chamou minha atenção foi justamente a reunião com aqueles que causaram a sua separação de Gilberto - uma pequena ação contraditória.

Esta terceira parte de José Bálsamo me lembrou muito a saga O Visconde de Bragelonne, onde as intrigas da corte tomam mais conta da narrativa do que a trama central; mas, faço um adendo - desde que a sessão real foi convocada até a conversa que Bálsamo tem com Guillotin - a leitura foi muitíssima interessante (e dentro do enredo para  a queda da monarquia) e me permitiu terminar a leitura antes do prazo estipulado.

Esta saga apresenta o gérmen que surgiu para a  queda da monarquia francesa. José Bálsamo, um líder maçônico e alquimista (entre outros títulos) deseja tirar o rei Luís XV e sua descendência do poder e declarar a monarquia extinta. Para isso, conforme primeiro livro, ele pediu um prazo de vinte anos para a realização do projeto - prazo este que ele considerou justo para arrancar a monarquia pela raiz e não permitir a sua ascensão ao trono novamente.

Por hoje é só, começo a leitura do quarto e último volume desta primeira parte!

Omnia Vanitas

14 de abril de 2020

Fábula de La Fontaine..


O Ancião e os Três Jovens

Um octogenário plantava árvores.
"Construir, nessa idade, entende-se; porém, plantar árvores?, diziam três Jovens da vizinhança. "Sem dúvida, está caduco! Que fruto obterá de seu trabalho? Quantos anos você ainda tem de vida? Por que trabalhar para um futuro que não vai aproveitar? Pense nos erros passados, renuncie às esperanças futuras e aos empreendimentos ambiciosos. Este solo é bom somente para nós".
"Não é assim", respondeu o Ancião. "Tudo o que projetamos tarda em se realizar e dura pouco. As pálidas Parcas jogam da mesma forma com os seus dias e com os meus. Igualmente breves são suas vidas. Quem de nós será o último a ver a luz do dia? Meus bisnetos e tataranetos se lembrarão de mim como um homem honrado que se aplicou no trabalho para o bem alheio. Essa satisfação é um fruto que eu colho e saboreio hoje mesmo, e saborearei amanhã e alguns dias mais, pois é possível que eu veja muitas auroras sobre a sepultura de vocês".
O Ancião tinha razão.
Um dos três Mancebos se afogou no porto, indo para a América. Outro, ansioso por alcançar os primeiros postos nas missões de Marte, servindo à República, sucumbiu a um golpe imprevisto. O terceiro caiu de uma árvore que tentava cortar; e o Ancião, depois de chorar sua morte, escreveu na lápide funerária o que acabei de contar.

Fábulas de La Fontaine, ilustrações de Gustave Doré, editora Lafonte.




LE VIEILLARD
ET LES TROIS JEUNES HOMMES

Un octogénaire plantait. (1)
Passe encor de bâtir ; mais planter à cet âge !
Disaient trois Jouvenceaux, enfants du voisinage ;
Assurément il radotait.
....... ...... Car au nom des Dieux, je vous prie,
Quel fruit de ce labeur pouvez-vous recueillir ?
Autant qu'un patriarche il vous faudrait vieillir.
À quoi bon charger votre vie
Des soins d'un avenir qui n'est pas fait pour vous ?
Ne songez désormais qu'à vos erreurs passées :
Quittez le long espoir et les vastes pensées ;
Tout cela ne convient qu'à nous.
Il ne convient pas à vous-mêmes,
Repartit le Vieillard. Tout établissement (2)
Vient tard et dure peu. La main des Parques blêmes
De vos jours et des miens se joue également.
Nos termes(3) sont pareils par leur courte durée.
Qui de nous des clartés de la voûte azurée
Doit jouir le dernier ? Est-il aucun moment
Qui vous puisse assurer d'un second seulement ?
Mes arrière-neveux me devront cet ombrage :
Hé bien défendez-vous au Sage
De se donner des soins pour le plaisir d'autrui ?
Cela même est un fruit que je goûte aujourd'hui :
J'en puis jouir demain, et quelques jours encore ;
Je puis enfin compter l'aurore
Plus d'une fois sur vos tombeaux.
Le Vieillard eut raison ; l'un des trois Jouvenceaux
Se noya dès le port allant à l'Amérique.
L'autre, afin de monter aux grandes dignités,
Dans les emplois de Mars servant la République, (4)
Par un coup imprévu vit ses jours emportés.
Le troisième tomba d'un arbre
Que lui-même il voulut enter ; (5)
Et pleurés du Vieillard, il grava sur leur marbre
Ce que je viens de raconter.

La forme est celle d'une narration ; en fait, une inscription "gravée dans le marbre" par l'un des personnages de la narration...ce que nous révèlent les deux derniers vers.
La narration trouve ses sources dans Abstémius où le débat se limite à un vieillard et à un seul jeune homme qui se tue en tombant d'un arbre où il était monté pour prendre des greffes.
Ce modèle est enrichi de nombreux souvenirs d'Horace, Sénèque, Cicéron, Virgile.

(1) faisait planter
(2) tout ce que l'homme établit
(3) les limites de notre existence
(4) l'État
(5) greffer

fonte: clique aqui

Omnia Vanitas 💀

13 de abril de 2020

Leitura treze..


Olá, confinado leitor!

Fim de mais uma leitura! E que leitura! Eu concordo com cada letra da frase da professora Maria Lúcia Dias Mendes: "Alexandre Dumas é um bom contador de histórias". Ele sabe como deixar suas histórias com um gosto de "quero mais". 

A condessa Du Barry ainda não tem descanso com o seu França (Luis XV). Por falar neste apelido, eu acho uma graça quando ela o chama por esta alcunha. 
Para Dumas, Luis XV é um rei que reina sem se preocupar com o presente e com o futuro. O futuro não é da responsabilidade daqueles que o viverão, e o presente se resolve sozinho. 

José Balsamo usa da sua alquimia para trazer alguém para o seu lado - comprado. E o mais engraçado é que ele precisa passar recibo (da compra) para seus companheiros da seita. 
Ainda sobre Balsamo, sua esposa o ama quando está em transe de sono mas o renega quando está acordada. Dormindo, ela tenta seduzir seu marido para que a noite de núpcias seja consumada; acordada jura que irá matar-se se ele tocar nela. E Balsamo concorda que deseja tocá-la mas para sua feitiçaria precisa que ela se mantenha virgem. Interessante.

Ainda sobre casamentos não consumados, o Delfin tem o seu casamento mas uma noiva histérica no quarto. Mas ele não se preocupa visto que também não seduz sua noiva para levá-la à alcova. Fica nesse zero à zero, todos dormindo: ele no sofá e ela de frente para o altar. Os únicos acordados são os parisienses e o rei Luiz XV - que espia pela porta e vê o que não lhe agrada. 

E para os corações partidos, Gilberto continua apaixonado pela sua Andréa, apesar do desdém da moça. Vive como um que sofre todo o sofrimento daqueles que ousam amar uma realização impossível. 

A filosofia de Rousseau é o ponto de Arquimedes para Balsamo. Através dela o alquimista pretende derrubar a monarquia francesa.

Estou gostando muito da leitura, ela é envolvente e dinâmica. A história de cada personagem e sua trama tornam a leitura rápida e agradável. A construção da narrativa me lembrou muito o livro O Conde de Monte Cristo pois cada personagem tem a sua construção pessoal dentro dela, mesmo o egoísta barão de Taverney.

Omnia Vanitas 💀

O caso do cachorro ..

 Olá, esquecido leitor !   Apesar de passar muito tempo longe deste blog, tentei voltar algumas vezes mas o tempo nem sempre está do meu lad...