2 de outubro de 2020

Vigésima quinta leitura..

 



Fim de mais uma leitura !!! 


A partir de Shirley, eu decidi reler os livros das irmãs Brontë que estão comigo; e a escolha de desta obra de Charlotte Brontë é especial: foi nele que Elizabeth Gaskell se inspirou para escrever o meu amado Norte e Sul - porém, o livro de Charlotte não alcançou a mesma popularidade que o livro da amiga.

A publicação no livro foi no ano de 1849 - edição em três volumes sob o pseudônimo de Currer Bell. Este romance foi precedido por Jane Eyre (que teve uma ótima recepção pelo público e até hoje conhecido como a magnum opus de Charlotte Brontë) e seguido por Villete

A trama de Shirley acontece entre os anos de 1811 e 1812  - no período que a Inglaterra fecha o seu comércio por conta da guerra com Napoleão. Assim com em Norte e Sul, existe uma revolta ocasionada pela falta de emprego - porém, neste romance de Brontë a revolta se dá pela ocupação que as máquinas terão em detrimento a mão de obra humana. O desemprego é um dos temas de Shirley. A questão religiosa é uma das diferenças entre os romances de Gaskell e Brontë: em Norte e Sul é um assunto tratado de modo mais ameno, porém em Shirley a questão é mais aberta mostrando a rivalidade entre whigs e tories - para saber um pouco tem uma nota nesta publicação aqui

As personagens de Shirley também serviram de inspiração para Norte e Sul. O industrial Roberto Moore lembra muito a personalidade forte e determinada de John Thornton 💓. Ambos são ambiciosos, mas em Thornton há uma conotação de herói da trama que não lhe permite os erros de caráter de Roberto Moore. 

Entre as protagonistas, nenhuma delas tem relação entre si.

O romance, na minha opinião, poderia se chamar Carolina, pois mais de oitenta por cento da trama gira em torno desta personagem. A personagem que dá título ao livro aparecerá somente no capítulo dez (a partir da página 130 no meu exemplar*) e terá algumas participações na trama. Carolina Helstone, por outro lado, tem uma personalidade definida desde o início da trama e sua ausência na história se dá apenas para que o enredo entre a protagonista e Luís Moore 💗 cresça para fechar a trama.

Algumas anotações sobre Shirley - a mulher e não o livro - devem ser escritas: o nome dela era prevalentemente masculino, mas depois da publicação da obra algumas mulheres foram registradas com este nome. Shirley é uma das poucos mulheres ricas (protagonistas) que povoam as obras de Charlotte Brontë. Shirley tem personalidade forte e, por ser rica, muita das suas vontades são satisfeitas e poucas vezes é repreendida por algum ato cometido ou palavra dita. Shirley é quem cuida dos seus negócios, responde as cartas comerciais - geralmente feito pelo homem da casa ou por um contratado para o serviço; e por suas atitudes "masculinas", o tio de Carolina chama a herdeira de "Capitão Keeldar" - que é o sobrenome de Shirley, Keeldar. E ele o faz sem sentido pejorativo. E estas não são as únicas peculiaridades desta protagonista: seu cachorro não é de uma raça recomendada para "damas" - eu acredito que seja um buldogue inglês que, apesar de pequeno não é "educado". Geralmente as moças tinham poodles ou raça semelhante. Uma passagem intrigante para mim foi quando a sua acompanhante, a misteriosa senhora Pryor, repreende Shirley por ela estar assobiando - desde a primeira leitura essa foi uma parte marcante pois me instiga a pensar que não era "apropriado" para uma mulher assobiar - talvez seja pelo fato de homens usarem isso para caça (?); não sei!

Em oposto à Shirley está Carolina Helstone. Como em geral nos romances de Charlotte, ela é órfã - apesar de não saber o paradeiro da mãe, o pai é falecido. Mora com o tio que é pastor e tem sociedade com um casal de primos, os Moore (inicialmente Hortência e Roberto) e posteriormente, Luís. O fato de ela ser órfã e não ter fortuna para si, a faz crer que ser solteira será seu destino. E, o próprio Roberto a rejeita como esposa pela sua pobreza - pois com a guerra e sua possível falência, Roberto precisa de um cônjuge que lhe traga benefícios financeiros para que ele reerga a sua fábrica.  

Carolina é a personificação da heroína. Ela sofre por um amor que não pode ser conquistado, ela ajuda a todos além das suas forças, abdica do bem estar para que outros possam estar bem, jamais afirma que está cansada ou que algo lhe abate a alma - tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta - como está no Evangelho. E todos os benefícios colhidos (mesmo os mais ínfimos) são louvados, todas as injúrias sofridas são perdoadas em nome do amor.

Enquanto em Norte e Sul a morte permeia a trama, em Shirley ela é descartada. Talvez, porque no momento em que escrevia este romance, Charlotte Brontë havia perdido seus três último irmãos: Branwell (setembro 1848), Emily (dezembro 1848) e Anne (Maio 1849). 

Carolina sofre de um terrível mal físico (e psicológico)  que a deixa por várias semanas doente, a beira da morte. Sua recuperação se dá por meio de uma revelação que lhe trás um motivo para lutar contra a morte. Segundo uma amiga íntima de Charlotte, Carolina foi inspirada em sua irmã mais nova Anne e, pouca certeza há, que Shirley foi dedicada à Emily. Ellen Nussey, a amiga íntima, nunca confirmou a inspiração de Shirley em Emily. 

Um adendo para Luís Moore. 

Este irmão de Hortência e Roberto aparece no final da trama. Sua aparência não é tão bela quanto a de Roberto, mas ambos se assemelham fisicamente - e a comparação para por aí. Luís é quieto, mas altivo. Escolhe suas palavras antes de dizê-las, ao entrar em uma conversa ele domina o interlocutor - mesmo sendo Shirley. Ele é professor. E essa profissão é importante para Charlotte Brontë. Em sua estadia em Bruxelas, ela se apaixonou pelo professor, casado, Constantin Héger. Ela lhe enviava cartas para ele -  mesmo não sendo encorajada a fazer isso. A obsessão por este homem está marcado em seus romances: em O Professor (romance póstumo, publicado em 1857) William Crimsworth é a representação de Héger; em Villette ele é Monsieur Paul; em Jane Eyre ele é Mr. Rocherster. 


Então é isso! 

Omnia Vanitas 💀


*BRONTE, Charlottte. Shirley. Ed. Brasileira, 1949. Tradutor: Fábio Valente.


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