Último artigo da revista Entre Livros na edição Entre Clássicos - Cervantes.
Confesso, eu precisaria escrever sobre os pintores que foram inspirados pela obra de Cervantes, mas não vou me prender a este artigo pois não sou interessada em obras de arte - sinto muito, leitor. É uma falha minha não escrever sobre cada artigo, como prometido.
Este último artigo Biblioteca Cervantina, também, é escrito por Reynaldo Damazio.
O autor do artigo inicia a sua escrita trazendo à pauta a importância de um boa tradução. Uma tradução, escreve Damazio, não é apenas um tradução de palavras; a cultura e a história presente dentro da história também tem a sua importância. Segundo Damazio ao citar Miguel de Cervantes y Saavedra
"A riqueza da linguagem empregada por Miguel de Cervantes, que oscila do rebuscado ao popular, do poético ao prosaico, do trocadilho à referência erudita, do provérbio à parábola, intercalando gêneros e narrativas, fez do Quixote um texto paradigmático e, para muitos, fundador do romance moderno. Se a isso acrescentarmos o torneio das frases, seu ritmo, o uso de termos arcaicos, a variedade de tons discursivos, chegamos a uma obra de difícil tradução, poque que compreendê-la em sua grandeza semântica e sintática já demanda esforço considerável. Na maioria das vezes, a tradução de uma obra dessa natureza fica no meio do caminho entre a transposição literal - na medida do possível - e a adaptação, de acordo com o talento e os objetivos dos tradutores".
Quero acrescentar mais umas palavras de Damazio sobre a dificuldade em traduzir clássicos, como este de Cervantes:
"Com o passar do tempo e das mudanças no idioma, na cultura e no pensamento, traduzir é quase como reconstruir arqueologicamente certas estruturas linguísticas. Por outro lado, optar pela tradução dita 'literal' é quase uma falácia, pois há expressões que são típicas da época ou daquela língua e não fazem sentido se transportas ao pé da letra. Por outro lado, enveredar pela transcrição radical traz o risco de destruir a beleza e as peculiaridades do original, que dizem respeito ao momento em que foram criadas".
Damazio faz observações sobre três traduções principais da obra D. Quixote de La Mancha: os portugueses Viscondes de Castilho e Azevedo, o argentino Sérgio Molina, e a dupla: o brasileiro Carlos Nougué com o espanhol José Luiz Sanchéz.
A primeira tradução feita para o Brasil, foi em 1794 - tarde, não é mesmo? Note, atrasado leitor, que na França a tradução ocorreu em 1614 e na Inglaterra em 1612. A explicação para a tardia tradução para nossa língua colonizada é que os portugueses que por cá estavam liam na língua original.
Foi no século XX que houve a primeira tradução integral da obra. Exemplar já não disponível em lojas do ramo, a tradução de Almir de Andrade e Milton Amado, pela José Olympio, foi feita em 1952.
As editoras Nova Cultural e L&PM tem como tradutores os viscondes portugueses. E, sobre estes Damazio escreve
"Os viscondes 'formalizam' Cervantes e até o corrigem. Tiram-lhe, assim, a ousadia e a inventividade que estão justamente nos usos e abusos da linguagem, do coloquialismo e das imperfeições da fala cotidiana. Deram certa informalidade a uma narrativa cuja graça está propositalmente na irregularidade, na maleabilidade de focos narrativos e de vozes que se atritam no interior do discurso".
Para minha tristeza, leitor, a minha tradução dos dois volumes é destes nobres viscondes! :( Mesmo assim, nesta ignorância tradutória, ri às boas com Dom Quixote e Sancho Pancha; mas estou atenta para a tradução mais próxima que o argentino fez deste clássico. É assim que escreve Damazio sobre Molina:
"(...) Molina afirma que desde o início do trabalho esteve sempre preocupado em encontrar o 'tom', mas que não poderia ser um tom geral para toda a obra, que por sua vez não atendesse 'à diferenciação de vozes, à variedade de estilos e gêneros incorporados e retrabalhados por Cervantes'. (...) Molina realizou intensa pesquisa para chegar à tradução, que incluiu viagem à Espanha, e acrescenta notas importantes ao final dos capítulos, com referências históricas, literárias, idiomáticas etc. A edição traz ainda o texto original no rodapé a página, que permite um cotejo imediato, muito enriquecedor, a cada passo da leitura".
Este exemplar da Editora 34 com a tradução de Sérgio Molina custa, atualmente, R$ 98 mil réis! Sinto muito, rico leitor, meu pobre bolso não pode arcar com essa beleza no momento! Ficarei com os viscondes.
A última tradução que Damazio apresenta é da dupla Nougué e Sanches. Sobre eles, o autor do artigo escreve o seguinte:
"(...) Mudaram os epítetos formados por topônimos, como Quixote 'da' Mancha, Dulcinéia 'do' Toboso; mantiveram as inversões sintáticas e sintagmáticas, a voz passiva etc. Tiveram a preocupação excessivamente didática, aferrada à correção, e talvez por isso mesmo perderam um pouco a força, do humor e da musicalidade do original. Não que a leitura não flua, mas há momentos em que o texto parece simplificado, para facilitar a leitura; e noutros, volta-se a uma certa sobriedade, escorada numa dicção mais antiga".
Esta não foi a primeira que leio elogios à Editora 34. Logo que eu tiver a oportunidade financeira, estarei adquirindo esta edição de Dom Quixote e, também Crime e Castigo de Dostoiévski - de quem ouvi pela primeira vez elogios à tradução.
Para finalizar, Damazio escreveu sobre a tradução infantil do clássico cervantino por Monteiro Lobato. Eu quero adicionar este comentário pois se trata do meu primeiro contato com Miguel de Cervantes. Escreveu Damazio
"No episódio 'Dom Quixote das Crianças, o escritor Monteiro Lobato (1882 - 1948) fez Dona Benta contar as aventuras do Cavaleiro da Triste Figura para a turma do sítio do Pica-Pau Amarelo, depois que a boneca Emília encontrou o título de Cervantes numa estante alta da biblioteca. Em linhas gerais, a obra está ali, com sagacidade e o virtuosismo de Lobato".
Damazio detalha outras traduções, mas estou me prendendo apenas nestas que citei - aquelas que me interessam.
E..fim. Minha próxima leitura será de Bráulio Sánchez-Sáez: Dor e Glória de Cervantes.
Até lá!
Omnia Vanitas.
DAMAZIO, Reynaldo. Biblioteca Cervantina; página 92 à 98. Revista Entre Livros: EntreClássicos Cervantes nº 3: Ediouro.
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