11 de janeiro de 2015

Struldbruggs..



Você já leu ou ouviu algo sobre os Struldbruggs?

Eles fazem parte do livro As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift. Na edição que tenho desta obra (Nova Cultural)os struldbruggs pertencem à terceira parte do livro: na viagem a Laputa.

Um struldbrugg é uma pessoa imortal. Essa pessoa nasce com uma marca na testa - que indica a família que esta terá um imortal em seu meio.
Quando Gulliver soube desta "benção", imaginou mil e um planos sobre o que fazer a eternidade nas mãos. Lê-se:  
"Respondi afirmando que era fácil ser eloquente quando se tratava de um assunto tão rico e delicioso, especialmente para mim, sempre inclinado a me impressionar com visões do que deveria fazer caso fosse rei, um general, ou um grande senhor;  quanto ao caso de que tratávamos, muitas e muitas vezes eu me enregara a imaginar o sistema no qual encaixaria a mim mesmo e de que maneira aproveitaria o tempo, se fosse viver para sempre.
Isso se houvesse tido a boa fortuna de vir ao mundo como um struldbrugg. Assim que descobrisse minha própria felicidade, como compreendia a diferença entre vida e morte, eu primeiro decidiria entre todas as artes e métodos qual seriam os melhores para me tornar rico; então, perseguindo esta finalidade, com economia e boa administração, eu poderia perfeitamente esperar que após cerca de duzentos anos seria o homem mais rico do reino. Em segundo lugar, iria aplicar-me desde a infância a estudar artes e ciências, com as quias acabaria excedendo todos os outros em conhecimento. Por fim, registraria com imenso cuidado as ações e acontecimentos de importância que ocorressem em público, traçando o desenho, com imparcialidade, dos personagens das várias sucessões de príncipes e grandes ministros de Estado, colocando minhas próprias observações em relação a cada ponto. Descreveria com exatidão as várias mudanças que ocorressem nas roupas, linguagem, moda, dieta e diversões. Por todas estas conquistas, eu seria um tesouro vivo de conhecimento, de sabedoria e certamente seria o oráculo da nação".

Se o ser humano fosse capaz de seguir por esse plano traçado por Gulliver, a humanidade, quem sabe, pudesse dar passos mais firmes para uma sociedade mais justa. Mas Gulliver era um sonhador, não por desejar se tornar sábio, conhecer ou tudo mais, mas porque ele ignorava como vivia um struldbrugg. Leia o exclarecimento que Gulliver obteve:

"...meu intérprete fez um relato pormenorizado a respeito dos struldbruggs que havia entre eles. Disse que geralmente agem como mortais até chegarem perto dos trinta anos, depois dos quais, pouco a pouco, vão se tornando melancólicos e abatidos, sentimentos esse que continuam a aumentar até que chegam aos oitenta. (...) Quando alcançam os oitenta anos, o que é considerado o limite extremo da vida neste país, eles sofrem de todas as excentricidades e doenças dos demais velhos e, além delas, de muitas outras que surgiam com a atemorizante perspectiva de nunca morrer. Não apenas são teimosos, rabugentos, avarentos, taciturnos, presunçosos, tagarelas, como também são incapazes de sentir amizade e encontram-se mortos para todas as afeições naturais, que jamais se prolongam além de seus netos. Os principais alvos contra os quais a inveja deles parece basicamente dirigidas são os vícios  dos mais jovens e as mortes dos mais velhos. (...) Os menos miseráveis entre eles parecem ser aqueles que alcançaram a senilidade e que perderam inteiramente a memória: eles conseguem assistência e despertam mais piedade porque já não têm as muitas más qualidades que sobram nos outros (...)".

Termino aqui um breve registro sobre a descrição dos struldbruggs. O livro terá mais detalhes, mas eu me detenho por aqui.

Entre a descrição de Gulliver e a realidade sobre os imortais, a diferença é enorme. Swift descreve desejos nobres sobre uma imortalidade perfeita, onde o ser humano evoluiria - mesmo que com uma certa dose de mesquinhes - para uma lógica ideal: utilizar-se dos benefícios para aperfeiçoar-se como ser humano. Portanto, os habitantes de Laputa caçoam deste sonho de Gulliver. Os imortais são tão humanos quanto os mortais; quem sabe mais infelizes que os que possuem vida breve. 

Eu lembrei desta história porque estava conversando com uma amiga sobre como somos mais orgulhosos conforme galgamos em idade. Sempre ouvi-se que a idade traz sabedoria. Traz mesmo? Eu vejo que conforme o ser humano envelhece, mais intolerante e esnobe ele se torna. Ele exige um respeito doente sobre um caráter que não lhe cabe gabar-se. Vejo pessoas se distanciando de outras - seja em amizade ou na família - por pura soberba. O ser humano não sabe crescer.

Lembrei também das palavras de Cristo que diz que o homem deve se tornar uma criança para alcançar o Reino dos Céus. Indiferente da fé que você decidiu semear em sua vida, eu digo que a evolução do ser humano é a sua regressão. Enquanto somos crianças, sabemos aceitar o outro seja qual for a cor dele. E, enquanto crescemos em idade, regredimos em sabedoria, mesmo obtendo todo o conhecimento que um ser humano pode obter. Ao avançar em idade, o homem aprimora seu preconceito, se torna avarento e egoísta. Quando cresce, o homem precisa fazer filantropia para se sentir bem. E o faz para ser notado, para ganhar elogios e, talvez, desconto no Imposto de Renda. 
Não estou dizendo que todo ser humano é assim - mas, infelizmente, uma esmagadora maioria pertence a esta classe cruel de gente. 
O homem da regressa evolução desmerece o outro para se sentir bem. Ele precisa que existam pessoas abaixo dele para que se sintam bem e valorizado. 
Que orgulho besta é esse que nos faz rebaixar alguém como se um punhado de dinheiro ou de conhecimento desse seu aval para tal ato? O que está acontecendo conosco? 
Porque aumentamos o muro que nos separa da rua conforme o mundo - que se diz moderno - avança no calendário?  
Se somos tão mais espertos que os nossos antepassados, porque ainda estamos queimando gente na calçadas? Porque ainda há criança sendo violentada na própria família, porque os filhos ainda matam os pais? Essa modernidade me assusta. Esse ser humano está mais para monstro.

Eu gostaria que deixássemos de pensar tanto em celulares, carros, conta em banco, roupa da moda, redes sociais e fôssemos  bons humanos. Gostaria que o Nobel da Paz deixasse de ser exclusivo de uma pessoa e fosse a marca de uma raça humana que aprendeu a conviver em amor com o próximo. Desejo que essa humanidade seja criança para sempre.

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