"Mas não era vinho: era paixão, era a cruel alegria e a angústia sem fim, era a morte"
(página 42)
Domingo, eu fiz a leitura relâmpago de "Tristão e Isolda: A Lenda Medieval Celta de Amor".
Durante a leitura, algumas referências literárias chamaram minha atenção pela semelhança em si. Cito-as, agora:
- a história de Jonas e sua aventura ao mar, relatado conforme a Bíblia Sagrada:
Mas o SENHOR mandou ao mar um grande vento, e fez-se no mar uma forte tempestade, e o navio estava a ponto de quebrar-se. Então temeram os marinheiros, e clamavam cada um ao seu deus, e lançaram ao mar as cargas, que estavam no navio, para o aliviarem do seu peso; Jonas, porém, desceu ao porão do navio, e, tendo-se deitado, dormia um profundo sono. E o mestre do navio chegou-se a ele, e disse-lhe: Que tens, dorminhoco? Levanta-te, clama ao teu Deus; talvez assim ele se lembre de nós para que não pereçamos.
E diziam cada um ao seu companheiro: Vinde, e lancemos sortes, para que saibamos por que causa nos sobreveio este mal. E lançaram sortes, e a sorte caiu sobre Jonas.
Jonas 1:4-7
E disseram-lhe: Que te faremos nós, para que o mar se nos acalme? Porque o mar ia se tornando cada vez mais tempestuoso.
E ele lhes disse: Levantai-me, e lançai-me ao mar, e o mar se vos aquietará; porque eu sei que por minha causa vos sobreveio esta grande tempestade.
Entretanto, os homens remavam, para fazer voltar o navio à terra, mas não podiam, porquanto o mar se ia embravecendo cada vez mais contra eles.
Então clamaram ao SENHOR, e disseram: Ah, SENHOR! Nós te rogamos, que não pereçamos por causa da alma deste homem, e que não ponhas sobre nós o sangue inocente; porque tu, SENHOR, fizeste como te aprouve.
E levantaram a Jonas, e o lançaram ao mar, e cessou o mar da sua fúria.
Jonas 1:11-15
Esta parte bíblica fica explícita nesta mesma superstição existente durante o rapto contra Tristão:
Mas é comprovada verdade (e sabem-na todos os marinheiros) que o mar sustenta de má vontade as naves traidoras e não dá ajuda a raptos e felonias. Dessa forma, levantou-se furioso o oceano, envolveu o navio de trevas, e por oito dias e oito noites o lançou ao léu. Por fim, os marinheiros perceberam, através da bruma, uma costa cercada de arrecifes e rochedos, onde o mar os queria jogar. Arrependeram-se, reconhecendo que a fúria do mar provinha de levarem a criança roubada, e fizeram promessa de a libertar, preparando um barquinho para a depositar em terra. Logo os ventos sossegaram, bem como as ondas, o céu brilhou, e, enquanto a nau dos noruegueses desaparecia ao longe, as ondas mansas e alegres levaram à areia da praia o barquinho de Tristão (página 17).
- em "Tristão e Isolda", o rei Marcos, tio de Tristão, quando sofria de tristeza, seu sobrinho tocava harpa para trazer tranquilidade ao rei. Semelhantemente, na Bíblia Sagrada, é conhecida a história entre Saul e Davi. Saul sofria de um "mau espírito" e, para acalmá-lo, seus súditos buscaram o melhor harpista de Belém: Davi, o jovem pastor de ovelha, filho de Jessé.
O Espírito do Senhor se retirou de Saul, e um espírito maligno, vindo da parte do Senhor, o atormentava. Os funcionários de Saul lhe disseram: "Há um espírito maligno mandado por Deus te atormentando. Que nosso soberano mande estes seus servos procurar um homem que saiba tocar a harpa. Quando o espírito maligno se apoderar de ti, o homem tocará a harpa e tu te sentirás melhor".
E Saul respondeu aos que o serviam: "Encontrem alguém que toque bem e o tragam até aqui". Um dos funcionários respondeu: "Conheço um dos filhos de Jessé, de Belém, que sabe tocar harpa. É um guerreiro valente, sabe falar bem, tem boa aparência e o Senhor está com ele". Então Saul mandou mensageiros a Jessé com a seguinte mensagem: "Envie-me seu filho Davi, que cuida das ovelhas". Jessé apanhou um jumento e o carregou de pães, uma vasilha de couro cheia de vinho e um cabrito e o enviou a Saul por meio de Davi, seu filho. Davi foi apresentar-se a Saul e passou a trabalhar para ele. Saul gostou muito dele, e Davi tornou-se seu escudeiro. Então Saul enviou a seguinte mensagem a Jessé: "Deixe que Davi continue trabalhando para mim, pois estou satisfeito com ele". E sempre que o espírito mandado por Deus se apoderava de Saul, Davi apanhava sua harpa e tocava. Então Saul sentia alívio e melhorava, e o espírito maligno o deixava. 1 Samuel 16:14-23
Em "Tristão e isolda":
Tristão acompanhava Marcos nas audiências ou caçadas, e à noite, como dormia na câmara real, entre os íntimos do rei, se este estava triste, tocava a harpa, para tranquilizar seu coração. (página 19)
Na página 23 e seguintes, a maioria das cenas de Morholt, habitante da Irlanda, inspira a referência de Golias, desde a descrição de seu tamanho "um gigante cavaleiro", quanto a ousadia e afronta perante ao reino de Marcos. Eis o ultraje de Morholt perante o país da Cornualha:
Entretanto, e eu excetuo somente a vós, Rei Marcos, como convém, se algum dos vossos barões quiser provar por duelo que o rei da Irlanda não tem razão, cobrando tal tributo, aceitarei o desafio. Qual dentre vós, senhores, quer se bater em duelo pela libertação desta terra?
Olharam-se os barões, entre si, os olhos baixos, curvando em seguida a cabeça. "Observa", dizia um consigo mesmo, "a estatura do Morholt da Irlanda: ele é mais forte que quatro homens robustos. Olha a espada: ignoras que sua espada por sortilégio faz voar a cabeça dos mais audazes campeões, desde que, há tantos anos, é enviado pelo rei da Irlanda aos seus desafios, pelas terras vassalas? Estás procurando a morte? Por que tentas a Deus?" (página 24).
E, da forma que Golias desafiou os israelitas no campo de batalha, Davi se surpreendeu com a covardia do seu povo e pediu licença à Saul para lutar com o gigante. Davi era jovem demais para a guerra, sua presença se dava naquele campo por levar alimento aos seus irmãos. Ouvindo as vergonhas proclamadas por Golias ao seu povo, o jovem pastor se alista para enfrentá-lo. Com Tristão, sucede semelhança cena:
Então, prosternando-se aos joelhos do rei, disse Tristão:
- Senhor rei, se vos apraz concederdes a mil tal honra, bater-me-ei em duelo.
Inutilmente tentou o Rei Marcos dissuadi-lo da empresa. Parecia-lhe muito jovem o cavalheiro; de que lhe serviria a ousadia? (página 25)
A batalha de Tristão:
Os barões choravam de pena do belo jovem corajoso e de vergonha por si mesmos. "Ah, Tristão", diziam, "ousado barão, bela mocidade, por que não empreendo eu, em vez de vós, tal batalha? Minha morte traria menos dor a esta terra!".
Os sinos tocaram, e todos os da baronia e os do povo, velhos, crianças, mulheres, orando e chorando, escoltaram Tristão até a praia. Eles ainda esperavam que algo acontecesse, pois de poucos recursos vive a esperança no coração dos homens.
Tristão subiu sozinho em uma barca e navegou para a Ilha de Saint-Samson. No mastro da sua barca, o Morholt içara uma rica vela de púrpura e, antes do outro, chegou à ilha. Já amarrava a barca na praia, quando Tristão, tocando a terra por sua vez, afastou a embarcação para o mar.
- Que fazes? - disse Morholt. - Porque não prendes tua barca a uma amarra?
- Para quê? - respondeu Tristão. - Só um de nós voltará vivo daqui: não lhe bastará apenas uma barca?
E os dois, foram para o duelo, incitando-se por palavras ultrajantes, penetrando na ilha.
Ninguém viu a luta, mas, por três vezes, o vento do mar trouxe, à terra firme, um clamor furioso. Então, em sinal de luto, as mulheres batiam palmas em coro, os companheiros do Morholt riam, agrupados à parte, diante de suas tendas. Enfim, a certa hora viu-se, ao longe a vela de púrpura; a barca do irlandês saía da ilha e a voz do desespero retumbou: "O Morholt! o Morholt!" Mas como a barca crescesse, aproximando-se, viram todos de repente, no cimo de uma vaga, de pé, à proa, um cavaleiro de cujo punho brandia uma espada. Era Tristão! (página 25 e 26).
A descrição bíblica para esta cena, é:
Um guerreiro chamado Golias, que era de Gate, veio do acampamento filisteu. Tinha dois metros e noventa centímetros de altura. Ele usava um capacete de bronze e vestia uma couraça de escamas de bronze que pesava sessenta quilos; nas pernas usava caneleiras de bronze e tinha um dardo de bronze pendurado nas costas. A haste de sua lança era parecida com uma lançadeira de tecelão, e sua ponta de ferro pesava sete quilos e duzentos gramas. Seu escudeiro ia à frente dele. Golias parou e gritou às tropas de Israel: "Por que vocês estão se posicionando para a batalha? Não sou eu um filisteu, e vocês os servos de Saul? Escolham um homem para lutar comigo.
Se ele puder lutar e matar-me, nós seremos seus escravos; todavia, se eu o vencer e o matar, vocês serão nossos escravos e nos servirão". E acrescentou: "Eu desafio hoje as tropas de Israel! Mandem-me um homem para lutar sozinho comigo".Ao ouvirem as palavras do filisteu, Saul e todos os israelitas ficaram atônitos e apavorados.
1 Samuel 17:4-11
E,..
Davi disse a Saul: "Ninguém deve ficar com o coração abatido por causa desse filisteu; teu servo irá e lutará com ele". Respondeu Saul: "Você não tem condições de lutar contra este filisteu; você é apenas um rapaz, e ele é um guerreiro desde a mocidade".
Davi, entretanto, disse a Saul: "Teu servo toma conta das ovelhas de seu pai. Quando aparece um leão ou um urso e leva uma ovelha do rebanho, eu vou atrás dele, atinjo-o com golpes e livro a ovelha de sua boca. Quando se vira contra mim, eu o pego pela juba, atinjo-o com golpes até matá-lo. Teu servo é capaz de matar tanto um leão quanto um urso; esse filisteu incircunciso será como um deles, pois desafiou os exércitos do Deus vivo. O Senhor que me livrou das garras do leão e das garras do urso me livrará das mãos desse filisteu". Diante disso Saul disse a Davi: "Vá, e que o Senhor esteja com você".
Então Saul vestiu Davi com sua própria túnica. Colocou-lhe uma armadura e um capacete de bronze na cabeça. Davi prendeu sua espada sobre a túnica e tentou andar, pois não estava acostumado àquilo. E disse a Saul: "Não consigo andar com isto, pois não estou acostumado". Assim tirou tudo aquilo, e em seguida pegou seu cajado, escolheu no riacho cinco pedras lisas, colocou-as na bolsa, isto é, no seu alforje de pastor e, com sua atiradeira na mão, aproximou-se do filisteu. Enquanto isso, o filisteu, com seu escudeiro à frente, vinha se aproximando de Davi. Olhou para Davi com desprezo, viu que era só um rapaz, ruivo e de boa aparência, e fez pouco caso dele. E disse a Davi: "Por acaso sou um cão para que você venha contra mim com pedaços de pau? "E o filisteu amaldiçoou Davi invocando seus deuses, e disse: "Venha aqui, e darei sua carne às aves do céu e aos animais do campo!"
E Davi disse ao filisteu: "Você vem contra mim com espada, com lança e com dardo, mas eu vou contra você em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem você desafiou. Hoje mesmo o Senhor o entregará nas minhas mãos, e eu o matarei e cortarei a sua cabeça. Hoje mesmo darei os cadáveres do exército filisteu às aves do céu e aos animais selvagens, e toda a terra saberá que há Deus em Israel.Todos que estão aqui saberão que não é por espada ou por lança que o Senhor concede vitória; pois a batalha é do Senhor, e ele entregará todos vocês em nossas mãos".
Quando o filisteu começou a vir na direção de Davi, este correu depressa na direção da linha de batalha para enfrentá-lo. Retirando uma pedra de seu alforje ele a arremessou com a atiradeira e atingiu o filisteu na testa, de tal modo que ela ficou encravada, e ele caiu com o rosto no chão. Assim Davi venceu o filisteu com uma atiradeira e uma pedra; sem espada na mão ele derrubou o filisteu e o matou. 1 Samuel 17:32-50
Ok, essas foram as visões similares que encontrei.
Mas, e a história? A leitura abrange um amor impossível, iniciado por uma bebida tomada por descuido; bebida esta que serviria para tornar a vida da bela Isolda feliz - pois era contra sua vontade que se uniria ao rei da Cornualha.
A bebida parece estar presente em romances tipicamente trágicos. Lembremos de "Romeu e Julieta" de Shakespeare. Ambos os levam à morte; porém, em "Tristão e Isolda" a bebida é a responsável por haver amor entre os protagonistas. Na obra de Shakespeare é o que promove a morte em si. Na lenda medieval, a existência de duas almas amantes que precisam se separar pelas conveniências sociais, torna a vida de ambos em um sepulcro aberto.
Eles tentaram viver separados, porém, definhavam com a ausência mútua. Admiro a obstinação em tentar viver separados para não magoar quem, para Tristão, deveria ser o único a usufruir do amor de Isolda: o rei Marcos.
Uma das marcas deste amor, também, é a imprudência. Como dois corações apaixonados podem ser precitado quando perto do amante!
A despeito do rei e dos vigias, os amantes gozaram sua felicidade e seus amores.
Aquela noite alucinou os amantes; quando a vontade quer, todos os perigos são desprezados (...) (página 94).
Este amor celta é muito racional. Ele não menospreza o outro, contrário, busca o bem-estar e a companhia do outro. Porém, este sentimentalismo exacerbado existente em "Romeu e Julieta" não é visto neste romance. Pode haver, talvez, vez ou outra, uma vaga presença deste tipo de "amor" - mas, em sua maioria, a história não se preocupa em apresentar este estilo de afeição.
Porém, ambos são amores puros. Mesmo casado com outra (também, chamada pela alcunha de "Isolda"), Tristão não manteve relações sexuais com ela. Manteve-se, até a morte, fiel a sua única e amada Isolda. Porém, Isolda não pode manter a mesma fidelidade sexual por estar casada com o rei Marcos, logo, precisou comparecer à sua "função" em alguns momentos.
Como em Romeu e Julieta, ambos morrem. E tal como a obra de Shakespeare, eles morrem juntos, porém, em tempos diferentes.
Em Shakespeare, Romeu encontra sua amada "morta" e decide morrer com ela. Depois, ela acorda, e morre, desta vez de verdade, com ele. Se não é assim, é por aí (riso).
Em "Tristão e Isolda", a esposa do cavalheiro se vinga de seu marido por nunca lhe haver amado e desejado como a primeira Isolda. Ao ver o barco do irmão se aproximar com a vela branca - significando que a amante do marido estava na nave), disse o contrário, que a vela era a negra - simbolizando a ausência da primeira Isolda.
De desgosto, Tristão se entrega à morte. Isolda, a esposa, se desespera e arrepende-se do mal feito. Porém, não se retrocede a morte. Morto estava o marido. A Isolda, amante, chega ao quarto e, percebendo seu amor morto, com ele morre.
Bom, acho que era isso o que tinha a dizer.
Gostei muito da leitura, e a recomendo.
Omnia Vanitas.