10 de junho de 2013

Elogios à Heathcliff



Na primeira vez que li "O Morro dos Ventos Uivantes" (MVU) eu detestei Heathcliff!
Este ano eu fiz a segunda leitura. Quanta diferença!

Ninguém conhece Heathcliff. Ele, simplesmente, é apresentado para sua nova "família" e pronto. Não há antecedentes - somente o que o patriarca dos Earnshaw diz sobre ele. Ele é somente Heathcliff: nome e sobrenome definidos por essa alcunha.

É muito fácil julgar o protagonista pelos atos dele na trama. Ele odeia tudo o que está a sua volta. Faz sofrer todos que compartilham sua companhia; é avarento e cruel.
Porém, uma pessoa, somente uma pessoa é senhora absoluta no coração deste homem atroz, ela se chama Catarina Earnshaw.
Catarina foi companheira de infância de Heathcliff desde a sua chegada a O Morro dos Ventos Uivantes.

Uma curiosidade que eu notei no nome do lugar é que é uma localidade de aparente sofrimento e dores (alternando, pouquíssimas vezes, com narrativas felizes); porém, não há ar mais puro e saudável para a recuperação dos males do corpo do que no alto desta colina. É uma situação, ao meu ver, antagônica.

Voltando à Catarina, ela é o grande amor de Heathcliff. Todos à volta dele o tratam mal e com brutalidade; Catarina, não. Ela é sua companheira de aventuras e brincadeiras, sua companhia nas aulas de ensino religioso e na educação comum.Ela era sua flor selvagem.

Esse companherismo é abalado quando a protagonista declara que seu amor por Heathcliff não poderá ser levado adiante. Em seu pensamento, ela imagina que poderá ajudá-lo a tornar-se alguém importante, casando-se com outro homem - seu vizinho e futuro inimigo declarado de Heathcliff, Edgar Linton.

Sem mais expectativas, Heatchcliff foge de casa e retorna três anos depois, quando Catarina, há um ano, assinava como Catarina Linton.
Este é um outro período enigmático deste personagem: onde esteve durante estes três anos de ausência? Como conseguiu a fortuna que trouxe consigo? Onde foi ensinado a ter postura, educação e modos de um homem civilizado - para ser aceito em sociedade? O mistério sobre Heathcliff somente aumentou.

O amor dele por Cathy nunca mudou. Ele sempre a amou e o sentimento foi recíproco. Porém, entre eles, havia a convenção da sociedade e um histórico de brutalidade e indiferença de todos os membros da "família" Earnshaw - que nunca aceitou o bastardo introduzido em seu seio.

Eu não condeno Heathcliff pelos seus atos. Eles representam, exatamente, o que lhe foi ensinado no ambiente que foi adotado. Porém, ele tinha traços, em sua juventude, de carisma e boa educação, mas estes foram destruídos por todo o rancor e ódio que lhe eram imputados.

Heathcliff é, em curtas palavras, fruto do seu meio. Eu não aceito seus atos, mas não posso condená-lo por não tentar fazer diferente.

Estas são as impressões dos personagens sobre essa figura tão enigmática e pouco compreendida:

O que diz a mulher que o ama quando ouve que sua cunhada está "apaixonada" pelo cabra:

Diga-lhe o que Heathcliff é: uma criatura incorrigível, sem refinamento, sem cultura; um matagal de urze e pedra dura. Antes queria pôr aquele canarinho no parque, num dia de inverno, do que lhe recomendar que nutrisse qualquer sentimento por ele! Só uma deplorável ignorância do caráter de Heathcliff é que lhe pode meter esse sonho na cabeça. Por favor, não imagine que ele esconde um fundo de benevolência e afeto sob uma aparência severa! Ele não é um diamante bruto, uma ostra contendo, no seu interior, uma pérola. . . é um homem feroz e impiedoso. Eu nunca lhe digo: "Deixe este ou aquele inimigo em paz, porque seria pouco generoso ou cruel cau¬sar-lhe mal"; digo: "Deixe-o em paz, porque eu não quero vê-lo prejudicado"; ele a esmagaria como a um ovo de pardal, Isabella, se achasse a sua presença inconveniente. Sei que ele não seria capaz de amar uma Linton. No entanto, seria bem capaz de casar-se com você por causa da sua fortuna! A avareza está crescendo dentro dele, tornando-se um verdadeiro pecado. Acredite no que lhe digo; e eu sou amiga dele... a tal ponto que, se ele tivesse pensado, seriamente, em casar com você, eu talvez tivesse ficado calada e permitido que você caísse na armadilha.

O que diz a empregada sobre ele:

Ele é uma ave de mau agouro, não é marido para a senhorita. A Sra. Linton não usou meios termos, mas eu não posso contra-dizê-la. Ela o conhece melhor do que eu ou qualquer outra pessoa, e nunca o pintaria pior do que ele é. As pessoas honestas não escondem o que fazem. Como é que ele viveu, durante estes três anos? Como ficou rico? Por que está hospedado no Morro dos Ventos Uivantes, na casa de um homem que ele detesta? Dizem que o Sr. Earnshaw está cada vez pior desde que ele chegou. Ficam toda a noite jogando, e Hindley hipotecou as suas terras e não faz outra coisa senão jogar e beber. Faz uma semana, encontrei Joseph em Gimmerton, e ele me disse: "Nelly, lá em casa está mesmo um antro de perdição. Tem um que qualquer dia vai ter de cortar os dedos para poder pagar as dívidas. É o patrão, você sabe, que não pára de se afundar no jogo. Nunca teve medo do Juízo Final, nem seguiu os exemplos de Paulo, nem de Pedro, nem de João, nem de Mateus, nem de ninguém! Parece que está desejando se ver nas chamas do inferno! E o nosso velho Heathcliff parece mais um diabo! Ele não diz nada da boa vida que leva, quando vai lá na granja? É mais ou menos assim: levanta-se quando o sol se deita, e é dado, brandy, gelosia fechada e luz de vela até o meio-dia do dia seguinte. Depois sobe para o quarto dele, praguejando e gritando tanto que as pessoas decentes têm de tampar os ouvidos de vergonha; e ele conta o dinheiro que ganhou, come, dorme e vai embora pra casa do vizinho, para visitar a esposa dele. Será que ele conta pra Dona Catherine como o dinheiro do pai dela está passando para o bolso dele e como o irmão galopa para a perdição, com ele abrindo as porteiras?" Ora, Srta. Linton, Joseph pode ser tudo, mas não é mentiroso; e, se o que ele diz da conduta de Heathcliff for verdade, quem o desejaria para marido?

O que a moça pensou depois do casamento (sim, ela casou com ele):

O Sr. Heathcliff é um homem? Se é, estará louco? Se não, será um demônio? Não lhe direi as minhas razões para lhe fazer essas perguntas, mas peço-lhe que me explique, se puder, com quem me casei:

Heathcliff por Heathcliff:

Nelly, você se recorda de mim com a idade dele. . . não, alguns anos mais moço. Alguma vez eu pareci tão estúpido, tão "burro", como diz Joseph?
— Pior, até — respondi —, porque era mais recalcado.
— Sinto prazer em vê-lo (Hareton) — continuou ele, como se pensasse em voz alta. — Satisfez as minhas expectativas. Se tivesse nascido idiota, eu não gostaria tanto. Mas ele não é idiota e compreendo bem os seus sentimentos, pois já foram os meus. Sei o que ele está sofrendo agora, por exemplo: e sei que é apenas o começo do que há de sofrer; e que ele nunca será capaz de emergir da sua crosta de rudeza e ignorância. Consegui mantê-lo mais dependente do que o canalha do pai dele me mantinha, e mais inferiorizado, pois ele se orgulha da sua animalidade. Ensinei-o a desprezar tudo quanto não é animalesco como coisas bobas e fracas. Não acha que Hindley ficaria orgu-lhoso do filho se o pudesse ver? Quase tão orgulhoso quanto eu estou do meu. Mas há uma diferença: um é ouro empregado para revestir o chão, o outro é latão lustrado a fim de parecer prata. O meu não tem por onde se possa pegar nele, mas eu hei de ter o mérito de esporeá-lo até onde ele possa ir. O dele tinha qualidades de primeira, que se perderam: embotei-as completamente. Eu nada tenho a lastimar; ele teria muito. E o melhor da festa é que Hareton gosta tanto de mim! Você há de convir que nisso eu ganhei de Hindley. Se o patife se erguesse do túmulo para me censurar pelos prejuízos causados ao filho, eu teria o divertimento de ver o filho voltar-se contra ele, indignado por ousar atacar o seu único amigo neste mundo!
Heathcliff soltou uma risada diabólica ao pensar naquilo.


Apesar destas declarações, ele é um homem que ama:

— Você mostra, agora, como tem sido cruel!... cruel e falsa. Por que me desprezou? Por que traiu o seu cora¬ção, Cathy? Não tenho uma única palavra de consolo. Você merece isto. Você matou-se a si mesma. Sim, pode beijar-me e chorar; pode espremer os meus beijos e as minhas lágrimas, que eles a queimarão... a danarão. Vo¬cê me amava. . . então, que direito tinha você de me aban¬donar? Que direito, responda-me! Em troca do capricho que sentia por Linton? Porque nem miséria, nem degrada¬ção, nem morte, nem nada do que Deus ou Satã poderiam infligir-nos poderia separar-nos... só você, pela sua pró¬pria vontade. Eu não lhe parti o coração. . . você é que o partiu; e, ao parti-lo, partiu também o meu. Tanto pior para mim que sou forte. Se eu quero continuar vivendo? Que espécie de vida vai ser a minha quando você. . . oh, meus Deus! Você gostaria de continuar a viver, com a sua alma na sepultura?

Termino, aqui, este post em defesa do selvagem Heathcliff! Leitura recomendável!

Omnia Vanitas.



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