23 de agosto de 2013

Ben Hascom..dois



Mais um momento "Ben Hanscom".


Levou seus livros para uma das mesas longe do Canto de Pooh, onde o Grande Bode Zangado estava dando uma dose dupla de trabalho ao gigante debaixo da ponte. Ben leu Carro envenenado por algum tempo, e decidiu que não era tão ruim. De maneira alguma. Era sobre um garoto, realmente um barato ao volante, mas havia aquele tira chato, sempre atrás dele, tentando fazê-lo ir devagar. Ben descobriu que não havia limite de velocidade no Iowa, onde se passava a história do livro. Isso era mesmo notável. Ergueu os olhos após ler três capítulos, e então reparou que havia um anúncio novo em folha. O pôster no alto (a biblioteca era um lugar muito adequado para posters, sem dúvida) mostrava um sorridente carteiro entregando uma carta a um sorridente garoto, TAMBÉM SE PODE ESCREVER EM BIBLIOTECAS, dizia o pôster, POR QUE NÃO ESCREVE HOJE PARA UM AMIGO? OS SORRISOS SÃO GARANTIDOS!

Abaixo do pôster havia fendas cheias de cartões-postais já selados, envelopes já selados e papel de cartas com um desenho mostrando a Biblioteca Pública de Derry na parte de cima, em tinta azul. Os envelopes já selados custavam um níquel cada, os cartões-postais três centavos. O papel de carta, com duas folhas, ficava por um penny. Ben apalpou o bolso. Os quatro centavos restantes do dinheiro ganho com as garrafas continuavam lá. Marcou o lugar em que interrompera a leitura de Carro envenenado e voltou à mesa da bibliotecária.
— Por favor, eu queria um daqueles cartões-postais.
— Claro, Ben.
Como sempre, a Sra. Starrett ficava encantada com sua séria polidez e algo penalizada com seu volume. Alguém devia dizer à mãe dele que o menino estava cavando a própria sepultura com um garfo e uma faca. Entregou-lhe o cartão e o viu voltar para seu lugar. Era uma mesa para seis pessoas, porém ele era o único a ocupá-la. A bibliotecária nunca vira Ben com nenhum dos outros garotos. Isso era muito ruim, porque ela acreditava que aquele garoto tinha tesouros sepultados dentro de si. Ele os revelaria a um explorador gentil e paciente... se acaso tal explorador um dia aparecesse.
Ben pegou sua esferográfica, fez a ponta baixar e escreveu o endereço no cartão:
Srta. Beverly Marsh, Rua Main, Setor de Baixo, Derry, Mai-ne, Zona postal 2.
Não sabia o número exato da casa dela, mas sua mãe lhe dissera que a maioria dos carteiros tinha uma noção bastante boa sobre a residência das pessoas, após terem feito entrega de correspondência por algum tempo. Se o carteiro designado para o Setor de Baixo da Rua Main pudesse entregar aquele cartão, seria ótimo. Caso contrário, seria o mesmo que jogar fora três centavos, porque a destinatária jamais veria a cor do cartão. Evidentemente, o cartão não seria devolvido a ele, porque Ben não tinha a menor intenção de colocar o nome e endereço do remetente.Levando o cartão com o endereço voltado para baixo (ele não queria arriscar-se, embora não tivesse visto ninguém que conhecesse), Ben apanhou algumas tiras quadradas de papel na caixa de madeira, junto ao fichário de cartões. Levou-as de volta à mesa e começou a escrever, riscar palavras e reescrevê-las.
Durante a última semana de aulas antes das provas, eles tinham estado lendo e escrevendo haicais, na classe de inglês. Haicais era o nome de uma forma de poesia japonesa, curta e disciplinada. Conforme havia dito a Sra. Douglas, um haicai só podia ter dezessete sílabas de comprimento — nem mais e nem menos. Em geral, era concentrado em uma clara imagem, relacionada a uma emoção específica: tristeza, alegria, saudade, felicidade... amor.
Ben ficara profundamente fascinado pelo conceito. Apreciava as aulas de inglês, embora sua satisfação geralmente diminuísse, à medida que ela prosseguia. Fazia os deveres, mas estes não costumavam ter muita coisa que lhe prendesse a atenção. No entanto, havia algo no conceito do haicai que lhe incendiara a imaginação. A idéia o deixava feliz, da mesma forma como a explicação da Sra. Starrett sobre o efeito de estufa
o fizera feliz. Ben sentia que o haicai era boa poesia, porque era uma poesia estruturada. Não havia regras secretas. Dezessete sílabas, uma imagem unida a uma emoção, e pronto.
Bingo! Era uma poesia clara, utilitária e continha em si tudo quanto sua própria regra determinava. Ele até gostava da palavra, um jato de ar deslizando interrompido, como que sobre uma linha pontilhada, a sílaba “cai” soando bem no fundo da boca: haicai.
Os cabelos dela, pensou, e a viu descendo a escada da escola novamente, com a cabeleira oscilando sobre os ombros. O sol não apenas se refletia naquelas madeixas, como parecia queimá-las por dentro.
Escrevendo cuidadosamente por um período de vinte minutos (com uma interrupção para apanhar mais tiras de rascunho), eliminando as palavras muito compridas, modificando e suprimindo, Ben conseguiu isto:
Your hair is winter fire,
January embers.
My heart burns there, too.
(Seu cabelo é fogo do inverno, / Brasas de janeiro. / Meu coração também se queima nele. - N.da T.)

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