30 de janeiro de 2017

A loucura de Ahab!...


Insano leitor, por vezes é cansativo ler Moby Dick; muitos detalhes que, na minha parca opinião, são desnecessários, como a descrição de vários tipos de baleia encontradas no oceano e a divagação sobre a cor branca e suas nuances.

Porém, nem tudo tudo cetologia e lápis de cor, devotado leitor. 

Eu estava lendo, hoje, quando precisei voltar minha leitura de ontem, pois os parágrafos finais do capítulo foram lidos com sonolência. E, bendita hora! Que parágrafo maravilhoso! 
Trata-se da loucura de Ahab (Acab, Acabe - escolha o preferido). 
Eu não sou psicóloga e, também, não leio psicologia (exceto Jane Austen). Portanto, não posso descrever com exatidão cátedra sobre o assunto, além daquilo que me tocou.
Eu achei fantástica descrição da loucura do capitão e como a sua alma (espírito), mente e corpo foram tomados pela vingança, ódio e horror! 
Sem mais delongas, deixo para você, leitor, o final do capítulo LXIV:


Muitas vezes, arrancado à noite de sua rede por sonhos exaustivos e insuportavelmente reais, os quais, continuando seus intensos pensamentos através do dia, carregavam esses pensamentos numa conflagração de frenesis, e os faziam rodopiar, voltas e mais voltas, em seu cérebro ardente, até que o próprio pulso de seu cerne vital se tornasse insuportável angústia; e quando, como às vezes era o caso, esses espasmos espirituais erguiam-lhe o ser de sua base, e um precipício parecia se abrir dentro dele, do qual disparavam labaredas e raios bifurcados, e demônios amaldiçoados convidavam-no a pular para junto deles; quando este inferno dentro de si escancarava suas bocas embaixo dele, um grito selvagem se ouviria pelo navio; e com os olhos dardejantes Ahab sairia de sua cabine, como se escapasse de um leito em chamas. Mas estes, talvez, em vez de serem os sintomas irreprimíveis de alguma fraqueza latente, ou do medo de seu próprio desenlace, fossem os mais puros indícios de sua intensidade. Pois, nessas ocasiões, o louco Ahab, o ardiloso, irreconciliável e tenaz caçador da baleia branca; esse Ahab que tinha ido para sua rede, não era o agente daquilo que o fazia fugir dali horrorizado mais uma vez. Esse agente era o eterno princípio vital ou alma dentro dele; e no sono, estando por algum tempo dissociado da mente discriminadora, que noutras ocasiões o usava como veículo ou como agente externo, esse princípio buscava escapar espontaneamente da escorchante contiguidade daquela coisa frenética, a qual, naquele momento, não integrava. Mas, como a mente não existe senão atada à alma, portanto deve ter sido essa, no caso de Ahab, quem dirigia todos os seus pensamentos e suas fantasias para seu propósito supremo; este propósito, por mera tenacidade da vontade, impingiu-se contra deuses e demônios numa espécie de ser independente. Assim, podia viver e queimar implacavelmente, enquanto a vitalidade comum à qual estava ligada fugia horrorizada daquele parto arbitrário e ilegítimo. Portanto, aquele espírito atormentado que observava do lado de fora dos olhos do corpo, aquele que parecia ser Ahab saindo de seu quarto, era naquela hora apenas uma coisa vazia, um ser sonâmbulo sem forma, um raio de luz viva, é certo, mas sem objeto para colorir, e, portanto, a própria vacuidade. Que Deus te ajude, velho: teus pensamentos criaram uma criatura em ti. E aquele cujo pensamento intenso o transformou num Prometeu; um abutre devora-lhe o coração eternamente; e esse abutre é a própria criatura por ele criada.

Omnia Vanitas

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