26 de abril de 2013

Atrasada..


Publicação atrasada! Encontrei essa notícia no site Jane Austen em Português (www.janeausten.com.br) da competentíssima (ou você acha que chamariam uma mera leitora de clássicos para fazer a apresentação?) Raquel Sallaberry Brião - acho chique esse nome! rs.

É um capítulo do livro "Sanditon" que foi lançado, ontem, no RJ, com a presença do renomado Ivo Barroso e da mestra Raquel Sallaberry Brião.

Para quem cultua (haha) Jane Austen e tem problemas em ler em língua inglesa (como eu), eis o trecho abaixo para dar uma aguinha na boca e comissão nos dedos!

Omnia Vanitas!




Um cavalheiro e uma senhora, viajando a negócios de Tunbridge para a parte costeira de Sussex entre Hastings e Eastbourne, foram induzidos a abandonar a estrada principal e se aventurar por uma vereda escarpada, e, ao tentarem uma longa subida, meio pedra, meio areia, seu veículo tombou. O acidente ocorreu logo depois de passarem pela única moradia próxima à vereda, casa essa que o condutor da carruagem, ao ser solicitado a prosseguir naquela direção, julgou ser o objetivo final da viagem, e por isso foi com a expressão mais insatisfeita que se viu na obrigação de seguir por ali. Resmungava amiúde e encolhia os ombros, açoitando os cavalos tão duramente que não estaria a salvo das suspeitas de haver feito a carruagem tombar de propósito (especialmente por não ser esta de propriedade de seu amo), caso a estrada não tivesse se tornado indubitavelmente pior do que antes.
Assim que as imediações da dita casa ficaram para trás, deu a entender, com a mais agourenta das fisionomias que, além dali, nenhum veículo, a não ser carroças, poderia seguir com segurança. A gravidade da queda foi amenizada por estarem avançando muito devagar e pela estreiteza do caminho; tanto o cavalheiro, que se arrastou para fora, quanto a companheira, que ele ajudou a sair, a princípio não sentiram mais do que arranhões e os abalos da queda. Mas o cavalheiro havia, no ato de se libertar, torcido o tornozelo; e, logo sentindo os efeitos da torção, teve de interromper suas repreensões ao cocheiro ante a satisfação de ver que estavam bem tanto ele quanto a esposa, indo sentar-se à beira da estrada, incapaz que estava de ficar de pé.
- Estou sentindo algo aqui - disse ele, apertando com a mão o calcanhar. - Mas não se preocupe, minha querida - continuou, olhando para ela com um sorriso -, isso não poderia, como sabe, ter ocorrido em lugar mais propício, ainda bem. Era o que de melhor poderíamos desejar. Em breve seremos socorridos. Lá, imagino, está a minha cura - disse, apontando para a nítida silhueta de um chalé que se via romanticamente situado em meio a um bosque numa elevação do terreno a pouca distância dali.
- Aquilo não promete ser o próprio lugar? - A esposa desejou fervorosamente que de fato fosse, mas estava ali parada, atemorizada e ansiosa, sem poder fazer nem sugerir nada, até vislumbrar uma primeira e real ajuda no vulto de várias pessoas que vinham em seu auxílio. O acidente fora percebido a distância desde um campo de feno próximo da casa pela qual haviam passado. E as pessoas que se aproximavam eram um bem-apessoado senhor de meia-idade, robusto e de aspecto cavalheiresco; o proprietário do campo, que por acaso estava entre os segadores no momento; e três ou quatro deles entre os mais hábeis que se prontificaram a seguir o patrão; para não mencionar todo o resto do campo, homens, mulheres e crianças não muito distantes dali. O sr. Heywood, tal era o nome do proprietário, aproximou-se com um cumprimento muito cordial, muito preocupado com o acidente, um tanto surpreso em ver alguém arriscar-se em carruagem por aquela estrada, e de imediato ofereceu seus préstimos. Sua oferta de ajuda foi aceita com afabilidade e gratidão, e, enquanto um ou dois homens prestavam ajuda ao cocheiro para levantar a carruagem, o viajante disse:
- Está sendo extremamente gentil, meu caro senhor, e confio em sua palavra. O ferimento que tenho na perna me parece insignificante. Mas é sempre melhor nestes casos, como bem sabe, ter o parecer de um médico sem perda de tempo; e, como a estrada não parece estar em condições para eu ir ao encontro dele, peço-lhe o favor de mandar um de seus homens buscá-lo.
- Quem, o médico? - perguntou o sr. Heywood. - Temo que o senhor não venha encontrar nenhum médico à mão por aqui, mas devo garantir que poderemos nos arranjar perfeitamente sem ele.
- Desculpe, senhor, mas, se ele não estiver disponível, seu assistente poderá igualmente tratar-me, ou mesmo até melhor. Aliás preferiria que viesse o assistente. Estou certo de que um de seus bons empregados poderá chegar a ele em três minutos. Não preciso dizer que daqui esteja a ver a casa - disse ele olhando em direção ao chalé -, pois, excetuando-se a sua, não passamos nesta região por nenhuma que possa ser a residência de um médico.
O sr. Heywood olhou para ele um tanto espantado.
- O quê, meu caro senhor! Está esperando encontrar um médico naquele chalé? Não temos médico nem assistente em toda a freguesia, asseguro-lhe.
- Peço-lhe desculpas, caro senhor - replicou o outro -, por parecer que esteja a contradizê-lo, mas, considerando o tamanho da freguesia ou alguma outra causa de que o senhor possa não estar ciente, acho que... espere lá... estarei eu enganado quanto ao lugar? Não estou mesmo em Willingden? Aqui não é Willingden?
- É de fato, caro senhor, aqui é certamente Willingden.
- Então, caro senhor, posso lhe dar a prova de que existe um médico nesta freguesia, seja isso do seu conhecimento ou não. Aqui está, caro senhor - disse, tirando do bolso sua agenda -; se fizer o favor de dar uma olhada nestes anúncios, que recortei do Morning Post e da Kentish Gazette ainda ontem mesmo de manhã em Londres, penso que ficará convencido de que não estou falando por falar. Verá que se trata do anúncio da dissolução de uma associação médica "em sua própria freguesia", "expansão de negócios", "reputação ilibada", "ótimas referências", "desejando estabelecer um consultório independente". Aqui está o texto completo, caro senhor - disse ao outro, oferecendo dois pequenos recortes oblongos.
- Meu caro, mesmo que o senhor me mostrasse todos os jornais impressos nesta semana em todo o país, não iria me convencer de que existe um médico em Willingden - disse o sr. Heywood com um sorriso bem-humorado. - Moro aqui desde menino há 57 anos e penso que deveria conhecer o tal personagem. Pelo menos posso me arriscar a dizer que essa pessoa não tem tido lá muito trabalho. Na verdade, se os pacientes tiverem que subir esta encosta em berlindas, não será de bom alvitre para um médico ter sua casa no alto da colina. Quanto àquele chalé, posso assegurar-lhe que, na verdade, a despeito de seu ar elegante visto a distância, é tão modesto quanto qualquer outro sobrado da freguesia e que meu caseiro vive num dos extremos e três velhas senhoras no outro.
Ele tomou os recortes enquanto falava e, tendo-os examinado, acrescentou:
- Creio ter agora a explicação. O senhor se enganou foi de lugar. Há duas Willingden nesta região. E estes anúncios devem se referir à outra, que é a Great Willingden, ou Willingden Abbots, que fica a dez quilômetros de distância do outro lado de Battle. Lá bem no meio da mata. E nós, caro senhor - acrescentou um tanto orgulhoso - estamos fora dela.
- Não lá no meio da mata, sem dúvida - replicou o viajante gracejando. - Levamos meia hora só para subir a colina. Bem, é forçoso dizer que o senhor tem razão e que cometi uma tremenda e estúpida mancada. Por questão de um momento. O anúncio só despertou minha atenção na última meia hora em que passamos na cidade; tudo na pressa e na confusão que sempre ocorrem numa curta estadia por lá. A gente nunca consegue concluir nada na linha de negócios, bem sabe, até que a carruagem chegue à porta. Então, satisfazendo-me com uma breve indagação e achando que estávamos de fato a pouco mais de dois ou três quilômetros de uma Willingden, eu não pensei mais nada... Minha cara (para a esposa), lamento muito tê-la metido nesta enrascada. Mas não se alarme em relação à minha perna. Não tenho dores enquanto estou quieto. E, assim que esta boa gente conseguir botar a carruagem de pé e atrelar os cavalos, a melhor coisa que teremos a fazer será voltar pelo mesmo caminho até a bifurcação e seguir de lá para Hailsham, em direção a casa sem esperar mais nada. Em duas horas estaremos lá a partir de Hailsham. E, uma vez lá, teremos o tratamento à mão, bem sabe. A brisa do nosso pequeno braço de mar logo me porá novamente de pé. Pode confiar, minha querida: é um caso para o mar resolver. O ar salino e as imersões farão o resto. Já estou pressentindo tudo isso.
De maneira muito cordial, o sr. Heywood interferiu neste ponto, rogando-lhes que não pensassem em prosseguir antes que o tornozelo fosse examinado e que tomassem algum refresco em sua casa, e instando-lhes cordialmente a que a usassem para ambos os propósitos.
- Sempre temos boa provisão de remédios caseiros para torceduras e arranhões. E garanto-lhes que minha mulher e minhas filhas terão muito prazer em servi-los naquilo que estiver a seu alcance.
Uma ou outra pontada, na tentativa de mover o pé, convenceu o viajante a considerar com mais atenção do que antes os benefícios de uma imediata assistência, e, consultando a esposa em rápidas palavras (- Bem, minha cara, penso que será melhor para nós), voltou-se de novo para o sr. Heywood e disse:
- Antes de aceitarmos sua hospitalidade, caro senhor, e a fim de afastar qualquer impressão desfavorável que esta perseguição absurda em que me encontrou lhe possa ter causado, permita que me apresente. Chamo-me Parker, o sr. Parker de Sanditon; esta senhora, minha esposa, é a sra. Parker. Estávamos vindo de Londres para a nossa casa. Embora eu não seja de modo algum o primeiro da família a ter uma propriedade rural na freguesia de Sanditon, meu nome talvez seja desconhecido a esta distância da costa.
Mas quanto a Sanditon... certamente todos já ouviram falar de Sanditon. O local favorito para uma nova e crescente estação balneária, decerto o lugar favorito entre todos os que se situam na costa de Sussex; o mais favorecido pela natureza e que promete vir a ser o escolhido pela gente...
- Sim, já ouvi falar de Sanditon - replicou o sr. Heywood.
- A cada cinco anos, a gente ouve falar de um novo lugar ou de outro que esteja começando na praia e entrando na moda. Como poderá a metade deles ser povoada é o que me surpreende! Onde encontrar tanta gente com dinheiro e folga para ir a eles! Um mau negócio para a região, certamente os preços dos gêneros irão subir e os pobres sofrerão ainda mais... como talvez o senhor também ache.
- De maneira alguma, meu caro senhor, de maneira alguma - exclamou o sr. Parker impaciente. - Pelo contrário, asseguro-lhe. É a ideia geral, mas um equívoco. Isso pode se aplicar aos lugares desenvolvidos, superpovoados como Brighton ou Worthing ou Eastbourne, mas não a um vilarejo como Sanditon, impedido por suas dimensões de sofrer quaisquer males da civilização; ao passo que o crescimento do lugar, as edificações, as sementeiras, a demanda por tudo e a segura existência das melhores companhias (dessas famílias regulares, sólidas e reservadas dotadas de nobreza e caráter que são uma bênção em qualquer parte) estimulam o trabalho dos pobres e difundem o conforto e o desenvolvimento de toda a sorte entre eles. Não, meu caro senhor, asseguro-lhe que Sanditon não é um lugar...
- Não quis dizer que não haja exceções em algum lugar em particular - respondeu o sr. Heywood -, só penso que a nossa costa está repleta deles. Mas não seria melhor levar o senhor...
- Nossa costa está repleta! - repetiu o sr. Parker. - Talvez nesse ponto não possamos de todo discordar. Pelo menos já há o bastante. Nossa costa já está muito explorada. Não precisa de mais. Atende ao gosto e às finanças de cada um. E essa boa gente que está tentando ampliar o número das estações balneárias, na minha opinião, insiste num exagero e em breve se verá vítima de seus próprios cálculos falaciosos. Um lugar como Sanditon, senhor, posso dizer que foi sonhado, foi exigido. A natureza selecionou-o, indicou-o em caracteres maiúsculos. A brisa mais pura e suave da costa, tida como tal, banhos excelentes, areia fina e firme, águas profundas a dez metros da praia, sem lama, sem ervas, sem pedras escorregadias. Nunca houve um lugar mais claramente projetado pela natureza para ser o balneário de enfermos, o verdadeiro lugar de que milhares de pessoas estavam à procura! À mais conveniente distância de Londres! Um quilômetro e meio mais perto do que Eastbourne. Imagine apenas, senhor, a vantagem de economizar toda essa distância numa longa viagem. Mas Brinshore, senhor, na qual acredito esteja pensando, as tentativas de dois ou três especuladores em Brinshore no ano passado de promover aquele mesquinho povoado, situado como está entre um charco estagnado, uma charneca árida e as constantes emanações de um brejo de algas putrefatas, não pode resultar em nada a não ser em decepção. E, em nome do bom senso, Brinshore poderia ser recomendável? Um ar muitíssimo insalubre, estradas sabidamente detestáveis, água suja sem igual, sendo impossível ter-se uma boa chávena de chá num raio de cinco quilômetros em redor. E, quanto ao solo, é tão gelado e infértil que nem consegue produzir um repolho que seja. Confie em mim, senhor, que esta é uma descrição a mais fiel de Brinshore, sem o mínimo grau de exagero, e se o senhor ouviu falar dela de modo diverso...
- Meu senhor, eu nunca ouvi falar dela em toda a minha vida - disse o sr. Heywood. - Nem sabia que havia tal lugar no mundo.
- Não sabia! Veja, minha cara - voltando-se com exultação para a esposa -, veja como são as coisas. Eis a celebridade de Brinshore! Este senhor nem sabia existir tal lugar no mundo. Pois bem, meu senhor, na verdade creio que poderíamos aplicar a Brinshore aqueles versos do poeta Cowper descrevendo a aldeã religiosa, que ele opõe a Voltaire: "Ela nunca ouviu falar de algo que esteja a cerca de um quilômetro de casa."
- Sinceramente, caro senhor, aplique a isso os versos que quiser. Mas quero ver é algo aplicado à sua perna. E estou certo, pelas feições de sua senhora, de que ela é bem da minha opinião e acha inútil estarmos perdendo mais tempo aqui. E lá vêm minhas filhas para falar por elas próprias e pela mãe delas.
Duas ou três jovens amáveis e simpáticas, seguidas por outras tantas criadas, estavam agora saindo das portas da casa.
- Estava admirado que o alvoroço ainda não tivesse chegado a elas. Um incidente deste gênero logo se torna um acontecimento num lugar solitário como o nosso. Agora vejamos, senhor, qual a melhor maneira de conduzi-lo até a casa.
As jovens chegaram e disseram tudo o que seria próprio para reforçar as ofertas do pai e sem a menor afetação trataram de propiciar comodidades aos viajantes. Como a sra. Parker estivesse ansiosamente necessitada de repouso, e o marido a essa altura não muito menos inclinado a isso, não fizeram cerimônia; mesmo porque a carruagem, agora posta em pé, revelou ter sofrido no lado da queda tais estragos que tornavam imprópria a sua utilização. O sr. Parker foi carregado então para a casa, e a carruagem empurrada para dentro de um galpão vazio.

25 de abril de 2013

Bed Stories..



Epionando a net, para variar, e achei essa informação muitíssima interessante. Espero que compartilhem desta opinião comigo!

Você sabe a origem dos contos de fadas??


No século 16, os contos de fada não eram brincadeira de criança. Sexo, violência e fome apimentavam as tramas inventadas por camponesas nas poucas horas de diversão.

Você já imaginou se o lenhador não aparecesse ao final da história para salvar 
Chapeuzinho Vermelho e sua vovozinha?

Agora pior do que isso , E se a menina, antes de ser devorada pelo Lobo Mau, ainda fosse induzida por ele a beber o sangue da avó, além de tirar a roupa e deitar-se nua na cama? Você contaria tal historinha a seu filho? Os camponeses da França do século 16 contavam – e os detalhes violentos e libidinosos desta e de outras histórias que povoam o nosso imaginário infantil não param por aí. Se você nunca ouviu as versões apimentadas, foi por obra e graça de escritores como o francês Charles Perrault, os alemães Jacob e Wilhelm Grimm e o dinamarquês Hans Christian Andersen, que entre o fim do século 17 e o início do século 19 pesquisaram, recolheram e adaptaram as histórias contadas por camponesas criadas em comunidades de forte tradição oral.

Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, João e Maria, A Bela Adormecida e outros contos de fadas tão familiares foram passados de geração para geração por trabalhadores analfabetos, que se sentavam à noite em volta de fogueiras para contar histórias. Nestas reuniões, chamadas de veillées pelos franceses, as mulheres narravam seus casos enquanto fiavam e teciam, o que originou expressões como “tecer uma trama” e “costurar uma história”. Os homens consertavam suas ferramentas ou quebravam nozes. No universo dos camponeses franceses pré-Revolução, nos séculos 17 e 18, não havia tempo para descanso. Durante o Antigo Regime, diversão e trabalho misturavam-se, como na história da pobre Gata Borralheira.

Sem papas na língua, as contadoras de histórias caprichavam nos detalhes, digamos, escabrosos. Na versão original, A Bela Adormecida, por exemplo, foi violada por um anão durante o sono. Isso acontecia porque, naqueles tempos, essas não eram exatamente histórias infantis. Naquela época não havia distinção entre infância, adolescência e idade adulta. Esses contos eram galhofas, que serviam para unir a comunidade. 

Tanta inspiração nascia do cotidiano: a segurança da casa e da aldeia opunha-se aos perigos da estrada e da floresta, como em Chapeuzinho Vermelho. A crueldade fazia parte do roteiro pois era pobreza e morte que se esperava do mundo no século 16. A fome, o maior mal daquele tempo, protagonizava muitas das narrativas, como em João e Maria, em que os pais abandonam as crianças na floresta por não ter como alimentá-los. No caso da história de João e Maria tem a parte da preocupação dos adultos com a fome que assolava a todos e das crianças que temiam ser abandonadas.


Tudo começa a mudar e os contos começam a ter nuances de contos de fadas com final feliz no final do século 18, quando se começa a fazer distinção entre a infância e a vida adulta. E é nesse momento da história que entraram em ação Perrault, os irmãos Grimm e, mais tarde, Andersen. Eles não foram os primeiros a passar para o papel as histórias dos camponeses, mas foram os mais bem-sucedidos em sua adaptação ao gosto da nobreza e das crianças. Perrault, por exemplo, incluiu comentários sobre os costumes e a moda das elites em suas versões para dar uma cara à nação francesa.

O que o escritor fez em seu Contos da Mamãe Gansa, de 1697, de certa forma foi o que os contadores faziam nas aldeias: adaptou um fio condutor comum a sua realidade, eliminando detalhes violentos ou de conteúdo sexual – e incluindo a “moral da história”. A adaptação ao gosto do contador, aliás, é uma marca que atravessa os tempos. 
Em uma história da China do século 9, por exemplo, uma moça chamada Yeh-Hsien é ajudada por um peixe mágico, que lhe dá chinelas de ouro para a festa da aldeia. Na volta para casa, ela perde uma das chinelas, que vai parar nas mãos do governante. No fim, o chefe local apaixona-se pelos pés pequenos de Yeh-Hsien, em consonância com os costumes chineses de enfaixar os pés das meninas para que não crescessem. As diferenças culturais estão claras, mas pode-se reconhecer as origens de Cinderela no conto.Quando uma história é narrada de forma oral, normalmente é adaptada a realidade do momento. É, quem conta um conto sempre aumenta um ponto, seja na China do século 9, na França do século 18 ou nos dias de hoje.

Esse post vai ficar enorme..rsrs, mas coloquei abaixo a histórias da Chapeuzinho Vermelho como eram contadas originariamente...e como ficou depois (essa última todos conhecem né?)mas se puder opinar, diria para não contar aos seus filhos a versão original.

“Chapeuzinho Vermelho”

Na França do século 18, Chapeuzinho Vermelho não usava um chapeuzinho vermelho. E o Lobo matava a vovó, enchia uma jarra com o seu sangue e fatiava sua carne. Quando a menina chegava, ele, já travestido, mandava que ela se servisse do vinho e da carne. Depois, pedia à menina para se deitar nua com ele. A cada peça de roupa que tirava, Chapeuzinho perguntava o que fazer, e o lobo respondia: “Jogue no fogo. Você não vai precisar mais”. E ela não perguntava dos olhos, orelhas ou nariz do algoz. Dizia, sim: “Ah, vovó, como você é peluda!”, ao que ele respondia: “É para me manter mais aquecida”. Citava ainda seus ombros largos e suas unhas compridas, em comentários sensuais, antes de dizer: “Ah, vovó! Que dentes grandes você tem!”. E a história terminava com o lobo devorando a garota. Sem caçador para salvá-la, sem final feliz e sem medo de mexer com tabus.

Na versão dos irmãos Grimm, do início do século 19, não tem banquete canibal, nem strip-tease ou mortes. Chapeuzinho, incitada pelo Lobo, desvia-se do caminho para colher flores. Enquanto isso, o lobo devora a vovozinha e veste suas roupas. Quando a gorota chega, faz as perguntas clássicas: Por que a senhora tem orelhas tão grandes?” É para te ouvir melhor”, responde o Lobo, e assim sucessivamente, passando pelos olhos, o nariz e as mãos, até a pergunta fatal: “Por que a senhora tem essa boca enorme? “É para te comer!”, diz o Lobo, devorando-a. Os Grimm incluíram na trama ainda a figura do caçador, que corta a barriga do Lobo e liberta a avó e a neta. Chapeuzinho então joga pedras na barriga do Lobo, que morre. E aprende a obedecer a mãe, a andar sempre no caminho certo e a não dar papo para lobos..

Fonte: Eu Amo Ler (Facebook)

24 de abril de 2013

Amanda Knox Strikes Back..




Vejam só quem apareceu! A senhorita Knox voltou à midia! Estava com saudade de ter alguma notícia dela. E, pelo que li, ela está com um livro saindo do forno! Lembro que, logo após sua absolvição, ninguém quis tomar partido para publicar a história dela. Porém, algo mudou e Amanda teve sua biografia carcerária publicada. Eu não vejo a hora de ter esta publicação em PTBR para poder estar nas entrelinhas desta trama policial que ainda não está resolvida, ao que parece!

Se você, leitor anônimo, não sabe quem é esta jovem, seu caso é simples e o Google resolverá. Vá em frente!


A estudante americana Amanda Knox, 25 anos, que foi absolvida pela Justiça italiana pelo assassinato da britânica Meredith Kercher, afirmou que sofreu assédio sexual durante os quatro anos em que permaneceu presa em Perugia, na Itália. Ela escreveu sobre os abusos em um livro, Waiting to be Heard ("Esperando para ser ouvida"), no qual conta sua experiência na prisão. A obra ainda não foi publicada, mas o jornal Daily Mail teve acesso a um manuscrito.

No livro, a americana fala que foi assediada por um guarda da prisão, por uma colega de cela e por um alto funcionário da prisão. O último teria perguntado a ela várias vezes :"quais posições você gosta mais?".

Amanda relatou que, em 2007, logo após ser presa, ela recebeu ordens de tirar a roupa e ficar com as pernas abertas em uma estação policial, enquanto um médico media sua vagina. Várias policiais testemunharam o episódio, disse a estudante.

"O médico examinou os grandes lábios de minha vagina e então os separou com os dedos para examinar os pequenos (lábios). Ele mediu e fotografou minhas partes íntimas", escreveu a jovem.

A americana também diz no livro que foi coagida a confessar a autoria do crime. Ela afirma que foi colocada em um quarto pequeno e estreito com até oito policiais que gritavam para ela: "você precisa lembrar! Você está mentindo! Pare de mentir".

Em 2011, Amanda Knox foi absolvida da acusação de homicídio, após recorrer por ter sido condenada em primeira instância dois anos antes. Entretanto, no final do mês de março, a mais alta corte criminal italiana anunciou o cancelamento da absolvição dela e do italiano Rafaelle Sollecito, e pediu um novo julgamento.

15 de abril de 2013

Idem..


Encontrei essa reportagem no FB e decide aderir à ideia.

Até o final deste ano, estarei disponibilizando uma caixa desta em meu bairro. Escolherei um ponto estratégico, comprarei (e aceitarei doações) livros em geral e semearei boa cultura.

Deixo, agora, a reportagem extraída da página Viciados em Livros.

Tenham um bom dia!

Omnia Vanitas.


Olha que projeto legal! LITTLE FREE LIBRARY!

Apesar do tamanho exíguo, a ideia é grandiosa. Inaugurada em 2009 nos Estados Unidos, a intenção da Little Free Library é, como diz o nome, ser uma pequena biblioteca de graça, onde os livros circulam livremente. É uma biblioteca de bairro: pode ficar dentro de um café, por exemplo, ou no quintal de casa. A condição é que a casinha, feita com material reaproveitado, sirva como ponto de partida e de chegada de obras literárias.

O projeto, que inicialmente almejava algo em torno de 2.500 pontos, deslanchou. Se em 2011 os criadores Todd Bol e Rick Brooks festejavam a marca de cem bibliotecas, em 2013 viram o número extrapolar para seis mil, somando um total de dois milhões de livros trocados em mais de 32 países.

No Google Maps, há um mapeamento de todas as coleções registradas, incluindo três na África (bit.ly/JDzl7o). Na América do Sul, ainda não há nenhuma. A estimativa é que, seguindo esse ritmo, até o fim do ano o projeto alcance impressionantes 25 mil registros.

As pessoas que doam seus livros são encorajadas a escrever um pequeno bilhete apresentando o conteúdo. E os leitores seguintes, de preferência, devem adicionar suas impressões ao papel. A ideia é que a seleção seja formada por “títulos preferidos” — incluam-se aí romances e histórias infantis — e também por ensinamentos práticos, como manuais.

Para cadastrar uma biblioteca na Little Free Library em sua cidade, é preciso pagar uma licença no valor de US$ 35. O preço cobrado pela casinha varia, mas no site (littlefreeli brary.org.) há instruções completas para se construir uma (aí sim, de graça), usando elementos recicláveis e resistentes. A criatividade cuida do resto.


Fonte: O Globo - 12/04/13 - Por Alice Sant’anna

14 de abril de 2013

Pregação..


Antes de iniciar o motivo do post, quero deixar a reportagem sobre a foto acima, publicada no G1 em 01/abril/2013:


Após serem condenados à morte por crimes de homicídio, três homens foram mortos enforcados nesta segunda-feira (1º) no presídio central, a oeste da Cidade do Kuwait . Foi a primeira execução de um condenado no país desde maio de 2007, segundo o Ministério da Justiça do país. Policiais e oficiais da Justiça acompanharam as execuções.
Os homens eram um saudita (Faisal al-Oteibi), um paquistanês (Parvez Ghulam) e um árabe de origem não divulgada (Dhaher al-Oteibi). O último deles foi condenado após matar a mulher e cinco crianças e afirmar que era na verdade um Imã, um líder do Islamismo, aguardado há muito tempo.
Muçulmanos xiitas reverenciam o 12º Imã, Mohammad Al-Mahdi, que desapareceu no século X e cujo retorno é aguardado para salvar a humanidade.
A agência de notícias oficial do país, Kuna, citou um oficial de Justiça ao dizer que outras 48 pessoas condenadas no país estão no corredor da morte ou aguardam apenas a decisão final do emir sobre suas sentenças para serem executadas. A lei do Kuwait diz que o emir tem autoridade para trocar a sentença de morte pela prisão perpétua.
Há seis anos, o país parou de realizar execuções, mesmo com presos no corredor da morte, sem dar qualquer explicação a respeito.
O país já executou 69 homens e três mulheres estrangeiras desde que introduziu a pena de morte, em meados de 1960. A maioria das condenações era relacionada a assassinatos ou tráfico de drogas.

Ok. Terminei de ler O Condenado, de Bernard Cornwell, e adorei!!! Claro que não é um Dumas ou qualquer outro romance histórico contemporâneo do escritor francês, mas é muito interessante.
Enquanto lia, percebi que, ao contrário dos outros romances históricos, este tinha uma certa preocupação em informar o motivo para cada atitude, expressão linguística, localização e feitos em geral - coisa que não encontro em Dumas, ou nem se quer encontrei em Shirley (Charlotte Brontë); pois o leitor daquela época não precisava deste tipo de informação para entender o enredo - contrário à nós, leitores do século XXI, que precisamos ser esclarecidos para que possamos acompanhar e entender a riqueza da obra.

Gostei do senhor Cornwell. Hoje, inicio a leitura do primeiro livro da trilogia de A Busca do Graal, com O Arqueiro. Estou muito entusiasma, O Condenado teve um desfecho muito excitante. Pois, quando um livro faz com que eu mude de posição de leitura constantemente, é sinônimo de ansiedade pelo que está e irá acontecer. O Condenado me mexeu várias vezes.

Como teóloga, gostaria de deixar a pregação do pastor Horace Cotton (personagem real usado por Cornwell em O Condenado), mas não achei para baixar na net, e , como alguns pastores evasivos que querem impressionar ao invés transformar o ouvinte, este sermão é longo.

Comprometo-me, então, em, futuramente, digitar e postar o esdruxulo sermão do falso Cotton.



5 de abril de 2013

Precioooso..

Adivinhem o que eu estava fazendo? FUÇANDO A NET haha E achei essa reportagem toda sinistra e interessantíssima no site de O Globo em 02/04/2013.

Segue:


Anel exposto em palácio inglês foi inspiração para J.R.R.Tolkien escrever “Senhor dos Anéis” e " O hobbit’.
Segundo historiadores, essa peça romana foi amaldiçoada pelo dono.

A destruição de um anel que governa todas as criaturas da Terra (Média, no caso) é o que move a aventura de Frodo Bolseiro no clássico “O Senhor dos Anéis”. A fantástica história de J.R.R.Tolkien e também sua predecessora, “O Hobbit” - na qual Bilbo Bolseiro encontra o temível anel -, podem ter sido influenciadas por um anel de verdade. A peça entrou em exposição nesta terça-feira (2) no palácio rural The Vyne, em Hampshire, na Inglaterra.

O anel é tão largo que só pode ser usado com uma luva por cima do dedo. Feito com 12g de ouro, ele tem um desenho e a seguinte inscrição em latim: “Senicianus vive bem com Deus”.
Segundo historiadores, o anel foi encontrado em 1785 por um fazendeiro em um local próximo ao vilarejo Silchester (invadido por Roma e abandonado desde o século 7). Mesmo não havendo registros, os pesquisadores acreditam que o fazendeiro tenha vendido a joia à família Chute.
Décadas depois, na cidade de Lidney, em Gloucestershire, uma tábua foi encontrada no local conhecido como Monte do Anão. Nela, havia uma maldição escrita por Silvanus, que informava ao deus Noden que seu anel tinha sido roubado. O romano sabia quem tinha cometido o crime e desejava que o deus o punisse: “Sobre aqueles que levam o nome de Senicianus, não dê saúde até que ele traga o anel de volta ao templo de Nodens”.
- É particularmente fascinante ver uma evidência física do anel de Vyne, ligado a (história feita por) Tolkien, associada a uma maldição - contou Lynn Forest-Hill, da instituição "The Tolkien Trust", ao jornal britânico "Guardian".
Ao que as evidências indicam, Tolkien estudou esta história quando ainda era professor na Universidade de Oxford, e dois anos depois lançou "O hobbit". A primeira edição do livro e uma cópia da maldição estão expostas junto com o anel romano.

4 de abril de 2013

Shirley..Parte I



Eu li "Shirley", de Charlotte Brontë. Esse livro fez parte da "Brontë Sister's Tour" que eu fiz, começando com Emily e seu O Morro dos Ventos Uivantes, depois, Anne e sua A Moradora de Wildfell Hall e, por fim, por enquanto, Shirley, de Charlotte.

Shirley acontece durante a invasão de Napoleão à Inglaterra e, ao mesmo tempo, na segunda Revolução Industrial. O enredo está situado neste contexto histórico, incluindo as divergências religiosas da sociedade e a ousadia de duas moças: Caroline e Shirley. Água e vinho transformam a própria história que era moldada (era?) pela conveniência.

Shirley não aparece até a página 90, por um bom motivo. Como heroína da história, ela precisaria contrastar no ambiente que estaria inserida. E, Shirley, não deixou a desejar. Impetuosa, ousada, destemida, mimada, centrada, rica, linda e com um discurso que deixou alguns senhores calados e outros com o desejo de ser ela um homem para poderem acertar as diferenças no braço.
Em contraste, havia a doce, meiga, calma e apaixonada Caroline. Ambas ligadas pela paixão que nutriam pelos irmãos Moore: Roberto e Luís. O primeiro é industrial, o outro, preceptor.

Bom, vou parar por aqui e deixar o capítulo 26, meu preferido, como post (atrasado) para hoje.
Esta publicação faz parte do marcador carta, onde há algumas missivas que eu encontrei nos livros (não todas, é claro), aquelas que eu mais gostei.

Omnia Vanitas.




CAPÍTULO XXVI

SOLILÓQUIO


Luís Moore estava habituado a uma vida tranquila. Dotado um gênio calmo, suportava-a melhor do que muitos, porque tinha o cérebro e o coração povoados de um mundo todo seu.
Como Fieldhead está tranquilo nessa noite! A jovem Keeldar, toda família Sympson, todos, exceto Luís Moore, foram a Nunnely. Sir Filipe convidou-os para travarem conhecimento com a mãe e as irmãs, que se encontram, nesse momento, no Priorado. O barão tivera a amabilidade de convidar também o preceptor. Mas se Luís Moore desejava alguém junto de si nessa noite, não é o pequeno barão, nem a sua mãe ou as irmãs dele, nem qualquer outra pessoa da família Sympson.
A noite está agitada. As tempestades do equinócio revolveram ainda a atmosfera. As chuvas torrenciais do dia acabaram: as nuvens desfazem-se e afastam-se, mas escorraçadas por uma contínua e fragorosa tempestade.
Moore, sentado na sala de estudo, escutava o barulho que a tempestade fazia. O lado onde se encontrava era abrigado, mas nem lhe importava o silêncio nem o fato de estar agasalhado.
“Toda a casa está vazia, - pensou ele – e esta solidão me faz mal ao coração”.
Saiu daqui e foi onde as janelas, mais largas e mais desafogadas, deixavam ver livremente o azul escuro do céu. Não levou qualquer luz consigo: a claridade da lua cheia, embora as nuvens a ocultassem de quando em quando, refletia-se no soalho e nas paredes.
Dir-se-ia que Moore perseguia uma visão de sala em sala. Deteve-se numa, forrada de carvalho, que não é úmida e fria como o grande salão; a lareira está quente e vermelha; junto do fogão há uma mesinha de trabalho e uma escrivaninha; ao lado há uma cadeira.
A visão que Moore vem perseguindo ocupará essa cadeira? É caso para pensar assim ao vê-lo de pé diante dela. No seu olhar há tanto interesse, tanta expressão no seu rosto como se tivesse encontrado naquela solidão um ser vivo com quem pudesse falar.
Vai fazendo descobertas. Uma bolsa, uma pequena bolsa de cetim está dependurada no espaldar da cadeira. A escrivaninha está aberta, as chaves estão na fechadura; um lindo sinete, uma pena de prata, uma luva pequena, limpa e delicada, estão espalhados sobre uma mesinha, numa desordem que pode passar por fantasia.
“Eis os vestígios da descuidada feiticeira – disse ele. – Chamada às pressas, esqueceu-se de voltar para pôr as coisas em ordem. Por que nasce a fascinação sob os seus passos? Há sempre qualquer coisa a censurar nela, mas, para o amante ou para o marido, a censura acabará naturalmente num beijo. Mas que digo? A que monólogo me deixei arrastar?...”
Calou-se. Ficou alguns instantes pensativo, depois instalou-se comodamente para passar o serão.
Correu o reposteiro da larga janela do salão, alimentou o fogo, que ainda ardia mas se consumia rapidamente; acendeu uma das duas velas que tinha diante de si; colocou uma segunda cadeira em frente da que estava ao lado da mesa, e sentou-se. Tirou, em seguida, da algibeira, um caderninho, depois um lápis e começou a escrever, numa letra compacta e nítida. Aproxime-se, o leitor, e vá lendo à medida que ele escreve:

Shirley .. Parte II



“São nove horas; a carruagem não voltará antes das onze, tenho certeza. Até lá sou livre; até lá posso ocupar o quarto dela, sentar-me em frente da sua cadeira, apoiar o cotovelo à sua mesa, ter em volta de mim estes deliciosos objetos que ma recordam.
“É bom escrever sobre a pessoa que me é mais querida do que o meu coração. Ninguém me pode tirar este livrinho, e graças a este lápis posso dizer aquilo que nem sequer ouso exprimir em voz alta.
“Raramente nos encontramos depois daquela noite. Uma vez, quando eu estava só no salão, procurando um livro para Henrique, ela entrou, vestida para um concerto. Foi o seu embaraço, e não o meu que pôs um véu entre nós. Quando passou diante da janela, depois de, tácita mas graciosamente, me haver reconhecido, apareceu ao meu pensamento como a “virgem sem mácula”: rodeava-a um delicado esplendor, e o seu recato de moça era a sua auréola. Eu devia estar com um ar estúpido e pesadão; senti as delícias do paraíso quando ela baixou os olhos diante dos meus, e desviou docemente a cabeça para esconder o seu enrubescimento.
“Eu sei que isto são divagações de um sonhador, o êxtase de uma louco romântico. Sim, estou sonhando; quero sonhar de quando em quando.
“Mas se ela encheu de vida minha natureza prosaica, que hei de fazer?
“Como ela é criança às vezes! Que vivacidade e que inocência há nela!
“Adoro as suas perfeições; mas são os seus defeitos, ou pelo menos, as suas fraquezas, que fazem com que eu a atraia a mim, que a ponha no meu coração, que a rodeie do meu amor, e isso pela mais egoísta e mais natural das razões; porque estes defeitos são os degraus que me fazer elevar acima dela.
“Mas, para falar com mais simplicidade, vê-la é um prazer; ela me agrada. Se eu fosse um grande senhor e Shirley minha criada, não poderia impedir-me de amá-la. Tirem-lhe a educação, os enfeites, os vestidos suntuosos, tirem-lhe toda a graciosidade, exceto aquela que a beleza da sua pessoa torna inevitável; apresentem-na à porta de uma cabana; eu gostarei dela.
“Que negligência, deixar assim aberta a sua escrivaninha, onde sei que há dinheiro! Aqui estão as chaves de todos os seus móveis, mesmo a do cofre de joias. Nesta bolsa de cetim também há dinheiro. Semelhante espetáculo havia de encolerizar meu irmão Roberto; todas as pequenas fraquezas dela, bem o sei, seriam para ele um motivo de irritação. Se me envergonham a mim, é uma deliciosa vergonha. Adoro encontrá-la em falta. Quanto mais o humor dela é decidido, malicioso, impertinente, quanto mais ela me dá motivos para desaprovar, tanto mais eu a procuro e a amo. Nunca ela é menos tratável do que quando, montada na sua égua, volta de cavalgar nas montanhas; e, contudo, confesso-o a esta página muda, tem-me acontecido de esperar uma hora, no pátio, para assistir ao seu regresso, e para a receber nos meus braços ao descer da sua montaria. Tenho observado (é ainda uma coisa que só confio a esta página) que ela só de mim consente este auxílio. Sei agora, sabe-o o meu coração, porque o sentiu, que ela se me abandona sem qualquer aversão. Saberá ela a alegria que sinto em pôr a minha força ao seu serviço? Não sou escravo dela, declaro-o, mas o meu ser é atraído para a sua beleza, o meu saber, toda a minha prudência, toda a minha calma e toda a minha força estão aos seus pés, esperando humildemente uma tarefa a cumprir.
“Chamei-lhe negligente; é digno de nota que a sua negligencia não comprometa nunca a sua elegância; e é nisso que se pode verificar a realidade, a profundidade, a pureza dessa elegância. Tenho tido nas minhas mãos muitos objetos dela, porque muitas vezes ela os deixa em qualquer lugar. Nunca vi nenhum que não revelasse a mulher mais delicada. Em um certo sentido, ela é tão minuciosa como em outros é imprudente; fosse ela aldeã, seria, da mesma forma, elegante e asseada. Veja-se a pureza desta luva, a frescura do cetim desta bolsa.
“Que diferença entre S. e essa pérola da C.H.! Carolina, imagino eu, é a alma da pontualidade conscienciosa e da exatidão; conviria perfeitamente aos hábitos domésticos de meu irmão. Ela é tão delicada, tão hábil, tão engenhosa, tão diligente, tão calma! Com ela tudo se faz imediatamente, tudo é desenhado a esquadro. Ela conviria ao Roberto; mas que poderia eu fazer de coisa tão perfeita? Ela é minha igual, tão pobre como eu. É linda, sem dúvida, uma linda cabeça de Rafael. Mas que há nela que seja preciso aturar, que se tenha de censurar? É composta de tons pálidos, como os lírio dos vales, mas a cor ser-lhe-ia inútil. Como retocar essas perfeições? Que pincel se atreveria a aflorar essa pétalas? Na minha bem-amada, se algum dia eu tiver algumas, quero antes uma semelhança com a rosa; há de ser uma doce e profunda delícia guardada por um eriçamento de espinhos. A minha mulher, se eu algum dia me casar, deverá espicaçar a calma dos meus nervos. Não me fizeram tão calmo para ser emparelhado com uma cordeirinha; e eu teria uma responsabilidade mais de acordo com o meu temperamento, tendo a meu cargo uma leoa ou uma pantera. Não gosto das coisas doces, se não são picantes; ou das coisas brilhantes, se ao mesmo tempo não queimam.
“Oh! Minha discípula! Turbulenta demais para o céu, inocente demais para o inferno! Nunca poderei eu então ir além de ver-te, adorar-te, desejar-te? Ai de mim! Sabendo que poderia fazer-te feliz, estarei condenado a ver-te na posse de quem não tem esse poder?
“Tomai cuidado, Sir Filipe Nunnely.
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“Aí vem a carruagem! Fechemos a escrivaninha e guardemos as chaves. Ela há de procurá-las amanhã de manhã: terá de vir falar comigo:
“- Senhor Moore, não viu minha chaves? – Assim ela dirá na sua voz clara, falando com hesitação e parecendo envergonhada à ideia de que á vigésima vez que me faz tal pergunta. Posso conservá-la na expectativa e na dúvida; e, quando lhe restituir estes objetos, não deixarei de lhe ralhar. Aqui estão a bolsa e o dinheiro, as luvas, a pena, o sinete. Terá de arrancar lentamente, um por um; e só à força de uma confissão, de penitência, de súplicas. Nunca posso tocar na sua mão, ou numa madeixa dos seus cabelos, ou num laço dos seus vestidos; mas hei de reservar-me privilégios: cada traço do seu rosto, os seus olhos brilhantes, os seus lábios, passarão, para o meu prazer, por todas as transformações que podem sofrer; exibirão as deliciosas mudanças do olhar e da expressão, para meu enlevo, para me penetrarem, talvez para me agrilhoarem. Se tenho de ser escravo dela, não quero perder a minha liberdade por coisa alguma do mundo”.
Fechou a escrivaninha, pôs todos os objetos no bolso e saiu do aposento.

BRONTË,Charlotte.SHIRLEY, Capítulo 26. Ed. José Olympio,1949.

O caso do cachorro ..

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