22 de maio de 2012

on the road..


Vi essa reportagem na Globo.com (escrita por Ruth de Aquino, colunista da Época) e não tive como não publicá-la aqui!

Cinco anos de sexo, drogas e jazz, on the road, na estrada. Depois de amanhã, quarta-feira, 23 de maio, o filme baseado no livro mítico de Jack Kerouac terá seu primeiro grande teste internacional, no Festival de Cannes, cercado de muita expectativa – e da torcida brasileira pelo sucesso de seu cineasta contemporâneo maior.
O relato dessa longa viagem de jovens amigos que atravessam os Estados Unidos nos anos 50, transando, bebendo, escrevendo e delirando em busca da última fronteira americana, e também de si mesmos e de uma vida mais libertária e menos burguesa, foi publicado em 1957 – mas só virou filme agora, em 2012, pelo olhar sensível de um diretor carioca, Walter Salles.
No Brasil, o livro On the road – a bíblia da cultura beatnik, escrita de um fôlego só por Jack Kerouac, morto de cirrose aos 47 anos – foi publicado sob o título de Pé na estrada, mas apenas em 1984, durante a redemocratização brasileira. Porque, antes, era considerado “subversivo”.
A estreia em nossos cinemas foi confirmada para dia 13 de julho.
“A primeira atriz que eu convidei”, diz Salles, “foi a Kirsten Dunst, logo em 2005, ao ser convidado por Coppola a dirigir o filme. A Kirsten faz a Camille, na vida real Carolyn Cassady, hoje vivendo na Inglaterra com quase 90 anos (Carolyn foi mulher de Neal Cassady e vivia um triângulo amoroso e permitido com o melhor amigo do marido, Jack Kerouac). Sempre fui um fã da precisão que a Kirsten tem, de sua capacidade de dizer tanto, parecendo fazer tão pouco. Ela é uma camaleoa”.
Além de Kirsten Dunst, a outra lourinha que arrasa no novo filme é Kristen Stewart (Marylou), da série Crepúsculo e do filme de Sean Penn, Na Natureza Selvagem (Into the wild), onde interpreta uma adolescente de 16 anos.
Por todos os lados, em cada esquina de Paris, vemos cartazes de Sur la route (On the road ou Na Estrada). A divulgação é maciça e profissional. O filme não só participa da competição em Cannes, mas estreia nos cinemas franceses. Existe uma forte aposta da mídia especializada, que considera o filme um dos favoritos para a Palma de Ouro em Cannes – num momento em que a Europa vive uma onda de contestação. Mas Salles não se deixa envolver por esse favoritismo. “Só desejo”, diz ele, “que o filme seja tão polêmico quanto o livro e, em vez de despertar unanimidade, crie opiniões pró e contra. E filmes polêmicos não costumam ser premiados em Cannes”.
Conversei com Salles num café familiar e tradicional da Rive Gauche em Paris, onde ele é muito mais que um diretor de cinema festejado – é um cliente fiel, um vizinho simples e afetuoso, recebido com beijos e abraços pelos donos do café.
Fã desde os 17 anos de “filmes de estrada” (road-movies), Salles dirigiu Central do Brasil, com Fernanda Montenegro, e Diários de Motocicleta, sobre a juventude do Che. Ganhou mais de 140 prêmios internacionais.
Para embarcar com seriedade em “Na estrada”, confirmou sua reputação de perfeccionista: realizou, ao longo de seis anos, de 2005 a 2010, um documentário sobre a vida de Kerouac e os personagens que conviveram com ele. Um documentário que ainda nem foi editado, mas que deu a Salles a segurança para embarcar na ficção, e numa história aguardada por uma legião de adeptos da contracultura beat. A adaptação para as telas, embora seja uma coprodução europeia, leva o nome do Brasil a uma das maiores vitrines mundiais do cinema.

Aí vai um extrato de nossa conversa. Uma outra parte da entrevista está na revista ÉPOCA desta semana, nas bancas.
Mulher 7×7 – Por que demorou tanto a sair esse filme, mais de meio século depois de um livro tão importante para uma geração?
Walter Salles – Logo depois da publicação do livro em 1957, surgiram as primeiras conversas com os estúdios de Hollywood. Mas os roteiros terminavam com o Dean Moriarty (na vida real Neal Cassady, o amigo mais rebelde e ousado de Kerouac) punido e morto num acidente de carro, preso às ferragens. Dean era um personagem inaceitável para o puritanismo nos Estados Unidos. Ele incomoda ainda hoje. Por isso, na visão de Hollywood, precisaria acabar tragicamente. Dean é a chama, o instigador do movimento beat, um homem que se relacionava com várias mulheres ao mesmo tempo, alguém que seria considerado hoje a síntese do politicamente incorreto. Foi preso ao passar cigarros de marijuana a policiais à paisana. Morreu no México, caminhando no meio de trilhos de trem. Aparentemente, contou cada um dos dormentes até o momento em que acabou caindo ao lado da linha férrea, segundo o relato de um amigo seu que nos ajudou muito a reconstituir a personalidade de Dean. Coppola comprou os direitos em 1979, mas os Estados Unidos não se animavam com os personagens.

- Por que você foi escolhido por Francis Ford Coppola para dirigir o filme?
- Quando Diários de Motocicleta passou no Festival de Sundance em 2004, um dos diretores da companhia do Coppola, o produtor Bob Rock, estava na sala, viu o filme projetado e me apresentou ao filho do Coppola, Roman, em Los Angeles, e ao próprio Coppola. Teoricamente, isso não me credenciava para fazer On the road (Na estrada). Venho de uma outra cultura, não morei nos Estados Unidos a não ser por um período muito breve e não poderia ir à frente se não tivesse decidido fazer, com o apoio da American Zoetrope, companhia de Coppola, um documentário com todos os sobreviventes dessa aventura de Kerouac. Durante seis anos, entrevistei vários personagens dessa história. Quem financiou o documentário foi a Pathé franco-inglesa, distribuidora do Diários de Motocicleta. E os produtores franceses da MK2 viabilizaram o filme.

- O filme na sua opinião emociona mais os sessentões, que viveram os reflexos dessa época da América macartista, ou os jovens de hoje?
- Não sei mesmo, não tenho ideia, o filme vai nascer ainda, em Cannes. Impossível dizer o que vai acontecer. Deveria, por definição, ser polêmico. Se nós estivermos próximos do livro, inevitavelmente o filme vai gerar opiniões pró e contra.

– Na hora de adaptar um relato para a tela, é uma tarefa impossível fazer um filme melhor do que o livro?
- Os livros são insuperáveis, mas uma boa adaptação para cinema é um objeto diferente, talvez complementar. Jean-Luc Godard tem uma frase boa para quase tudo. Ele diz que “cinema e literatura são dois trens que se cruzam constantemente”. E é verdade. Às vezes, as adaptações são muito próximas. Por exemplo, a adaptação maravilhosa que o Visconti fez do Gatoppardo, do Lampedusa. Às vezes, as adaptações são totalmente livres, que é o caso do Blow-up, do Antonioni, que parte de um conto do argentino Julio Cortázar para chegar a algo bem diferente.

- E a sua adaptação do On the road – é fiel ou livre?
- Existe uma carta do Kerouac para o Marlon Brando logo após a publicação do livro. Kerouac praticamente implora a Brando que compre os direitos do livro e que represente seu personagem, Sal Paradise, no filme. Na carta, Kerouac sugere a Brando que ele transforme as quatro viagens do livro em apenas uma. O roteiro de José (o portorriquenho José Rivera, o mesmo de Diários de Motocicleta), que nós filmamos, é mais próximo da estrutura do livro do que o roteiro que o próprio Kerouac sugeriu. Decidimos preservar a ideia original das idas e vindas do narrador dividido entre o apelo do Dean e a responsabilidade da família depois da morte do pai. Por outro lado, ser fiel ao espírito do livro implicava buscar a improvisação constantemente, ir além do que estava escrito, para encontrar a mesma prosa em imagens que são o coração da narrativa de On the road. Kerouac escreveu o livro primeiramente em três semanas, com base no instinto, na emoção e nas lembranças, num rolo de manuscrito – e foi um exemplo da chamada “prosa espontânea” embalada pelo jazz e o bebop.

- Como vocês conseguiram essa improvisação nas filmagens?
- Tentando incorporar aquilo que você encontra à beira da estrada para dentro do filme. Se neva, a gente incorpora uma cena com neve. Se chove, incorpora a chuva. Criamos algumas falas que não existiam quando, por exemplo, o ator Viggo Mortensen (que interpreta o Old Bull Lee, personagem do escritor William Burroughs), cita a famosa frase de Fellini: “Traduttore tradittore”. Tradutores, traidores. Temos consciência de que, ao traduzir de uma linguagem para outra, sempre traímos o autor, pois não existe uma transposição absolutamente literal.

- Quando se pode dizer que uma adaptação de um livro para o cinema foi bem sucedida?
- O melhor que pode acontecer a um cineasta que adapta a obra de um autor é ver que o filme leva jovens leitores de volta à obra original, ao livro. Só Kerouac pode falar por Kerouac. Cada leitor poderá desenhar seu próprio Neal Cassidy ou a sua própria Marylou.

- Como você escolheu o elenco?
- Bem cedo no processo, desde 2005. A primeira atriz que eu convidei foi a Kirsten Dunst (ao lado), como Camille, na vida real Carolyn Cassady, hoje com quase 90 anos. Sempre fui um fã da precisão que a Kirsten tem, da capacidade de dizer tanto parecendo fazer tão pouco. E ela é também uma camaleoa.

- Kirsten Dunst disse ter adorado trabalhar com você, porque você fazia no máximo três tomadas de cada cena, diferentemente de diretores inseguros, que insistem em uma quantidade exagerada de takes. Esse é um estilo adquirido com a experiência ?
- Em primeiro lugar, a Kirsten Dunst chega tão preparada para cada cena que cada take é diferente do outro e cada um é melhor ou tão bom quanto – e não é necessário ir além. A outra questão é que tivemos menos tempo para filmar do que com Diários de Motocicleta. Filmamos Na estrada em 69 dias. Em Diários foram 83 dias de filmagem. Não havia tempo para refazer muitas cenas.

- Como foram escolhidos os outros atores? (na foto acima, Kristen Stewart como Marylou, Garrett Hedlund como Dean e, ao fundo, Sam Riley como Sal)
- Fizemos testes na costa oeste e na costa leste americanas, em 2005. Surgiram Sam Riley e Garrett Hedlund, para fazer a dupla principal de amigos: respectivamente, Sal (Jack Kerouac) e Dean (Neal Cassady). E outros que eu não conhecia. Amigos acabaram me trazendo sugestões importantes: o cineasta mexicano González Iñárritu tinha acabado de ver, em 2006, a primeira montagem de Na natureza selvagem, de Sean Penn, e aí me disse que havia no filme uma menina de 16 anos perfeita para a Marylou e o nome dela era Kristen Stewart (que fez depois a série Crepúsculo). O convite veio daí, e ainda por cima ela me disse que seu livro de cabeceira era On the road. Não precisava de mais nada. O livro Into the wild, de Jon Krakauer, que deu origem ao filme de Sean Penn, tem de fato uma relação direta com o o livro do Kerouac. É um relato que parte da insatisfação com a vida que se está levando no ponto de largada e o desejo de se experimentar o mundo, inventar um outro futuro. Só que o final do Krakauer é trágico, talvez por se situar 30 anos depois, num tempo mais conservador. O fim não invalida, porém, o valor intrínseco da jornada em busca de si mesmo.

- É natural que o Brasil se sinta representado por Sur la route (Na estrada) em Cannes, mesmo sendo uma coprodução europeia? Você se sente um diretor brasileiro?
- É inevitável que eu traga um olhar formado no Brasil em primeiro lugar. Que se modificou a partir do momento em que fiz Diários sobre o Che Guevara. Esse olhar ganhou uma nova perspectiva, já que passei a me sentir não só cineasta brasileiro, que eu sou, mas também latino-americano. Eu vejo esse projeto do On the road (Na estrada) como uma maneira de dialogar com uma paixão de juventude, que foi a leitura deste livro no original em inglês, durante a ditadura militar brasileira, um período de muita repressão.

- Quais são seus planos agora?
- A partir de agora, meu maior desejo é voltar a filmar no Brasil e na América Latina. Eu nunca fiz dois filmes seguidos fora do continente latino-americano. Tenho a nítida sensação de que a pertinência do que você diz está ligada à proximidade de suas raízes. E por isso a primeira coisa que eu faço quando eu viajo é ter certeza de que o passaporte está perto do corpo.

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