Eu não errei ao escolher o primeiro livro para 2013. O Véu Pintado me arrebatou!
Eu já era apaixonada pelo filme O Despertar de Uma Paixão que é baseado no livro, mas o livro! Ah! Que leitura deliciosa! Que afago ao meu humilde intelecto!
Ao iniciar a leitura, tentei não focar no filme - visto que os personagens são diferentes em ambos os gêneros. E, mesmo sem o romance melancólico, o livro é, sem dúvida, muito superior ao filme. Quantas lágrimas verti por Walter Fane! Ah! Quantas! Quanto orgulho tive de Kitty Fane!
Kitty é uma garota fútil e inútil que possui uma beleza estonteante e um gosto esfuziante por aquilo é vão. Jovem, vê todos os homens caírem aos seus pés com pedidos de casamento tolos. Ela menosprezava a todos. Porém, aos 25 anos ela vê sua irmã de 18 prestes a casar antes dela. Desesperada, aceita a proposta de Walter Fane. Casam-se e ela parte para uma jornada que mudará sua vida.
Walter Fane é um médico, especialista em bacterologia e trabalha para o governo. Perdidamente apaixonado por Kitty e rejeitado por ela, Walter tenta exprimir todo o seu sentimento pela amada buscando algum sentindo no mundo superficial que ela vive. Tímido, suas ações e feições não deixam transparecer o quão mortalmente é apaixonado por aquela boneca de porcelana de coração vazio. E, ao casarem, pouco dessa situação muda.
Walter é resguardado quanto ao seus sentimentos, e a menor desaprovação ou ridicularização da amada sobre si, fecha-se como ostra.
Kitty tem verdadeiro pavor e horror ao marido. Porém, sente-se lisonjeada, em algumas circunstâncias, com os cuidados que ele tem para com ela. Nunca o amou, nem por piedade. As relações sexuais com o marido lhe davam asco, mas cumprira seu papel.
Entra nesta relação conturbada o bon vivant Charles Townsend e sua despreocupada esposa, Dorothy.
Kitty encontra em Charles todo a sensualidade, alegria e riso fácil que não encontra no marido, e torna-se sua amante.
A devoção de Walter por Kitty é abalada ao descobrir a traição da esposa. Chocado e colocando-se ainda mais em um ostracismo quase sem volta, ele decide levá-la ao centro epidêmico da cólera: Mei Tan Fu, China.
O ano era 1925. Divórcio? Sem chance para Kitty. Ele a levou à epidemia.
O livro é dedicado à Kitty. Walter torna-se um personagem chave para levá-la à transformação de caráter da fútil senhora; porém, Walter não está em foco. Kitty é o foco. Se ele não está com ela, é descartável.
Mesmo percebendo que a esposa está em transformação, as atitudes dele permanecem as mesmas desde o dia que ele anunciou saber da traição dela até o dia de sua morte.
Ela sabia que o golpe dado no marido havia sido fatal. Não haveria volta para o casal. Ele a amava e não perdoara a si e à ela por estar sofrendo.
Durante os trabalho no convento francês no centro de Mei Tan Fu, Kitty descobrira uma nova forma de olhar a vida: através da morte iminente.
A nova personalidade da senhora Fane começa a ser moldada. Primeiramente, ela descobre que seu marido não é um cubo de gelo, alguém sem apego ao próximo. No convento, todas as freiras o adoram. Seu trabalho é louvado e sua coragem enaltecida. O apego de Walter pelas crianças é chocante para Kitty. Ela dividia o pobre bangalô com um ser humano - indecifrável, mas completo.
O olhar sobre o marido mudou. Não o amava, mas sentia-se orgulhosa por ser esposa de um homem inteligente, íntegro, humano. Procurava ultrapassar a barreira criada entre eles, mas Walter a mantinha à distância. Convivia com a esposa como se estivesse acompanhado por uma pessoa estranha, onde somente uma conversa absolutamente necessária os levavam ao diálogo.
O trabalho no convento a evolui consideravelmente. Ela questiona seus antigos conceitos e seu amor por Charles Townsend - que havia saído dos seus sonhos e pensamentos de modo que ela não percebera.
Ele já não importava mais. Ela era útil. Tinha uma função na qual era necessária. Pessoas dependiam do seu trabalho. Ela não estava feliz, estava satisfeita.
A proximidade com um inglês, o senhor Waddington, também agregada à sua mudança. Foi ele quem a apresentou às freiras francesas e quem a passava as tarde a conversar com Kitty quando Walter estava fora.
Conforme Kitty percebia a sensibilidade da vida, suas formas de encará-la alteravam.
Kitty não é uma heroína, ela é humana. Cometeu erros e acertos. Nunca amou Walter, nem por conveniência ou para agradá-lo. Não mentiu, quando era possível, sobre não saber quem era o pai do seu filho: Charles ou o marido. Não se esforçou para ser aquilo que se esperava dela: não chorou a morte dele. Foi trabalhar no dia seguinte e ficou ainda uma semana em Mei Tan Fu antes das freiras, gentilmente, a mandarem embora. Ela recusava ir. Era útil naquele lugar, poderia ajudar.
Porém, grávida, as freiras a convidaram a voltar para a casa de seus pais, na Inglaterra.
O caminho de volta foi cheio de surpresas. Descobriu que Walter foi considerado um mártir, Charles Townsend continuava um canalha e que ela o desejava.
Sua mãe não estava mais presente, então foi viver com seu pai em Bahamas, jurando educar sua filha (deseja que fosse) para ser uma mulher independente e conhecedora do valor que há na vida.
O livro é maravilhoso. Ele mostra ao leitor que há um sentido na vida que é deixado de lado na correria do dia a dia e, dessa forma, agregasse outros valores à ela.
Kitty conheceu os dois lados da vida: o fútil e o verdadeiro sentido, onde há pessoas morrendo diariamente, seja por doença, pela mão do próximo ou por suicídio. Uma vida que é feita de sacrifícios: onde a alegria e satisfação está na abnegação de algo e não, necessariamente, no conforto e consumo exagerado. As freiras a ensinaram que servir é fazer-se feliz em ajudar ao próximo para vê-lo feliz.
E as freiras eram enigmáticas para Kitty; havia algo nelas que as distanciavam de Kitty - ela não entendia o que era. Eu senti que a espiritualidade da protagonista estava sem um norte. Ao longo da trama é percebível a insatisfação dela com essa distância entre as senhoras do convento e ela.
A vida é frágil, é um véu: fino e delicado e tênue com a morte.
Kitty aprendeu que uma mulher pode ser útil e independente de um homem.
Ela sofrera por ser criada para ser uma boneca de luxo, vista como um bem a ser adquirido por um homem que a desejasse; que em troca ganharia uma casa, dinheiro e filhos.
Kitty percebeu que poderia ser mais do que um objeto cobiçado. Ela pode fazer seu próprio destino.
Seu casamento com Walter seria, e foi, um total fracasso: estaria presa a um homem que a desprezava por não ser aquilo que ele imaginou que ela fosse.
Ela decidiu não ser o que os outros querem, ela seria ela mesma, renovada.
O livro foi posto na prateleira em meio a lágrimas.
Inicio, hoje, outra leitura, mas Kitty nunca será esquecida! Eu a odiava, e agora a amo.
Omnia Vanitas.