"O que eu temia veio sobre mim" Jó 3:25
Olá, anônimo leitor!
Essa semana, eu terminei minha segunda leitura de A Coisa, de Stephen King (e primeira leitura desta edição).
O livro contém 1.103 páginas; e, para não se perder o ânimo (mesmo a história sendo muito bem escrita), eu coloquei meus bilhetinhos para me guiar na leitura. Separei conforme o índice: as partes e os interlúdios e, ainda, coloquei tiras com anotações que achei interessantes para colocar no blog - não sei se usarei todas, mas foram marcadas para tal - usei essas anotações por se tratar de uma obra de muitas páginas e, se não marcasse, poderia vir a esquecer aquilo que chamou minha atenção na época da leitura. Coisa de leitor. Comecei esta leitura dia vinte e três de abril/2017 e terminei dia primeiro de junho do mesmo ano.
Houve alguns contratempos na leitura: fiquei uma semana colocando a montagem do meu quebra-cabeça de deua mil peças em dias e, claro, eu também tive que trabalhar no turno do meu marido para que alguns fatos fossem resolvidos por ele. Sendo assim, começo a história.
Durante as férias de verão, em Derry - Maine, sete crianças se reuniram para matar um palhaço assassino.. Pensa nisso, vingativo leitor, que bela redação de "Minhas Férias" estas crianças escreveram (rs).
Um palhaço, Parcimonioso (em PT; Pennywise na língua inglesa), atraia crianças e as mata alimentando-se do medo delas. E, daqueles que não se deixaram se impressionar pela teia do palhaço, os sete amigos decidiram dar um fim neste personagem circense.
Por que um palhaço? Segundo a lenda universal, palhaços são seres "assustadores" e os americanos parecem ser os mais assustados em relação a tal personagem. Mas, segundo o Parcimonioso:
...ora, que criança não adorava um palhaço?
Tentei buscar alguma explicação para essa fobia, mas não a encontrei; então, vamos aceitar o medo sem o justificá-lo. E a classe de palhaços se manifestou contra Stephen King e o autor se defendeu:
A primeira parte história começa com as crianças, no ano de 1958, quando as crianças ferem a Coisa no dia dez de agosto daquele ano. Porém, vinte e sete anos depois, a Coisa volta a atacar a mortal cidade do Maine. Então, Mike, o bibliotecário da cidade, liga para seus seis amigos no dia vinte e oito de maio de 1985 para avisar que aquilo que eles achavam estar morto, voltou. E assim acontece um segundo confronto, mortal para alguns membros deste grupo.
A psicologia utilizada neste livro é muito boa - até mesmo aquelas que aparecem nas entrelinhas. Deixe-me listar alguns, curioso leitor.
O livro fala sobre o medo que alimenta a Coisa. Apesar de se apresentar como um palhaço com balões, o ataque é sempre mortal quando a Coisa se apresenta com o medo particular de cada criança e, também, a uma explicação para o ataque acontecer contra crianças e adolescente:
A Coisa sempre se alimentou bem de crianças. Muitos adultos poderiam ser usados sem saber que foram usados, e a Coisa até já tinha se alimentado de alguns mais velhos ao longo dos anos. Os adultos tinham seus próprios pavores, e as glândulas deles podiam ser invadidas, abertas, para que todos os componentes químicos do medo jorrassem pelo corpo e salgassem a carne. Mas os medos das crianças eram mais simples e normalmente mais poderosos. Os medos das crianças costumavam ser invocados com um único rosto… e se fosse preciso usar isca, ora, que criança não adorava um palhaço?
Essa explicação justifica o medo particular de cada criança: Ben tem medo da múmia, Eddie do leprosos, Mike do pássaro grande, Stan tem medo das crianças mortas na Torre D'Água, Richie tem medo do lobisomen juvenil etc. E, na minha primeira leitura eu achei muito toscos os medos, porém, na releitura eu tive a sensibilidade de perceber esse fato.
Outras questões que são interessantes de marcar se referem, na minha opinião, ao medo: a Coisa mora nos esgostos de Derry; as sete crianças brincam na saída do esgosto da cidade; a bicicleta de Bill fica guardada embaixo de uma ponte; o clube secreto se esconde em um buraco no chão.
A simbologia desses pontos foram relacionados, por mim, ao medo por estarem sempre "para baixo". O medo é algo que fica escondido embaixo de uma camada de coragem.
A lembrança que os personagens tem dos fatos que os uniram é algo bloqueado na mente deles. A recordação foi bloqueada quase no momento seguinte que eles se separaram depois ferirem a Coisa. A amizade não seria mais tão sólida pois o que os unia - o medo - foi dissipado. Quando adultos, não se lembram mais uns dos outros até o momento que Mike faz a ligação tão temida: a Coisa atacando novamente. Assim, as lembranças das desventuras que o grupo viveu foram surgindo lentamente na vida de cada personagem conformem conversavam sobre o assunto ou visitando os locais nos quais tinham vivido naquela época. O medo é tratado como um trauma que não permite que a lembrança seja "viva" para não paralisar o indivíduo - como se estevessem em uma espécie de coma. Stan diz que o ele vive, na adolescência, deve ser recusada por ser uma ofensa. Achei essa definição sobre o assunto muito peculiar. Eis o trecho:
"É com a ofensa que você talvez não consiga viver, porque ela abre uma rachadura dentro do seu pensamento, e se você olhar dentro dela, vê que há coisas vivas ali, e elas têm olhinhos amarelos que não piscam, e tem um fedor naquela escuridão, e depois de um tempo você acha que talvez haja um outro universo lá dentro, um universo em que uma lua quadrada sobe no céu e as estrelas riem com vozes frias e alguns dos triângulos têm quatro lados, e alguns têm cinco, e alguns têm cinco elevado a cinco lados. Nesse universo, podem crescer rosas que cantam. Tudo leva a tudo, ele teria dito para os amigos se pudesse. (...) Pareceria uma ofensa".
O livro aborda o racismo contra judeus e negros e, também, a violência contra a mulher. Deixe-me descorrer um pouco sobre este último tópico.
Bevvie era agredida pelo seu pai e, ao casar, o marido fazia o mesmo. Uma das coisas que mais chamou muito minha atenção foi a amiga de Bevvie: uma feminista que lucrou com um divórcio e fazia propagandas em favor da libertação da mulher de esteriótipos machistas. Porém, não é isso que chamou minha atenção. Essa amiga, Kay McCall, aconselhava Bevvie a largar o marido, Tom. Os discursos de "como você pode viver com esse homem", "chute a bunda dele", "reaja!" etc eram os mais dirigidos à vítima; mas, de repente, tudo mudou. Quando Beverly recebeu a ligação de Mike, ela deixa Tom para trás - depois da violência habitual, mas, desta vez, contra Tom. A fugitiva corre para a amiga, pedindo dinheiro emprestado para voltar ao Maine etc e tal. Em tudo, Kay ajuda. Mas uma coisa a feminista não contava: Tom foi atrás dela.
Todo o seu feminismo não a salvou. O marido violento de Bevvie lhe aplicou a violência mais forte que eu capaz de utilizar naquele momento e, o resultado, foi que o medo a privou de denunciar o agressor. Sou contra a violência doméstica, mas sou contra, principalmente, as pessoas que pregam "a liberdade" mas não sabem lidar com o psicológico que a vítima sofre.
A união dos amigos é uma junção dos excluídos, eles apelidaram seu grupo como o
Clube do Otários. Bill é gago, Richie é pirado, Eddie é hipocondríado, Ben é gordo, Stan é judeu, Mike é negro, Bevvie sofre violência doméstica. É um grupo de discriminados.
Notas mais pessoais sobre essa leitura:
- personagem preferido: Benjamin Hanscon
- parte preferida: o balão que estoura na biblioteca quando Mike escreve suas anotações (interlúdios)
- capítulo preferido: todos os interlúdios.
- capitulo mais tosco: a cena de sexo para encontrar o caminho para casa (??)
Stephen King aborda temas muito relevantes, além do medo patológico por palhaços - e é isto que eu amo nesta obra.
Esta é minha visão de
A Coisa, determinado leitor. Leia!
Omnia Vanitas